Vargas e o movimento sindical

No discurso feito em primeiro de maio de 1951 Vargas anunciou uma nova aproximação com os trabalhadores. “Preciso de vós, (…); preciso de vossa união; preciso que vos organizei solidamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso ao lado do governo, para que este possa dispor de toda força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas”. Ou seja, ele conclamou os trabalhadores a ingressarem nos sindicatos para apoiar o governo, dando-lhe a base popular necessária para a realização de seu projeto. Isto era fundamental para re-equilibrar a correlação de forças em favor das correntes industrialistas.

Durante a sua campanha eleitoral Vargas criticou as intervenções sindicais promovidas no governo Dutra e prometeu entregar os sindicatos para os trabalhadores através de eleições livres. Poucos dias após a posse uma comissão de trabalhadores visitou o ministro do trabalho Danton Coelho cobrou dele o fim do “atestado de ideologia”. Ele, no entanto, deixou claro qual era sua visão sobre a liberalização dos sindicatos. “Sou inteiramente contrário ao atestado de ideologia. Apenas não permitirei que nenhum comunista tome parte das direções sindicais (…) Os trabalhadores terão o direito de escolher seus dirigentes sindicais contanto que não sejam comunistas”.

No primeiro ano o governo continuou sem empossar várias diretorias com participação comunista e colocou sob intervenção vários sindicatos, como o dos marceneiros e dos têxteis de São Bernardo do Campo, que estavam dirigindo greves em suas categorias. Durante uma greve dos metalúrgicos em Belém determinou o fechamento do sindicato. Na eleição para o Sindicato dos Operários Navais do Distrito Federal negou o registro da chapa encabeçada pelos comunistas.

Ele também reprimiu manifestações operárias quando passavam a fugir do controle e representar uma ameaça para seu projeto de incorporação subordinada das massas populares. Em abril a polícia política impediu a realização da 2ª Conferência Sindical dos Trabalhadores do Distrito Federal, então no Rio de Janeiro. No primeiro de maio as manifestações sindicais não oficiais foram duramente reprimidas.
Houve também uma repressão seletiva aos movimentos grevistas. O primeiro grande confronto entre governo Vargas e grevistas deu-se no próprio mês de maio, por ocasião da greve dos ferroviários da Rede de Viação do Rio Grande do Sul. Diante do impasse nas negociações, os governos estadual e federal enviaram tropas do exército contra os grevistas.

No mesmo mês o governo suspendeu as atividades da Associação dos Trabalhadores de Barretos. Esta havia dirigido uma importante greve na cidade. Outro caso grave foi o fechamento da Associação dos Trabalhadores do Arsenal da Marinha. Em outubro a polícia ocupou a sede da associação, dissolveu uma assembléia e prendeu cerca de 80 operários. Vários deles ficaram presos durante meses e denunciaram terem sofrido torturas. Tudo isto ocorreu no primeiro ano do governo Vargas.

No entanto, em 1º de maio de 1952 Vargas sancionou a lei que pôs fim ao atestado ideológico. Isto sinalizava para uma mudança de posição do governo em relação ao movimento operário e sindical. Uma mudança no sentido da radicalização da política populista, que terá como ponto alto a indicação de João Goulart para o Ministério do Trabalho em junho de 1953.

O PCB e a sindicalização de Vargas

Após o apelo de Vargas para o ingresso em massa dos trabalhadores nos sindicatos, os comunistas reforçaram a sua política de retomada destas organizações. Afirmou João Amazonas: “Devemos chamar os trabalhadores para ingressarem nos sindicatos com a finalidade de lutarem ativamente por suas reivindicações e arrancá-las das mãos dos pelegos e do Ministério do Trabalho. Dentro dos sindicatos ministerialistas, a luta pela liberdade sindical deve ser realizada através de campanhas pela convocação de assembléias de massa, por eleições livres, pelo direito dos sindicatos (…) se filiarem abertamente à CTB. Simultaneamente devem lutar pela organização sindical dos trabalhadores nos próprios locais de trabalho (…) pois a unidade e a organização sindical têm, nas empresas, o seu ponto de apoio fundamental”.

Pelo menos um dos aspectos da política sindical dos comunistas vinha ao encontro dos interesses de Vargas. Era, justamente, a diretiva de “encher os sindicatos”. Mas os comunistas não cansaram de afirmar que, embora se aproveitando de uma iniciativa governamental, os seus objetivos e o de Vargas eram fundamentalmente diferentes. O governo queria levar os trabalhadores para os sindicatos para controlá-los e os comunistas para unificá-los e encaminhá-los à luta por seus interesses imediatos e históricos, desmascarando a política demagógica de Vargas.

A partir do segundo semestre de 1951, os comunistas passaram a incentivar a formação de comissões sindicais nas empresas. Estas deveriam gradualmente integrar-se à estrutura sindical, como elo entre as diretorias sindicais e as bases operárias.

A autocrítica sindical de junho de 1952

O documento “Ampliar a Organização e a Unidade da Classe Operária”, aprovado em julho de 1952, abriu uma nova fase na política sindical dos comunistas. No balanço sobre o desenvolvimento da sua política sindical desde o início de 1948, a direção do PCB foi bastante crítica. Afirmava o documento: “Não colocamos (…) de maneira justa o problema da unidade do movimento operário (…) A própria diretiva da organização nas empresas, acertada em princípio, para ser justa deveria apresentar claramente como tarefa precípua de tais organismos reforçar a luta dos trabalhadores e levá-los à conquista de seus sindicatos e não à criação de novas associações profissionais ou de uma nova organização sindical no país”.

O documento constatava uma resistência acentuada da militância em acatar a diretiva de atuar nos sindicatos sob intervenção: “Persistem incompreensões que se manifestam, de um lado, na resistência que muitos comunistas opõem ainda à tarefa de ingressar nos sindicatos e neles trabalhar ativamente; de outro, na aceitação passiva das arbitrariedades do governo no movimento sindical, na adaptação comodista às condições existentes, sem maior esforço para levar os operários sindicalizados a lutarem concretamente pela liberdade e pela independência”.

A nova política sindical propôs uma aproximação com as direções sindicais menos burocratizadas e mais próximas das aspirações dos trabalhadores. Os comunistas procuraram formar chapas unitárias para concorrer às eleições sindicais. João Amazonas afirmou: “Nesta luta não se trata de atacar este ou aquele grupo de operários cujas opiniões divergimos. Isto seria ajudar a divisão almejada pelo ministério. A luta não é entre os trabalhadores, mas dos trabalhadores contra a interferência ministerialista (…) Torna-se, assim, urgente, organizar chapas unitárias, amplas, capazes de reunir a grande maioria dos sindicalizados”.

Esta nova política sindical dos comunistas, somada à relativa liberalização da vida sindical, permitiu que os comunistas ampliassem sua influência no movimento sindical, do qual haviam sido praticamente excluídos durante o governo Dutra. Em março de 1953, por exemplo, os comunistas dirigiram uma das principais greves operárias ocorridas no Brasil que envolveu 300 mil trabalhadores paulistas e durou cerca de um mês. Ela teve um forte impacto na vida política nacional. Poucas semanas depois entraram em greve nacional mais de 100 mil marítimos. Estas paralisações massivas criaram as condições para que se constituísse um embrião de central sindical, o Pacto de Unidade Intersindical, sob hegemonia comunista.

A aproximação entre os comunistas e os setores mais avançados do trabalhismo no movimento sindical não alterou a posição dos comunistas em relação ao governo Vargas. Em meio ao movimento grevista Luís Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, chegou a afirmar que o governo era “um governo de traição nacional, um governo de guerra, de fome e de reação” e conclamou para que se desencadeasse “uma luta firme e sistemática que o desmascare e o isole das massas”.

Em 15 de junho de 1953, visando recobrar o terreno perdido para os comunistas no movimento sindical, Vargas indicou João Goulart para o Ministério do Trabalho. Este, em fevereiro de 1954, apresentou a proposta de reajuste de 100% no valor do salário mínimo — roubando a principal bandeira das lideranças comunistas. Diante da forte reação conservadora o governo recuou e destituiu Goulart. Isto não deteve a avalanche oposicionista, encabeçada pela UDN.

Em resposta, no primeiro de maio de 1954 Vargas decretou o reajuste de 100% no salário mínimo. O governo sinalizava assim para uma aliança preferencial com as classes populares. O PCB não compreendeu isto e acabou fazendo o jogo das forças mais conservadoras. Segundo os comunistas, Vargas continuava sendo um governo “de traição nacional” e “inimigo do povo”.

No dia 24 de agosto, diante de um golpe militar, o presidente Vargas suicidou-se. Ao saber da morte do presidente o povo se rebelou nas principais cidades brasileiras. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas foram atacadas pela multidão e as representações do governo norte-americano foram objetos de hostilidades em todo país.

O jornal comunista Imprensa Popular, que circulava no dia do golpe, trazia uma entrevista com Prestes, no qual este afirmava: “O sr. Vargas já confessou repetidamente que não se sente bem nas suas roupagens de presidente constitucional, mas falta-lhe ainda a força indispensável para realizar o golpe de Estado, liquidar os últimos vestígios constitucionais implantar a ditadura terrorista que almeja”. Por esta posição anti-Vargas os comunistas acabaram sendo alvo da fúria popular. No Rio Grande do Sul o jornal comunista Tribuna Gaúcha teve sua sede depredada.

O impacto da morte de Vargas — as grandes mobilizações populares antiimperialistas — levou o PCB a realizar uma surpreendente guinada na sua política de alianças e se aproximasse dos trabalhistas. “O momento exige que trabalhistas e comunistas se dêem fraternalmente as mãos e que juntos lutem em defesa das leis sociais conquistadas”, afirmava um documento do PCB. Iniciava-se, assim, uma nova etapa da história do Brasil e do Partido Comunista do Brasil.

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Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)