É impossível entendermos a história da luta do proletariado brasileiro no século XX, em especial a sua intervenção nas diversas conjunturas, sem conhecermos a história da organização que mais se relacionou com ele, se constituindo num dos principais instrumentos a serviço da conquista de seus interesses imediatos e, principalmente, da realização do seu interesse histórico-universal: a instauração do socialismo no Brasil e no mundo. A organização a que me refiro é o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que este mês completará 82 anos de vida. É, justamente, a história desta rica relação entre o proletariado brasileiro e o seu partido político que pretendemos contar a partir de hoje nesta coluna, através de uma série de quatro artigos.

Das origens à Revolução de 1930

Os anos 1917-1920 foram marcados por uma onda grevista jamais vista na história do Brasil. No entanto, as vitórias alcançadas não ficaram à altura das movimentações ocorridas. Muitas das conquistas arrancadas durante as greves não conseguiram ser mantidas e o movimento operário e sindical entrou em refluxo. Mas quais as razões para estes revezes?

Em primeiro lugar existiam razões de ordem objetiva. Apesar de combativos, os operários constituíam uma minoria absoluta da população brasileira, eram ilhas de modernidade no mundo rural e oligárquico. Ainda predominava o trabalho em pequenas oficinas, embora já se constituíssem grandes empresas com milhares de operários. Em segundo lugar, existiam razões de ordem subjetiva, ligadas à hegemonia do anarco-sindicalismo no movimento sindical brasileiro nos primeiros anos do século XX.

Os anarco-sindicalistas eram espontaneístas e se prendiam quase exclusivamente à luta econômica corporativa. Negavam a necessidade de o proletariado se organizar em um partido revolucionário e travar a luta de classes no campo da política. Questões estratégicas, como a luta pelas liberdades democráticas (eleições livres, voto secreto, direito de voto para as mulheres, analfabetos e imigrantes), pela reforma agrária e a defesa das bandeiras antiimperialistas, passavam ao largo das reivindicações anarquistas.

Num país dependente, composto por uma população de maioria camponesa, dirigido por uma oligarquia que excluía a imensa maioria da população da participação política e dos direitos sociais básicos, estas seriam questões que poderiam ampliar a força e trazer importantes aliados para o lado dos operários. O sectarismo anarquista isolava os operários e facilitava a repressão exercida pelos governos oligárquicos, para os quais a questão social era uma questão de segurança pública.

Outro fator que contribuiu para o agravamento da crise do anarquismo foi a vitória da Revolução Russa, dirigida pelos bolcheviques, que mostrou outro caminho: a organização do proletariado em partido político e enquanto classe no poder. Uma conseqüência direta dos embates políticos no interior da vanguarda do proletariado a partir de 1917 foi a fundação do Partido Comunista do Brasil (sigla PCB) em março de 1922. Este foi um dos marcos da crise final do anarquismo brasileiro.

Embate com os anarquistas

O Congresso de fundação do PC do Brasil iniciou-se em 25 de março e contou com a participação de nove delegados representando 73 comunistas. A grande maioria desses militantes era de operários oriundos do movimento anarquista e de ativistas sindicais. Portanto, o Partido Comunista desde a sua formação tinha a marca da classe operária brasileira.

Os seus primeiros anos foram marcados pelos embates com os anarco-sindicalistas e sua concepção sindical. Astrojildo Pereira, em artigo publicado em junho de 1922, afirmou: “O proletariado (…), em sua fração mais avançada e mais combativa, procura reerguer-se do descalabro em que se deixara abater pela reação burguesa (…) re-agrupando e reforçando as hostes dispersas (…). Há de considerar, em primeiro lugar, que os sindicatos, para valerem como tais, devem associar as grandes massas de assalariados e não apenas insignificantes frações tendenciosas ou sectárias”.

Para ele, a política estreita implantada pelos anarquistas deveria ser derrotada e os sindicatos transformados em organizações unitárias e de massa. Astrojildo defende a participação nas organizações dirigidas pelos “amarelos”. Estas viviam à margem do movimento operário real e a culpa por este afastamento seria do “revolucionarismo inábil e inepto que não as tem sabido conquistar”. Esta política ampla e flexível era inconcebível para os doutrinários anarquistas.

No início de 1923, os comunistas fizeram um acordo com a Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira (CSCB), dirigida por Sarandy Raposo, de tendência “amarela”, e passaram a divulgar as suas opiniões numa seção sindical publicada diariamente em O País, jornal burguês de ampla circulação. No mesmo ano, os comunistas estiveram à frente da greve dos gráficos de São Paulo. Ela durou mais de um mês e foi uma das mais importantes do período. O dirigente nacional do PCB, João da Costa Pimenta, era o secretário-geral da União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo.

Entre 1923 e 1924 os comunistas já haviam alcançado importante influência no movimento sindical no Rio de Janeiro. Conseguiram conquistar a direção dos sindicatos dos gráficos, metalúrgicos, barbeiros, padeiros, do Centro Cosmopolita, que congrega garçons e cozinheiros, da União dos Operários em Fábricas de Tecidos, da Associação dos Marinheiros e Remadores, da União dos Alfaiates. Em São Paulo, conquistaram os sindicatos dos gráficos, dos calçados, dos empregados em cafés e restaurantes.

Esforço unitário

Neste período, os comunistas tentaram unificar o movimento sindical carioca em torno da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (FTRJ), dirigida por sindicalistas “amarelos”. Defendiam que através dela poderia ser construída a unidade dos trabalhadores, “sem distinção de tendências”. Os anarquistas não aceitaram a proposta de unidade e fundaram a Federação Operária do Rio de Janeiro.

Segundo Astrojildo Pereira, a política sindical anarquista seria uma política de divisionismo. “Para os anarquistas, a organização sindical deve ser construída à base idealística, doutrinária, política. Que sindicatos das várias tendências se federem à parte, segundo as tendências comuns a cada grupo (…) Tudo separado! Federação anarquista de um lado, Federação comunista de outro lado, federação amarela ainda de outro lado (…) Ora, esta é também a opinião da burguesia. Quando mais dividido estiver o proletariado, melhor para ela”.

Em 1924, ocorreram dois primeiros de maio no Rio de Janeiro, um convocado pelo PCB, pela CSCB de Sarandy Raposo e outras organizações. Neste ato inúmeras lideranças comunistas utilizaram a palavra. O outro ato foi convocado pela federação anarquista. Deste participaram apenas 500 trabalhadores, refletindo o refluxo do movimento anarquista no Rio de Janeiro.

No final de 1925, o PCB lançou uma campanha pela formação da Confederação Geral dos Trabalhadores. Os comunistas foram os primeiros a apresentar a proposta de substituição dos sindicatos profissionais e de ofícios, defendidos pelos anarquistas, pelos sindicatos de indústria. Levantaram a consigna “todos os operários e todos os empregados de uma empresa devem ser membros de um só sindicato”. Estes sindicatos por indústria e ramo de produção deveriam ser a base do novo sindicalismo brasileiro.

Entre 25 de abril e 1º de maio de 1927 foi dado o primeiro passo para a unificação do sindicalismo brasileiro com a realização do congresso que fundou a Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro, hegemonizada pelos comunistas. O seu primeiro secretário foi Joaquim Barbosa, que era também secretário sindical nacional do PCB. Foi aprovada, então, a proposta comunista de se caminhar para a constituição da CGT. No primeiro de maio de 1927, realizou-se na Praça Mauá um grande ato público com forte participação comunista e com a presença de cerca de 10 mil trabalhadores.

Como resposta ao crescimento do movimento operário, o deputado Aníbal de Toledo propôs um projeto de lei antioperário, que ficaria conhecido como Lei Celerada. Ela tornava inafiançável o ato “criminoso” de “desviar os operários e trabalhadores dos estabelecimentos em que forem empregados, por meio de ameaças e constrangimento” e “provocar suspensão de trabalho por meio de ameaças ou violências, para impor aumento ou diminuição de serviço ou salário”. A lei ainda autorizava o governo a fechar as entidades e jornais operários. O projeto foi aprovado por amplíssima maioria e promulgado em 12 de agosto de 1927.

Entre 26 de abril e 1º de maio de 1929 realizou-se o Congresso Operário Nacional, que reuniu cerca de 100 delegados de todo o país. Neste congresso foi fundada a CGT e o intendente (vereador) comunista Minervino de Oliveira foi eleito primeiro secretário da central. Em 1929, os gráficos de São Paulo realizaram uma nova greve que duraria 72 dias. O governo fechou a União dos Trabalhadores Gráficos e prendeu sua comissão executiva. Formou-se o Comitê de Defesa Proletária. A CGT organizou atos de solidariedade em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Esquerdismo em 1930

Em outubro de 1930 eclode o movimento armado contra o regime. A oposição, que articulava os “tenentes” e setores descontentes das próprias elites, depois de derrotada nas urnas graças à manipulação das eleições e do assassinado de João Pessoa, candidato a vice-presidência na chapa de Vargas, precipitou um levante.

O PCB, impregnado pelo esquerdismo e obreirismo, decidiu não participar do movimento, encarando-o como uma luta entre grupos oligárquicos, com apoio do imperialismo inglês e norte-americano. No entanto, as massas populares apoiaram os revoltosos e realizaram grandes manifestações contra o governo deposto. Em várias cidades, militantes e simpatizantes comunistas acabaram apoiando o movimento armado. O PCB se esvaziou politicamente e começou uma fase de refluxo que duraria alguns anos.

Em janeiro de 1931, poucos meses depois da vitória aliancista, o PCB, através da CGT, resolveu realizar uma Marcha Contra a Fome. No manifesto, em tom provocador, afirmava: “Basta, camaradas! Não toleraremos mais esta situação de miséria e fome! Compareçamos todos à nossa ‘Marcha da Fome’ e tomemos à força o que de direito nos cabe! Contra o governo, contra a polícia, contra a burguesia, organizemos a nossa demonstração, assaltemos armazéns e levemos o pão para os nossos filhos.

Assaltemos as ‘casas de pasto’ e matemos a nossa fome no dia 19. A postos camaradas! Todos à Marcha da Fome (…) Viva a Confederação Geral do Trabalho”. A manifestação foi proibida pela polícia, que prendeu vários dirigentes comunistas.

Em resposta à Marcha da Fome, as organizações sindicais pró-governo realizaram uma grande manifestação, reunindo cerca de 15 mil trabalhadores, em apoio a Getúlio Vargas e a seu novo ministro do Trabalho, Lindolfo Collor. Estava se iniciando uma nova fase do sindicalismo brasileiro.

Bibliografia

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______________. Formação do PCB (1924-1928). Prelo, Lisboa (PO). 1976.

*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)