“(…) nosso partido surge na vida de nossa Pátria como a expressão das forças mais jovens da liberdade e da cultura e para as quais dirigem-se a ciência, a literatura e a arte de vanguarda, no constante combate que trava para o progresso e o aperfeiçoamento da civilização.” Pedro Pomar in Partido Comunista e a liberdade de criação, 1946.

O papel central desempenhado pelos comunistas na luta contra o nazi-fascismo no Brasil e no mundo atraiu a simpatia de parcelas significativas da intelectualidade brasileira. O prestígio da URSS e de Luís Carlos Prestes, o “cavaleiro da esperança”, estava no seu auge. Artistas e intelectuais acorreram em massa ao Partido que representava então as aspirações mais avançadas da humanidade.

Mesmo durante o Estado Novo (1937-1945) os comunistas mantiveram sob sua direção algumas publicações importantes que dedicavam grande espaço ao problema da cultura nacional. A revista Seiva da Bahia foi uma das primeiras publicações de esquerda criadas após a repressão de 1937. Nasceu já em 1938 e foi criação dos comunistas João Falcão, Rui Facó, Armênio Guedes, Diógenes Arruda e Jacob Gorender. Nela foi publicada Mensagem à inteligência da América que convocava “todos os intelectuais do continente para união e a confraternização em defesa da cultura e do progresso da humanidade”. Na Bahia existia a secção mais ativa do PC do Brasil na ocasião — a repressão havia atingido duramente o partido no Rio, em São Paulo e Pernambuco. A revista foi fechada em 1943, após a publicação de uma entrevista com o general Manoel Rabelo, presidente da Sociedade Amigos da América, inimigo mortal do general direitista Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas.

Mas, a principal publicação comunista a circular no final do Estado Novo foi a Continental, dirigida por Armênio Guedes e na qual colaboravam Milton Cayres de Brito, Ruy Facó, Mário Alves, Maurício Grabois, Edison Carneiro, entre outros. Depois de 1943 ela passou a ser o porta-voz oficioso da Comissão Nacional de Organização Provisória do Partido Comunista, defendendo sua política de “união nacional” e de “pacificação da família brasileira”. Mesmo assim, acabou sendo proibida de circular em 1944, na última grande investida repressiva do Estado Novo contra o PCB.

Os comunistas desde a década 1930 sempre se preocuparam em manter relações com a intelectualidade progressista. A Associação Brasileira de Escritores (ABDE) foi criada em 1942 por intelectuais democratas, em geral contrários ao Estado Novo. Desde o início os comunistas dela participaram tornando-se majoritários em sua direção a partir de 1945. Os comunistas também se envolveram na criação da União dos Trabalhadores Intelectuais (UTI), da qual participavam todas as categorias de trabalhadores, assalariados ou não, ligados ao trabalho não-manual — médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, escritores, artistas etc. O objetivo da entidade era aumentar a participação destes setores no processo de democratização que vivia o país.

O Partido Comunista construiu uma ampla rede de informação que abarcava oito diários nos principais Estados brasileiros: Tribuna Popular do Distrito Federal; Hoje de São Paulo; O momento da Bahia; Folha do Povo de Pernambuco; O Democrata do Ceará; e Tribuna Gaúcha do Rio Grande do Sul; O Estado de Goiás; e Folha Capixaba do Espírito Santo. Criou até uma agência de notícias própria, a Interpress, através da qual realizava a distribuição das informações para publicações do partido em todo território nacional e alimentava pequenos jornais do interior que não eram ligados ao Partido Comunista.
O principal jornal comunista era, sem dúvida, a Tribuna Popular que possuía uma tiragem de 30 mil exemplares diários e chegou a atingir, no seu auge, em 1946, cerca de 50 mil exemplares vendidos diariamente, igualando-se aos jornais mais vendidos no período. Ressurgiu também A Classe Operária, como órgão oficial do Comitê Nacional do PCB.

Em 1947 a direção nacional do PCB colocou em circulação a revista Problemas, que seria o principal órgão teórico do Partido naqueles anos. Sua tiragem chegou a oito mil exemplares. Os comunistas paulistas lançaram em julho de 1948, Fundamentos — revista de cultura moderna. Elas resistiram até meados da década de 1950, quando da crise do movimento comunista.

O PCB publicava também Momento Feminino, Terra Livre, Fundamentos, Emancipação, Divulgação Marxista, Revista do Povo, Horizonte, Paratodos, Literatura — esta última dirigida pelo veterano dirigente Astrojildo Pereira. O conselho editorial da revista Literatura era composto por Álvaro Moreyra, Aníbal Machado, Arthur Ramos, Graciliano Ramos, Orígenes Lessa e Manuel Bandeira.

No cenário cultural brasileiro cumpriram um importante papel as revistas Paratodos, Horizonte e Literatura — hegemonizadas por intelectuais comunistas. Existiam ainda outras revistas de inspiração comunista como Artes Plásticas de São Paulo; Temário do Rio de Janeiro; Seara e Presença de Recife.
Entre 1944 e 1947 os comunistas retomaram uma atividade editorial intensa e sistemática. Leôncio Basbaum foi encarregado de organizar uma editora partidária em moldes empresariais. Nasceu assim o Editorial Vitória que seria a editora mais importante dos comunistas brasileiros nos anos de 1940 e 1950. Nos primeiros anos publicou Contos de Natal de Dickens; A mãe e Máximo Gorki; entre outros títulos importantes. Nos anos de 1950 publicou a coleção “Romance do Povo”, que fez grande sucesso. A direção da coleção coube a Jorge Amado. Grande parte dela era composta por obras de autores soviéticos e quase nenhum brasileiro.

A revista teórica dos comunistas, Problemas, também se caracterizou nesses anos pela pouca atenção dada ao Brasil e pelo excesso de artigos de autores comunistas estrangeiros, especialmente soviéticos e do Leste europeu.

Este foi o período de maior influência dos comunistas entre os intelectuais brasileiros. O PCB adotou uma política cultural ampla e não sectária. Em 1946 Pedro Pomar e Jorge Amado publicaram o livro O Partido Comunista e a liberdade de criação, uma coletânea de artigos e discursos. Nele, Jorge Amado escreveu: “O PC do Brasil pode se orgulhar de ter tido nos últimos 15 anos (…) o melhor apoio e incentivo dos escritores e artistas”. E continuou: “Nunca, jamais o Partido deixou de jogar todo o peso de sua influência para apoiar, sem sectarismos partidários, a literatura e as artes modernas no Brasil (…) jogamos na batalha pela sua vitória porque sabíamos, os comunistas, que esta era uma batalha nossa, uma batalha também contra o fascismo”.

Afirmou o dirigente comunista Pedro Pomar: “nosso partido surge na vida de nossa Pátria como a expressão das forças mais jovens da liberdade e da cultura e para as quais dirigem-se a ciência, a literatura e a arte de vanguarda, no constante combate que trava para o progresso e o aperfeiçoamento da civilização”. Este amor pela arte e pela cultura modernas não se estendia às correntes abstratas e formalistas, combatidas pelos comunistas.

O jornal Tribuna Popular trazia uma concorrida seção cultural semanal de três páginas. Nela se publicavam autores não filiados, mas que, segundo os editores, “divergiam honestamente dos comunistas”. Entre estes estavam Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Orígenes Lessa. Eram também publicados textos de escritores comunistas como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Astrojildo Pereira.

O escritor Monteiro Lobato se aproximou do Partido, apoiando Prestes para o senado e votando nos candidatos comunistas para a Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa. Publicou um folheto popular defendendo o “Cavaleiro da Esperança”, intitulado O Zé Brasil. O nome do poeta Carlos Drummond de Andrade constou entre os primeiros diretores do jornal Tribuna Popular. Função da qual se afastou logo em seguida, por não concordar com a posição dos comunistas contrária à queda de Vargas. Drummond defendeu a candidatura presidencial do Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). Mas, para o senado votou em Prestes e Abel Chermont e para câmara federal votou numa chapa composta por comunistas.

Nestes anos de legalidade vários intelectuais foram candidatos pelo Partido Comunista entre eles Cândido Portinari, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Caio Prado Jr. etc. O próprio Carlos Drummond de Andrade foi convidado pessoalmente por Prestes para compor a lista de candidatos comunistas em 1945.

Organizavam-se exposições de artistas plásticos do Partido Comunista, nas quais se destacavam as obras de Cândido Portinari. Os artistas ilustravam jornais, revistas e outras publicações e colaboravam ativamente nas campanhas eleitorais e de finanças. No início dos anos 1950 organizaram clubes de gravuras por todo país.

A revista comunista Literatura, do primeiro semestre de 1947, foi dedicada ao centenário do poeta baiano Castro Alves. Este número publicou um manifesto da intelectualidade brasileira que afirmava: “Sem dúvida, a melhor forma de comemorar o centenário de Castro Alves consiste em reafirmar a fé patriótica que emerge do conteúdo da sua obra patriótica e democrática que emerge do conteúdo de sua obra como programa permanente de pensamento e ação ao serviço do povo”. Este foi o manifesto mais expressivo que a intelectualidade brasileira já havia produzido até então. Assinavam cerca de 300 intelectuais entre eles Afonso Arinos de Mello Franco, Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr., Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Otto Maria Carpeaux, Cândido Portinari, Hélio Peregrino, Sérgio Milliet, José Lins do Rego, Eneida, Prado Kelly. Este também foi o último documento da frente única cultural criada no final do Estado Novo.

Os comunistas ingressaram no mundo da arte cinematográfica e produziram diversos documentários de curtas-metragens sobre as atividades do Partido. Rui Santos criou uma empresa de produção cinematográfica chamada Liberdade Filmes. Esta produziu dois filmes: O comício de Prestes do Pacaembu e 24 anos de luta, ambos dirigidos e fotografados pelo próprio Rui Santos. O último filme tinha roteiro e texto de Astrojido Pereira, era narrado por Amarílio Vasconcelos e musicado por Gustav Mahler. Dele, constavam depoimentos de Astrojildo Pereira, fundador do PCB, do escritor Jorge Amado e de outros comunistas históricos.

Nelson Pereira dos Santos, então jovem militante comunista, dirigiu dois documentários: Juventude e Atividades Políticas em São Paulo. Os comunistas chegaram a produzir filmes de longa-metragem como Estrela da Manhã (1950) — com argumento de Jorge Amado, roteiro de Rui Santos e direção de Jonald Santos. As músicas eram do maestro Radamés Gnattali e Dorival Caymmi. Envolveram-se até mesmo numa co-produção com a República Democrática Alemã intitulada Rosa dos Ventos, baseada num texto do próprio Jorge Amado.

Os comunistas foram os principais animadores do movimento cineclubista. No Clube de Cinema da Bahia, dirigido pelo comunista Walter da Silveira, se formou um diretor como Glauber Rocha. Eles chegaram a organizar uma empresa para distribuir filmes, a Tabajara Filmes.

Esta situação foi sensivelmente alterada com o fechamento do Partido (1947), a cassação dos mandatos parlamentares (1948) e o acirramento da guerra fria no final da década de 1940 e início da década de 1950. A política cultural do PCB se tornou cada vez mais estreita e sectária. O crescimento do sectarismo no campo cultural no Brasil coincidiu com o amplo predomínio das idéias de Jdanov na política cultural soviética. Tivemos, então, o afastamento gradual de inúmeros intelectuais e artistas brasileiros do campo de influência comunista. Entre eles estavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo, Otto Maria Carpeaux. Álvaro Lins, Alceu Amoroso Lima.

Um dos momentos mais dramáticos do processo de cisão da intelectualidade brasileira ocorreu durante a eleição da Associação Brasileira de Escritores, ocorrida em março de 1949. Surgiram, pela primeira vez, duas chapas: uma apoiada pelos comunistas e outra pelos setores liberal-democráticos. Da chapa de oposição liberal participavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos de Melo Franco, Otto Maria Carpeaux, entre outros — grande parte deles havia assinado o manifesto de 1947 e apoiado os candidatos comunistas. Os intelectuais chegaram a entrar em confronto físico pela ata da reunião. O próprio Carlos Drummond de Andrade foi agredido. Os comunistas ganharam a eleição, mas a organização se esvaziou, perdeu seu caráter unitário — de frente única cultural — e toda importância que teve nos anos anteriores.

Intelectuais paulistas não-comunistas, como Antônio Cândido e Sérgio Milliet, passaram a ser taxados pela revista Fundamentos de “escória cultural da terra, em que pontificam tarados, renegados, lumpens e até mesmo alguns retardados mentais”. Um artigo emblemático desta fase foi o de Osvaldo Peralva, intitulado “Os intelectuais que traíram o povo”, publicado na revista Paratodos. Sobre Carlos Drummond ele afirmou: “anticomunista raivoso, para quem a lealdade jamais constituiu uma pedra no meio do caminho”. O crítico comunista Emílio Carréra Guerra, referindo-se ao grande poeta, escreveu: “Essa doença que lhes faz ver tudo negro, num mundo de problemas e contradições sem saída, é próprio de sua gente, da classe podre, arcaica, degenerada e moribunda”.

Magoado com a atitude dos comunistas afirmou o poeta Manuel Bandeira: “Houve um tempo em que vi com bons olhos os nossos comunistas (…) O episódio da ABDE me abriu os olhos. Hoje sou insultado por eles ao mesmo tempo em que sou tido como comunista por muita gente”. Drummond escreveu em seu diário: “eles pouco entendiam o nosso ponto de vista (…) A idéia de uma associação de escritores livres, sem direção sectária, parece inconcebível para eles, que, em vez de convivência pacífica, preferem assumir o domínio pleno da organização”.

A crise se agravou ainda mais em 1956, quando no XX Congresso do PCUS Kruschev apresentou seu relatório secreto denunciando os crimes de Stálin. Este teve um impacto devastador sobre parcelas da intelectualidade partidária. O próprio Jorge Amado escreveu no jornal Imprensa Popular: “Sinto a lama e o sangue em torno de mim”. Vários intelectuais abandonaram o Partido ou dele foram afastados.

No início da década de 1960 começou a se forjar uma nova frente única de intelectuais progressistas.
Desta vez formou-se em torno do projeto nacional-desenvolvimentista que teve como um dos seus principais momentos a luta pelas reformas de base, apregoadas pelo presidente João Goulart. Formou-se, então, o Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI) que, ao lado da CGT e da UNE, vanguardeou a formação de uma frente nacionalista pró-reformas. Foi a época do teatro de Arena, do CPC da UNE, da série Cadernos do Povo Brasileiro e Violão de Rua, da editora Civilização Brasileira, comandada pelo comunista Ênio da Silveira. Estes foram marcos desta efervescência cultural existente no país.

No entanto, naquele momento, o movimento comunista estava em pleno processo de cisão. O Brasil teria desde 1962 dois partidos comunistas: o PC brasileiro e o PC do Brasil. A grande maioria dos intelectuais e artistas ficou com o PCB, dirigido por Prestes. Esta agremiação se tornou hegemônica nos meios intelectuais progressistas brasileiros durante toda a década de 1960, mesmo após o golpe militar de 1964. Mas, esta já é outra história.

Bibliografia

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*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)