No dia 3 de outubro de 1953 Vargas assinou a lei que criou a Petrobrás. Esta foi a conclusão de uma luta patriótica iniciada nas primeiras décadas do século XX que envolveu amplos setores da sociedade brasileira. No entanto, apenas a partir de 1948 ela adquiriu o caráter de uma campanha nacional e de massas que se denominou “O petróleo é nosso!”.

No início daquele ano o governo Dutra enviou o projeto de Estatuto do Petróleo ao Congresso Nacional. Abriu-se, então, no parlamento e na sociedade uma disputa acirrada entre nacionalistas e entreguistas. Os vários grupos nacionalistas, entre eles os comunistas, resolveram se unificar e em abril formaram o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo (CEDPEN). Seu objetivo era realizar uma “larga campanha de esclarecimento, debate, comícios, caravanas e demais meios constitucionais e democráticos, visando à congregação dos brasileiros que pugnam pela tese nacionalista da exploração das jazidas pelo monopólio estatal”.

Foram eleitos presidentes de honra do Centro o ex-presidente da República Artur Bernardes, o general Horta Barbosa, o general Estevão Leitão de Carvalho, o coronel Arthur Carnaúba, o capitão-de-corveta Alfredo de Morais Filho e o presidente da UNE.

Ainda em abril de 1948 realizou-se a “semana do petróleo” e em junho o “mês do petróleo”. Em 24 de setembro iniciou-se a Primeira Convenção de Defesa do Petróleo. A sessão inaugural, realizada na sede da ABI, foi presidida por três generais nacionalistas: Estevão Leitão de Carvalho, Júlio Horta Barbosa e Raimundo Sampaio. No final daquela sessão uma comitiva de aproximadamente 300 pessoas saiu para depositar flores aos pés da estátua do Marechal Floriano Peixoto, o consolidador da República. O ato acabou sendo dissolvido a cacetadas, bombas de gás e a tiros pela polícia especial de Dutra. Entre os feridos estavam o ator comunista Modesto de Souza, o deputado nacionalista Euzébio Rocha e o jornalista Gentil Noronha, ferido à bala. O ministro da justiça declarou: “os sucessos da madrugada (…) nos dão o triste testemunho da solércia dos comunistas empenhados na confusão e divisão do povo brasileiro”.

O debate em torno da questão do monopólio do petróleo começou a adquirir um caráter explosivo. As posições se radicalizavam e a Convenção que teve prosseguimento, contra vontade do governo federal, aprovou a tese do monopólio estatal da indústria petrolífera. Iniciou-se uma das maiores campanhas populares de cunho nacionalista no Brasil: a Campanha do Petróleo é Nosso! A campanha incorporou um amplo leque de forças políticas e sociais: comunistas, socialistas, liberais, positivistas, militares, operários, estudantes e donas de casas etc, etc. Um papel destacado teve a União Nacional dos Estudantes, que incentivou a criação de núcleos de defesa do petróleo nas faculdades brasileiras. O governo entreguista de Dutra não conseguiu aprovar o projeto e isto já representou uma vitória inicial das forças nacionalistas.

Em julho de 1951, já no governo Vargas, realizou-se na sede da UNE a 2ª Convenção de Defesa do Petróleo. O evento novamente foi atacado pela polícia política ocasionando diversos feridos. No final de 1951 a campanha foi retomada após a iniciativa de Vargas de regulamentar definitivamente a questão do petróleo brasileiro através da criação da Petrobrás.

O nacionalismo não ortodoxo de Vargas, considerado entreguista pelos nacionalistas radicais e pelos comunistas, aceitava plenamente estabelecer parcerias com o capital estrangeiro na montagem da infra-estrutura fundamental para a industrialização brasileira, no qual se incluía a Petrobrás. Segundo o projeto inicial de sua Assessoria Econômica, a Petrobrás devia ser uma empresa mista, ou seja, uma empresa que aceitaria a participação de capital privado, inclusive externo. A Petrobrás funcionaria como uma holding que articularia a atividade de outras empresas, subsidiárias e associadas, que operariam nas diversas fases da indústria petrolífera.

Existia uma profunda afinidade entre o projeto da Assessoria Econômica e os anseios da burguesia industrial nacional, que aceitava a participação do capital internacional na montagem da Petrobrás. Mas, na impossibilidade de investimento externo para montagem de tal empresa, não se mostrava contrário ao investimento exclusivamente estatal.

De outro lado, havia as entidades ligadas ao comércio e mesmo setores industriais, especialmente no Rio de Janeiro, que se colocavam radicalmente contra investimentos públicos na montagem da Petrobrás. A maioria destas lideranças industriais, chamada de “liberal”, era composta por gerentes de firmas estrangeiras.

A Fiesp passou a se constituir como a principal entidade a falar pelos interesses da burguesia industrial. Segundo Antonieta Leopoldi, o que explica a persistência de um viés nacionalista na entidade patronal paulista no início da década de 1950 é “a presença significativa de grandes empresas de capital local em São Paulo, tornando a federação das indústrias paulistas menos vulnerável à ação e ao pensamento das empresa estrangeiras”.

O projeto criando a Petrobrás, como empresa de economia mista, foi enviado ao Congresso Nacional em dezembro de 1951. Apesar da concordância da burguesia industrial paulista em relação ao projeto original, este seria alvo de um duro ataque dos setores antiimperialistas. O núcleo central da campanha pelo monopólio estatal do petróleo estava nas Forças Armadas, especialmente na sua oficialidade nacionalista.

O CEDPEN, com forte influência destes setores, denunciou o projeto como a “oportunidade esperada pelos trustes estrangeiros — especialmente a Standard Oil — para penetrarem no domínio da exploração e da industrialização do petróleo nacional”. O Clube Militar, ainda nas mãos dos nacionalistas, qualificou o projeto como “profundamente nocivo à soberania nacional e à segurança militar de nossa Pátria”. O movimento em defesa do monopólio estatal adquiriu um caráter de massas, envolvendo particularmente as classes médias urbanas e em menor medida a classe operária, mobilizada pelo Partido Comunista do Brasil.

Em janeiro de 1952, Euzébio Rocha apresentou um substituto excluindo o capital privado da exploração do petróleo nacional. Para espanto geral a própria UDN aderiu à idéia do monopólio estatal do petróleo e apresentou outro substituto ainda mais radical. Esta mudança de posição possivelmente estava ligada a uma tentativa de não se isolar dos setores das forças armadas e das classes médias urbanas, simpáticas às teses monopolistas.

Em julho organizou-se a 3ª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo, da qual participaram mais de 600 delegados de 17 Estados e do Distrito Federal. Eram representantes de entidades estudantis, associações profissionais e núcleos regionais de defesa do petróleo. A participação militar foi destacada. A Convenção denunciou o projeto varguista de criação da Petrobrás como “impatriótico e de índole entreguista”. A UNE realizou atividades em todas as faculdades do país e a campanha ganhou as ruas.

Em novembro o PC do Brasil manifestou-se novamente em defesa do monopólio estatal do petróleo. A pressão nacionalista fez o governo recuar e estabelecer o monopólio sem a participação do capital estrangeiro, mas manteve o caráter misto, admitindo a presença do capital privado nacional. O recuo do governo isolou os nacionalistas radicais, no qual se incluíam os comunistas. O projeto foi aprovado na Câmara em setembro de 1952.

No Senado, onde as forças favoráveis à abertura da exploração do petróleo às empresas estrangeiras eram maioria, o projeto foi alterado favoravelmente aos trustes norte-americanos. Durante a tramitação do projeto as frações comerciais da burguesia aumentaram sua pressão contra a aprovação do monopólio estatal. As associações comerciais de todo o país, dirigidas pela Confederação Nacional do Comércio, inundaram o Congresso com telegramas contra o projeto aprovado na Câmara. O jornal O Estado de S. Paulo, porta-voz desses setores liberal-conservadores, afirmou em editorial: “Caminhamos para o estabelecimento de uma exploração estatal com exclusão absoluta de capitais particulares, máxime estrangeiros, quando somente com as pesquisas do precioso líquido absorveriam todos os recursos de forma tal que a economia do País seria profundamente perturbada, cessando (…) quase todas as atividades produtoras de tudo quanto é indispensável à nossa existência”.

No entanto, as emendas privatistas do Senado foram derrubadas na Câmara e o projeto estabelecendo o monopólio estatal foi aprovado em julho de 1953. Finalmente, no dia 3 de outubro, a lei foi assinada. Esta foi a maior vitória das forças nacionalistas coligadas e uma derrota estratégica ao imperialismo norte-americano no Brasil; e desde então ele sonha com uma revanche. Mas, o povo brasileiro saberá preservar a sua vitória.

*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)