Em outubro de 1962 as eleições legislativas. O PTB, partido do presidente, quase dobrou o número de deputados federais: de 66 passou para 116. Representaria assim a segunda bancada da Câmara Federal, com 28% do total das cadeiras. Os pequenos partidos aliados nacionalistas e trabalhistas (PSB, PTN, PRT, PST, PDC e MRT) conquistaram 49 vagas (12%). Um aumento significativo das forças pró-reformas, se comparado com a composição do congresso na gestão anterior. Mas, representava apenas 40% do câmara federal — número insuficiente para iniciar as mudanças necessárias. Do outro lado, o PSD conquistou 118 cadeiras (29%), a UDN 91 (22%) e os pequenos partidos conservadores (PR, PSP, PRP e PL) conseguiram 35 (9%). Ou seja, 60% da Câmara ainda estavam nas mãos de forças tendencialmente conservadoras. Isto criaria sérios embaraços ao governo Goulart.

O resultado não deixou de ser alentador, tendo em vista o volume de dinheiro utilizado para eleger uma grande bancada conservadora. Todo o processo de aliciamento e corrupção eleitoral foi comandado pelo IBAD-IPÊS, subvencionado pelo latifúndio e pelas grandes empresas nacionais e, especialmente, internacionais. As atividades criminosas do IBAD foram investigadas numa CPI; o que levaria ao seu fechamento.

O quadro foi agravado pela eleição de Lacerda para o governo da Guanabara; Adhemar de Barros em São Paulo; Magalhães Pinto em Minas; e Meneghetti no Rio Grande do Sul — todos opositores do presidente e ligados ao esquema golpista. Os setores nacionalistas elegeram Miguel Arraes para o governo de Pernambuco e Mauro Borges em Goiás. Este último teria posições vacilantes durante o golpe militar de 1964.

No plebiscito de janeiro de 1963 cinco entre cada seis eleitores votaram pela volta do presidencialismo, restituindo assim plenos poderes ao presidente Jango. O presidencialismo conquistou 9 milhões de votos, o dobro da votação de Jango na eleição de 1960. Esta foi uma derrota da UDN, o único partido que manteve posição em defesa do parlamentarismo conservador, como forma de tolher a ação reformista do presidente. O resultado eleitoral criou a ilusão no campo reformista de que este já representava a vitória das próprias reformas, mas as coisas se mostraram mais complexas e difíceis.

Um exemplo das dificuldades encontradas por Jango, por não ter maioria segura no congresso, foi por ocasião da votação de uma emenda constitucional visando facilitar a reforma agrária. O PTB apresentou, com apoio do governo, um projeto de emenda que permitiria a desapropriação de terras sem indenização prévia em dinheiro. Em 17 de outubro de 1963 a emenda foi derrotada na Câmara recebendo 117 votos (41%) contra 166 votos (59%). De um lado, dos 74 deputados do PSD presentes apenas 5 votaram com o governo; dos 73 deputados da UDN apenas 1 votou com o governo. Do outro lado, todos os 85 deputados do PTB votaram favoravelmente ao projeto de emenda constitucional.
Favoravelmente às reformas se colocaram o CGT, a UNE e as ligas camponesas, que constituíram a Frente de Mobilização Popular, e os parlamentares progressistas que formaram a Frente Parlamentar Nacionalista

Outro exemplo das dificuldades foi quando da tentativa de decretação de Estado de sítio no início de outubro de 1963, como resposta a uma provocação do governador direitista Carlos Lacerda. O pedido apresentado no Congresso Nacional sofreu forte oposição dos partidos oposicionistas — UDN e PSD — e também de parte da esquerda do PTB (inclusive o PCB) por considerá-lo uma ameaça também para ela. Sem apoio, teve que retirar o pedido. Esta fraqueza presidencial foi a responsável pelo aumento do ritmo dos preparativos golpistas.

O PSD sempre teve uma posição ambígua em relação ao governo — isto se devia à contradição existente entre sua base social conservadora e sua origem varguista. Tentava flertar com o governo, tentando empurrá-lo a posições mais conservadoras. Jango, algumas vezes, entrava neste jogo e procurava isolar a esquerda trabalhista. Mas, conforme a crise econômica e política avançava, a maioria do partido deslocou-se para o campo da oposição golpista. O principal articulador da direita do PSD foi o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade.

Nos últimos meses de 1963 Jango tentou organizar uma Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base, que incluía o PSD. A proposta foi rechaçada pela esquerda trabalhista (brizolista) que liderava a Frente de Mobilização Popular. Inicialmente, o PCB defendeu a proposta de Goulart. No entanto, mostrou divergência em relação ao programa mínimo da aliança; o que dificultava a inclusão do PSD. A Frente Parlamentar Nacionalista tendia a defender Goulart e à ampliação da frente política em defesa das Reformas de Base, mesmo à custa de algumas concessões programáticas. A incapacidade de unificar a esquerda levou ao fracasso do projeto frentista que, por sinal, também não era bem visto pelos caciques do PSD.

Diante da resistência crescente da direita, Goulart rompeu a política de conciliação e aderiu à tese da frente de esquerda e nacionalista. O marco desta passagem foi o comício de 13 de março na Central do Brasil, no qual o presidente apresentou alguns do seus decretos reformistas. O deputado socialista Barbosa Lima Sobrinho escreveu exultante um artigo intitulado “As esquerdas tem um Novo Comandante”.

Em 26 de março eclodiu a “Revolta dos Marinheiros”. No dia 30 Jango compareceu no aniversário da Associação de Suboficiais e sargentos da Polícia Militar da Guanabara. A ordem burguesa estava ameaçada. Fechou-se o cerco contra Goulart. Contra ele se posicionou o conjunto das classes proprietárias.

Na noite de 31 de março eclodiu um golpe militar visando derrubar o presidente da República. No dia seguinte o presidente do Congresso Nacional convocou uma sessão extraordinária do Congresso Nacional e, com Jango ainda em território brasileiro, declarou vaga a presidência da República e, sob protesto dos parlamentares progressistas, empossou o deputado Raniere Mazzili. A grande maioria dos governadores, assembléias legislativas e câmaras municipais apoiou a deposição de Goulart. Portanto, o golpe de 1964 não foi um mero complô militar, com apoio do imperialismo norte-americano, ele tinha bases fortes nas classes dominantes brasileiras e na elite política civil a elas ligadas.

*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)