Vargas se elegeu presidente em 3 de outubro de 1950, numa aliança entre o PTB e o PSP (de Adhemar de Barros) e contou com o apoio de grande parte do PSD, que abandonou seu candidato oficial Cristiano Cordeiro. Vargas obteve 48,7% dos votos, seguido pelo Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) com 29,7% e por Cristiano Cordeiro (PSD) com 21,5%.

Derrotada nas urnas, a UDN — em aliança com o pequeno Partido Libertador —, passou a se colocar contra a posse de Vargas, alegando que ele não tinha conseguido maioria absoluta dos votos. A tese era absurda, mas contou com apoio entusiasmado da imprensa liberal-conservadora, como O Globo e O Estado de São Paulo. O debate parlamentar se estendeu até a diplomação de Vargas pelo STF em 18 de janeiro de 1951. A UDN se tornou o centro dinâmico da oposição golpista. Os políticos da UDN, dirigidos por Carlos Lacerda, se articularam com os oficiais da direita entreguista e criaram o Clube da Lanterna — entidade de caráter fascista.

Nas eleições de 1950 a UDN elegeu 81 deputados (26%), o PSD 112 deputados (37%) e o PTB de Vargas apenas 51 (17%). A governabilidade estava ligada à possibilidade de se restabelecer a aliança entre o PTB e o PSD — dois partidos criados pelo próprio Vargas em 1945. Isto foi conseguido, ainda que de maneira frágil.

No congresso formou-se, então, um bloco de oposição congregando a UDN, PL, PR e PDC. O líder do bloco oposicionista era o deputado udenista Afonso Arino de Mello Franco. Em 16 de junho de 1954 ele foi responsável pela solicitação de um pedido de impedimento, que foi derrotado por uma ampla margem de votos. Dos 211 deputados presentes na sessão 136 votaram contra o impedimento e apenas 35 a favor.

Durante os primeiros anos Vargas conseguiu uma tranqüila maioria parlamentar. O PSD seria o principal beneficiado da aliança. Na composição do governo ficou com quatro ministérios. Ao PTB coube apenas o Ministério do Trabalho. Vargas garantiu um ministério até para a UDN, visando neutralizar algumas das alas que não eram radicalmente antigetulista. Ao PSP também coube um — o da Fazenda. Esta composição amplamente favorável ao PSD, que nem compusera a aliança que elegeu Vargas, e a inclusão da UDN, levaram a um atrito com Adhemar de Barros.

No final de 1953 os adhemaristas romperam com Vargas e em janeiro de 1954 a bancada pessebista rompeu formalmente com o bloco governista na Câmara Federal e passou a barganhar cada votação — em muitos casos fez coro com a UDN. Quando a crise política cresceu, em meados de 1953, o próprio vice-presidente eleito pela coligação PTB/PSP, Café Filho, rompeu publicamente com Vargas e passou a compor com a oposição e articular a derrubada do presidente.

A crise e a radicalização política

Em 15 de junho de 1953 João Goulart assumiu o Ministério do Trabalho. Em outubro de 1953 Vargas sancionou a lei que estabelecia o monopólio estatal do petróleo; em 20 de dezembro denunciou os excessos na remessa de lucro das empresas estrangeiras instaladas no Brasil; e em janeiro de 1954 assinou decreto em que estabelecia um limite de 10% para remessas de lucros e dividendos para o exterior.
Em fevereiro de 1954 Goulart apresentou a proposta de reajuste de 100% no salário mínimo. Um valor 54% acima da inflação acumulada desde o último reajuste dado pelo próprio Vargas em dezembro de 1951. Levantou-se um grande protesto da burguesia e dos setores conservadores da sociedade. A UDN lançou um manifesto denunciando Goulart como subversivo; no dia 8 de fevereiro oficiais das forças armadas lançaram o documento conhecido como “Memorial dos Coronéis”, seguindo na mesma linha do manifesto udenista. Setores da oposição liberal-conservadora conclamavam abertamente um golpe militar para destituir o presidente Vargas.

Ainda em fevereiro o governo ensaiou um recuo e, no dia 22, destituiu Goulart do Ministério do Trabalho. No entanto, essa destituição não aplacou a oposição de direita, apoiada pelo imperialismo norte-americano. João Neves da Fontoura, ex-ministro de Vargas, denunciou uma suposta articulação de um pacto — que seria chamado Pacto ABC — entre os governos argentino, brasileiro e chileno para se opor aos interesses dos Estados Unidos.

Diante da radicalização da oposição, Vargas decidiu também radicalizar ainda mais o regime. Procurou assim aproximar-se das classes populares. No primeiro de maio de 1954, num ato inesperado, fez um discurso no qual afirmou: “Hoje vocês estão com o governo. Amanhã vocês serão o governo”. Neste dia apresentou o decreto de reajuste de 100% do salário mínimo, índice que havia sido o motivo da destituição de Goulart poucos meses antes.

A tentativa de assassinato do jornalista oposicionista Carlos Lacerda e a morte do major da aeronáutica, ocorridas em 5 de agosto de 1954, foram apenas pretexto para que o golpe fosse dado contra Getúlio. Apesar do envolvimento da guarda pessoal do presidente no atentado, as investigações feitas pelos próprios inimigos do governo não comprovaram qualquer envolvimento de Vargas no atentado.

No dia 9 de agosto, o Correio da Manhã pediu que Vargas renunciasse. Afirmou o jornal: “A renúncia do Presidente da República, afirmava o jornal, não significa um derrota, nem uma humilhação. Deixará o governo sem ser deposto ou vencido (…) Um regime não é um homem, e está nas mãos do Senhor Getúlio Vargas o gesto patriótico de um sacrifício pessoal para que se mantenha de pé o regime e íntegra a constituição, juntamente com a ordem pública e a tranqüilidade dos espíritos.” A oficialidade das Forças Armadas, dirigidas pelos setores entreguistas, já se movimentava para derrubar Vargas.
Os militares golpistas instalaram um processo à revelia da justiça e do parlamento — era a República do Galeão. No Congresso a UDN e o PL solicitaram novamente a renúncia. O golpe em marcha contava com o apoio do vice-presidente Café Filho, eleito pelo PSP.

Em 24 de agosto diante do golpe militar já consumado contra seu governo o presidente se suicidou. As condições do suicídio de Vargas e especialmente o teor antiimperialista da sua carta-testamento levaram a uma rebelião popular nas grandes cidades brasileiras. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas foram atacadas pela multidão enfurecida. Foram atacadas também as sedes de empresas estrangeiras. A massa tentou atacar a embaixada norte-americana, encarada como o centro do complô contra Vargas. O principal líder da direita antivarguista, e pivô da crise que levou ao golpe, Carlos Lacerda, foi obrigado a se esconder e depois deixou o país.

As massas nas ruas, sem direção, conseguiram impedir que os planos udenistas se realizassem. A democracia burguesa foi mantida e a ditadura barrada. O fantasma do populismo viria a incomodar novamente os setores conservadores nas eleições de 1955.

*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)