O setor de publicações do Centro de Memória da Unicamp acaba de lançar o livro da historiadora Maria Elena Bernardes intitulado Laura Brandão: a invisibilidade feminina na política. A biografada é ainda uma desconhecida entre nós. Este fato justifica plenamente o título do livro.

Laura foi poetiza e declamadora renomada nos salões literários do Rio de Janeiro na primeira década do século XX. Apaixonou-se e casou-se com o anarquista e futuro dirigente do Partido Comunista do Brasil, Octavio Brandão.

No início da década de 1920 tornou-se uma das primeiras agitadoras comunistas brasileiras. Discursava nas portas das fábricas e ajudava editar o jornal A Classe Operária. Presa e agredida várias vezes pela polícia, acabou sendo expulsa do país juntamente com sua família após a Revolução de 1930.

Exilou-se na URSS onde trabalhou na rádio Moscou e contribuiu no movimento de resistência às tropas nazistas que ocuparam aquele país em junho de 1941. Gravemente doente, morreu no interior do território soviético em janeiro do ano seguinte. Depois da guerra, seus restos mortais foram transladados para o Cemitério dos Heróis na capital russa. Laura Brandão, como Anita Garibaldi e Olga Benário, pode ser considerada uma heroína de dois mundos.

*Entrevista exclusiva realizada pelo historiador Augusto Buonicore com a autora desta importante publicação sobre a vida de Laura Brandão.

Buonicore: Como você descobriu Laura Brandão?

Maria Elena: Foi por um feliz acaso. O Arquivo Edgard Leuenroth – AEL-UNICAMP – havia recebido parte do arquivo de Octávio Brandão e o professor João Quartim de Moraes, que na época era o diretor do IFCH, me mostrou um dos poemas de Laura e eu, curiosa, fui ao arquivo buscar outras fontes. A primeira pasta que peguei foi a de correspondências passivas e ativas de Laura. Lá fiquei um dia inteiro lendo e tentando decifrar a caligrafia complicada de alguma delas. Desde então, não parei mais.

Buonicore:A presença de Laura se destacava nos salões literários do Rio de Janeiro na década de 1910. Fale um pouco sobre a poetisa e declamadora Laura da Fonseca e Silva?

Maria Elena: Laura publicou, no início do século XX, quatro livros de poemas, o que para uma mulher naquele período não é pouca coisa. Não são poucas as referências ao brilhantismo com que Laura declamava os seus poemas e os de seus amigos poetas. Ela freqüentava ambientes requintados como, por exemplo, a casa de Rui Barbosa, um dos mais prestigiados salões cariocas daquele período.

Buonicore: O que levou Laura a abandonar este ambiente refinado e se dedicar à causa dos oprimidos, aderindo ao anarquismo e depois ao comunismo?

Maria Elena: Ao que tudo indica, o grupo social que freqüentava os salões e do qual Laura fazia parte era considerado, pelos comunistas e por Octávio Brandão, porta voz de posições ideológicas burguesas. Essa situação causava certo conflito com a causa que ambos abraçaram.

Buonicore: Qual a importância de Laura para o movimento operário e comunista na década de 1920? Em quais lutas ela se envolveu?

Maria Elena: Laura foi uma ativista de rua e atuou nos comícios, greves e reuniões sindicais. Era vista nas madrugadas distribuindo panfletos e manifestos nas portas das fábricas. Foram ainda palcos de sua militância os bairros operários. Ela foi uma das fundadoras do Comitê de Mulheres Trabalhadores, ligada ao Bloco Operário e Camponês, – a primeira associação de massa de mulheres sob a influência do Partido Comunista no Brasil. Laura também participou da fundação do semanário A Classe Operária no qual atuou como redatora informal e não media esforços para que o jornal fosse editado e distribuído. Sua militância deu-se ao lado do Partido Comunista do Brasil (PCB), embora nunca tenha tido ligação mais orgânica com o Partido. Não sabemos qual a razão de sua recusa em integrar-se formalmente ao Partido. Talvez fosse devido ao desagrado pela posição secundária que o Partido atribuía às mulheres.

Buonicore: Para Laura e sua família, a revolução de 1930 não trouxe novos ares de liberdade, pelo contrário trouxe prisão e exílio. Como se deu este processo?

Maria Elena: Octávio viveu na clandestinidade de 1926 a 1928. A partir, daí a casa da família no Rio de Janeiro passou a ser vigiada pela polícia. Desde então, sem trabalho regular, as dificuldades financeiras aumentaram, pois Brandão ora estava preso, ora na ilegalidade. Laura exercia, além de tudo, a tarefa de esteio do marido guerreiro. A partir de 1929, após a aprovação da Lei Celerada, Laura também passou a ser perseguida pela polícia. Octavio logo após a revolução de 1930, foi novamente preso e, desta vez, saiu da prisão direto para o navio que o levou junto com toda a família para o exílio, em junho de 1931.

Buonicore: Como era a vida de exilados na URSS? Quais atividades ela e Octavio exerceram?

Maria Elena: Difícil, pois além das restrições financeiras, ainda havia a dificuldade com a língua e com o inverno rigoroso. Octávio trabalhou na Internacional Comunista (IC) de 1931 a 1933. Por problemas ideológicos, a direção da IC o mandou para o Instituto de Economia e Políticas Mundiais, na seção da América Latina. A partir de 1936, a convite de Dimítrov, Brandão voltou a trabalhar na IC. Laura, a partir de 1935, trabalhou na Rádio Moscou como redatora e locutora de programas em português, com transmissões para o Brasil. Como os serviços de comunicação eram bem pagos, a vida financeira da família melhorou um pouco.

Buonicore: Em 1941, as tropas de Hitler ocuparam a URSS. Qual o impacto deste trágico acontecimento na vida dos Brandão?

Maria Elena: De muita tristeza, pois tiveram que vivenciar a segregação da família, além dos horrores e dificuldades causados pela guerra. Laura ajudou a construir abrigos antiaéreos e fazia guarda durante as noites ajudando a combater os incêndios. Para agravar ainda mais a situação, Laura adoeceu e teve que se refugiar no interior da URSS, quando as tropas nazistas se aproximaram de Moscou. Além dos poucos recursos para o tratamento, teve que enfrentar a angustia de ver as filhas espalhadas pelo território soviético. Torturava-lhe a idéia que não as encontraria novamente. Laura acabou morrendo sozinha em um hospital, em Ufá, longe da família, dos amigos e do Brasil, que ela tanto amava.

Buonicore: O que explica o fenômeno da invisibilidade da mulher na história política brasileira, inclusive na história de uma organização como o Partido Comunista do Brasil?

Maria Elena: Não são poucas as discussões na historiografia e também na sociologia acerca das representações de papéis masculinos e femininos, respectivamente identificados com o público e o privado. Das mulheres, espera-se que a paz e a harmonia do lar e da família sejam asseguradas; deles, homens, ao contrário, deseja-se o trabalho do guerreiro, criativo, inteligente. Mesmo que as representações do homem e da mulher sejam variáveis com o tempo e a cultura, a nossa herança secular neste sentido ainda aparece muito presente nas relações da militância, mesmo na militância de esquerda.

Buonicore: Na sua pesquisa, você descobriu o nome da primeira mulher que se filiou ao PC do Brasil. Poderia falar um pouco sobre isso?

Maria Elena: Trata-se de Rosa de Bittencourt. A informação de que Rosa fora a primeira mulher a se filiar ao PCB, eu encontrei no dossier Rosa de Bittencourt, no AEL-UNICAMP, em uma anotação manuscrita de Eloísa Prestes. Segundo Eloísa, a informação foi passada por Astrogildo Pereira. Rosa de Bittencourt, uma operária que desde os sete anos de idade já trabalhava em uma fábrica de linhas, em Petrópolis, Rio de Janeiro, tornou-se uma combativa líder sindical, participou das lutas do BOC – Bloco Operário Camponês -, vendia o jornal A Classe Operária de porta em porta e gabava-se em declarar-se comunista. Em 1930, Rosa foi delegada no Congresso Mundial da Mulher, na URSS, onde representou a mulher trabalhadora brasileira. Seria muito interessante que alguém se interessasse em pesquisar e escrever, pelo menos um artigo, que trouxesse luz à história da primeira mulher organicamente ligada ao Partido Comunista do Brasil.

*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)