A participação de João Amazonas nos primeiros combates ao revisionismo
Essa linha passou a ser considerada por uma parte dos comunistas em todo o mundo como revisionistas. O relatório “secreto” de Krucshov, que havia sido publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, saiu como suplemento especial do jornal Voz Operária na edição do dia 10 de março de 1956.
Opiniões sobre o assunto começaram a aparecer na imprensa comunista, e a direção do Partido, na edição de 20 de outubro da Voz Operária, publicou o “Projeto de resolução do CC do PCB sobre os ensinamentos do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o culto à personalidade e suas conseuqencias, a atividade e as tarefas do Partido Comunista do Brasil”. O debate irrompeu com força. O Partido, de alto a baixo, começou a debater o projeto.
O primeiro Comitê Regional a se posicionar foi o do Rio de Janeiro. A resolução publicada na Voz Operária de 17 de novembro de 1956 “estranhava” a abertura da discussão sem o consentimento do Comitê Central e criticava a direção por não ter exercido vigilância contra a publicação de artigos “contrários ao internacionalismo proletário e anti-soviéticos, revisonistas, divisonistas e liquidacionistas, artigos visando a desmoralização do Partido e sua direção”.
O Comitê do Rio de Janeiro disse ainda que se solidarizava com o Comitê Central “e seu Presidium, tendo à frente o camarada Prestes, e está confiante em que a direção eleita no IV Congresso tem toda as condições para conduzir o Partido na luta contra os erros e falhas apontados e pela aplicação dos métodos leninistas”.
No dia 24 de novembro, a Voz Operária publicou uma carta de Prestes, na qual ele recomendava que “a discussão no Partido, ampla e livre como a que iniciamos, deve, pois, basear-se em princípios”. A linhas tantas, o secretário-geral usou palavras duras para reprovar o tom até então utilizado no debate. “Não podemos, de forma alguma, reconhecer a quem quer que seja o direito de propagar no Partido as idéias do inimigo de classe”, escreveu.
Prestes ressaltou que, “na defesa do Partido, cumpre também lembrar que somos um Partido na clandestinidade”. “Nessas condições, é necessário ter em conta uma acertada relação entre o centralismo e a democracia. Não esqueçamos ainda que nosso Partido vive e atua numa sociedade em que predominam ideologias estranhas ao proletariado e que precisa portanto defender-se, impedir que circulem em seu seio as idéias do inimigo”.
A advertência de Prestes fazia sentido. Na Voz Operária do dia 10 de novembro saiu uma polêmica decisão do Comitê Regional de Piratininga, de São Paulo, determinando que “todas as resoluções de maior importância deverão ser tomadas agora pelo CR e não pelo secretariado, como antes acontecia”.
Na Voz Operária do dia 1º de dezembro de 1956, Luiz Guilhardini, que seria assassinado no começo de 1973 pela ditadura, escreveu um artigo, intitulado “Algumas considerações sobre a Resolução do CR de Piratininga”, no qual dizia: “O que preocupa é o precedente aberto por uma organização do Partido criando no escalão regional uma situação de responsabilidade que, quanto aos prejuízos que pode causar ao Partido, provavelmente nada ficará devendo à situação de arbitrariedade existente até agora”.
Resoluções dos comitês regionais de todo o país começaram a ser publicadas na imprensa do Partido. Toda essa polêmica não cabia mais nas páginas regulares dos jornais comunistas e a Voz Operária começou a publicar o Boletim de Debate, no dia 15 de dezembro de 1956. Crescia a discussão das teses do Projeto de Resolução do Comitê Central, mas o debate ainda era difuso.
No começo de 1957, as discussões ganhariam rumos mais definidos. As idéias revisionistas começavam a aparecer mais nitidamente e o debate se tornou mais renhido. João Amazonas entrou na polêmica dia 26 de janeiro de 1957, com o artigo intitulado “As massas, o indivíduo e a história”. “Do reconhecimento de que são as massas que fazem a história não se pode concluir que seja nulo ou insignificante o papel das personalidades”, escreveu. “São as massas que fazem a história, mas não a fazem espontaneamente, desorientadamente”, disse.
João Amazonas voltaria a escrever dia 2 de fevereiro de 1957. No artigo intitulado “Salvagurdar a unidade do Partido”, ele polemizou duramente com Agildo Barata — que, segundo Amazonas, queria estabelecer dentro do Partido “uma nítida distinção entre a intelectualidade e os demais membros”.
“O Partido Comunista elabora sua orientação e enriquece seus princípios coletivamente. Isso dá ao Partido do proletariado uma grande vantagem sobre os partidos burgueses. Militando em suas fileiras operários, camponeses, donas de casa, intelectuais etc., pode e deve o Partido incorporar criticamente a experiência e conhecimento variados e complexos de seus militantes e das massas. Essa ampla experiência, baseada na doutrina marxista, é o que se denomina de sabedoria coletiva do Partido”, escreveu.
A essência da polêmica foi revelada neste trecho do artigo de Amazonas:
“Afirma o camarada Agildo Barata que o movimento comunista mundial está em crise. ‘Sofre, escreve ele, uma de suas mais gigantescas crises’. Desde a época da II Internacional — quando campeava o oportunismo, quando o movimento ia em retrocesso, quando se tornava necessário criar partidos de novo tipo —, desde essa época, diz Agildo Barata, o movimento operário não atravessa tão dura prova.
O camarada Agildo Barata não demonstra sua afirmação. Diz apenas que a crise consiste na luta entre duas concepções em choque: uma que defende o velho e outra que deseja o novo. É de crer que o camarada Agildo Barata não quer, com isso, referir-se ao choque normal de opiniões dentro do Partido.
Na luta revolucionária há um constante processo de superação do velho pelo novo. O novo surge e trava a luta contra o velho de maneira permanente dentro do Partido e do movimento revolucionário. Se essa luta de opiniões, a luta entre o velho e o novo, constituísse uma crise, o movimento comunista viveria em estado de crise crônica.”
Trecho do livro Testamento de luta — a vida de Carlos Danielli
*Osvaldo Bertolino é jornalista e autor do livro Testamento de luta — a vida de Carlos Danielli.
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