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Jovens comunistas: Antecedentes de uma relação estratégica

2 de agosto de 2010

O Congresso da 2ª Internacional (ou Internacional Socialista – 1899-1914) de 1907, em Stuttgart, Alemanha, inaugurou na pauta dos socialistas a questão juvenil. Debateram-se a luta contra uma possível guerra internacional entre potências imperialistas e o trabalho de maior organicidade dos socialistas. Nesta pauta, tratou-se da importância “que a juventude proletária seja formada nas idéias […]

O Congresso da 2ª Internacional (ou Internacional Socialista – 1899-1914) de 1907, em Stuttgart, Alemanha, inaugurou na pauta dos socialistas a questão juvenil. Debateram-se a luta contra uma possível guerra internacional entre potências imperialistas e o trabalho de maior organicidade dos socialistas. Nesta pauta, tratou-se da importância “que a juventude proletária seja formada nas idéias socialistas de fraternidade dos povos e voltada sistematicamente à consciência de classe.” (1)

Em conseqüência deste congresso, foi fundada a Internacional Operária da Juventude (ou Internacional Socialista da Juventude – ISJ) (2) e eleito seu presidente, Karl Liebknecht. Desta forma, deu-se o marco inicial do movimento juvenil socialista internacional organizado.

Os primeiros anos de experiência dos socialistas frente à juventude se deram, principalmente, na propaganda contra a guerra, a militarização escolar e contra os conflitos oriundos dos fenômenos migratórios na Europa. O trabalho juvenil dos socialistas não conseguiu sair daquele continente, mas começou a diferenciar os jovens trabalhadores de seus pais e delatou as precárias condições de trabalho da juventude européia.

Em 26 de março de 1912, Liebknecht, enquanto deputado regional do Partido Social Democrata Alemão fez, contra os conservadores no Landstag (parlamento regional), um violento discurso de balanço da situação juvenil alemã, onde denunciou o deputado conservador Von Kardoff por ter dito que os jovens operários de 14 anos eram livres. O deputado social democrata recebeu entusiasmadas interferências de outros deputados, colegas de legenda e de outros setores da esquerda alemã, durante sua explanação. Segue um trecho do orador:

“(…) ele é livre a partir dos catorze anos para se deixar levar por seu chefe e explorador na usina – extraordinária liberdade para o jovem operário de catorze anos! (Muito bem!) Se é verdade que o jovem operário é, segundo o senhor Von Kardoff, o homem mais livre do mundo, deixem então seus filhos juntar-se também aos homens mais livres do mundo! (…) O objetivo que vocês perseguem é, como já dissemos, o de preparar a juventude proletária para a exploração econômica, para a ausência de qualquer direito político e para a sua formação como um instrumento para utilizar contra o proletariado rebelde e também em caso de guerra.” (3)

O discurso de Liebknecht tratou das “más” influências culturais e religiosas da burguesia alemã, da mortalidade infantil, da crescente profissionalização juvenil em detrimento de uma vida escolar e tantos outros temas que massacravam a juventude alemã da época.

Internacional Socialista da Juventude pede independência orgânica

A crise de dissidência da 2ª Internacional, oriunda das divergências que pautavam se os socialistas deviam ou não apoiar os governos de seus países a aprovar créditos orçamentários para a guerra que se avizinhava, refletiu diretamente na ISJ. A organização juvenil concordou em parte pela participação (dos países representados ali) na 1ª Guerra.

Em oposição à corrente que defendia que seus países deveriam votar os créditos bélicos, Lênin e Rosa Luxemburgo consideraram que aquela manobra originaria uma guerra interimperialista, onde os soldados e operários dos países envolvidos participariam de um conflito que tinha como disputa a ampliação de novos mercados para as empresas capitalistas.

A ISJ, liderada neste momento pelo sapateiro alemão Willi Münzenberg, passou a ser um organismo independente da 2ª Internacional, criando uma nova etapa para o desenvolvimento do pensamento orgânico juvenil. As conferências internacionais de juventude em Berna – 1915 – e Iena – 1916 reafirmaram as análises de Lênin e Rosa Luxemburgo e concluíram que, diante da Internacional Socialista, não era mais possível estar aliada àquela Internacional. Os continuadores da Internacional Socialista haviam, segundo Lenin e Rosa Luxemburgo, se perdido numa ideologia social-chauvinista (de extremo nacionalismo) que apoiava a Grande Guerra daquele período.

Tornou-se assim, a ISJ, um organismo de disputa entre os continuadores e dissidentes da Internacional Socialista. Mais tarde, com a apreciação da Revolução Russa e do fim da 1ª Guerra, os rumos tomados por aqueles que deixaram a 2ª Internacional levaram aos preparativos do congresso de fundação da 3ª Internacional (a Internacional Comunista); e a ISJ se aproximou da nova organização de revolucionários. (4)

Os primeiros passos da organização juvenil comunista

Dando prosseguimento à organização da juventude para a realização da revolução proletária, Lenin, no 3° Congresso do Komsomol (Juventude Comunista Russa), em 1920 proferiu o discurso Tarefas da Juventude Comunista, mostrando que a organização juvenil comunista tinha um caráter diferente do Partido Comunista:

“(…) acontece freqüentemente que os representantes das gerações dos mais velhos não sabem tratar devidamente os jovens que são obrigados, por necessidade, a aproximar-se do socialismo de outro modo, não por aquela via não por aquela forma, não naquelas condições como os seus pais.”(5)

No 2º Congresso da IC, em julho de 1920, após um detido estudo daquelas condições, realizado por Willi Münzenberg, o russo Lazar Chatskin, os alemães Leo Flieg e Alfred Kurella, o austríaco Richard Schüller e outros, ficaram definidas as condições para a anexação de todo trabalho feito até então, da militância existente e do corpo dirigente da antiga ISJ à IC.

A partir daí os estatutos da IC indicaram, no artigo 15º, que a organização da Kommunist Internationale Molodoi – Internacional Juvenil Comunista, (KIM – IJC) foi:

“(…) subordinada à Internacional Comunista e ao seu Comitê Executivo. Ela indica um representante de seu Comitê Executivo ao Comitê Executivo da Internacional Comunista, no qual tem direito a voto deliberativo. O Comitê Executivo da Internacional Comunista tem a faculdade de indicar ao Comitê Executivo da União da Juventude um representante com direito a voto deliberativo. As relações existentes entre a União da Juventude e o Partido Comunista, enquanto organizações, em cada país, estão baseadas no mesmo princípio.” (6)

Através desta resolução foi fundado o KIM, com “delegados de 49 países representando 800 mil jovens”. (7) Organização que terá, até 1943, seis congressos, ampliação para todos os continentes e o objetivo de formar um corpo dirigente de jovens comunistas que auxiliassem, em cada país, o respectivo partido comunista a agregar a população pobre, em particular o proletariado, para tomar o poder central.

Os 2° e 3° Congressos do KIM, acontecidos em Moscou, respectivamente em 1921 e 1922, aprovaram resoluções para a construção de organizações juvenis ligadas aos partidos comunistas e para o desenvolvimento de ações com os jovens trabalhadores de seus respectivos países; inclusive naqueles considerados coloniais e semi-coloniais, como os da América Latina e Ásia.

No Brasil, a juventude já havia participado de várias insurreições, levantes armados e pacíficos nos momentos de crise social e da vida política, mas não havia ainda experimentado uma atuação organizada partidariamente; isto é, ação política orientada por uma organização que determinasse suas próprias regras, com programa, estatutos, tática, ações próprias, exercícios de democracia interna, hierarquia, plano estratégico e perspectiva duradoura de luta.

Apesar da orientação da IC e da IJC – que chegou tardiamente ao Brasil – iniciou-se a organização dos jovens no partido como necessidade local. No segundo congresso do PCB, em maio de 1925, aprovou-se em suas resoluções a necessidade de organizar “a juventude comunista”; tendo sido realizadas, no processo preparativo do congresso, conferências regionais que, além de outros assuntos, trataram da organização dos jovens comunistas.

Jovens comunistas brasileiros

O vassoureiro Luiz Perez, um dos delegados participantes do congresso de fundação do partido em março de 1922, ficou com o encargo de organizar os jovens operários, vislumbrando preparar uma organização comunista nacional de jovens. Logo após, em agosto, Perez enviou para a Executiva da IJC uma carta onde apresentava a nova atividade:

“Iniciamos uma série de trabalhos de organização e propaganda entre os jovens operários do Brasil. Depois de termos algumas adesões, constituímos um Comitê Central Executivo, provisório, o qual deverá entregar seu mandato, logo que estiver organizada a federação nacional dos jovens (…)”. (8)

Devido ao ainda insatisfatório acúmulo do trabalho juvenil comunista organizado no Brasil, Luiz Perez apela àquela executiva: “enviar-nos material de estudo, propaganda bem como estatutos, programas, de preferência em francês e espanhol.” (9)

Não tardou para que Luiz Perez tivesse problemas profundos em sua tarefa. Em relatório não datado, mas que se deduz tenha sido escrito entre 1925 e 1926, ele explica dois problemas fundamentais para a construção do trabalho da juventude comunista: “a propaganda da JC para conquistar novos aderentes e a educação ideológica dos que já tinham aderido”. (10)

Tentou-se solucionar esses problemas, como o próprio relatório mostra, fazendo uma série reuniões com os aderentes e não aderentes; mas estas foram suspensas, já que a Comissão Central Executiva (CCE) do partido, mostrando trabalho pouco concatenado com Luiz Perez, organizou cursos voltados para a juventude no mesmo período.

Até mesmo o dia que fixaram para estes coincidiu com as reuniões lideradas por Perez, ou seja, aos domingos. Tais cursos resolviam mais o problema de educação ideológica – isto é, tratavam de conceitos marxistas, discutiam história da luta dos povos –, do que propriamente o problema de propaganda e da afiliação de jovens trabalhadores.

Problemas da primeira experiência brasileira

Em seu relatório Luiz Perez considerava ainda que uma das dificuldades para a ampliação do trabalho visando a adesão e a propaganda da JC decorria da ofensiva policial do governo de Arthur Bernardes, sendo assim ponderava ser “(…) cedo para elaborarmos os estatutos da JC.” (11) Atuavam em profunda clandestinidade.

Apesar disto, reafirmava que algumas normativas como estatutos, programas e orientações de alguma forma instrumentalizadas seriam importantes para dar uniformidade ao início da futura organização. O grupo de jovens comunistas era pequeno, desarticulado, e Perez reclamou em seu relatório da falta de comunicação com estados e cidades importantes para a construção do trabalho juvenil dos comunistas.

As dificuldades de orientação política eram extremas, o conjunto dos militantes comunistas não havia entendido o caráter da frente juvenil de atuação, tinham poucos aderentes, dirigentes, e pouco acúmulo político, organizacional e teórico para este trabalho.

Tudo estava por ser iniciado e neste sentido, em seu relatório, apelava aos comitês regionais para que dessem maior importância à organização juvenil:

“Ora decididamente isso não pode continuar. Entendemos que cada um tem o dever de empregar o máximo de seu esforço no trabalho para qual foi designado. Já bastam as dificuldades que temos, oriundas do estado de sítio, e que nos impedem de fazer um trabalho de propaganda dentro da legalidade, e ainda por cima: a inércia, o descaso, o desleixo e o desinteresse daqueles que assumem compromissos.” (12)

Chamamos este período, de 1925 a 1926, de Primeira Fase do trabalho juvenil comunista, onde Luiz Perez, à frente, encarou a precariedade de implementar um trabalho nas suas linhas mestras de orientação política.

Marcam esta primeira fase a falta de comunicação de Luiz Perez com a direção provisória – da organização juvenil que se formava – com os estados e cidades; os primeiros esforços para a confecção de células juvenis, as primeiras conferências regionais que trataram do tema, as dificuldades que a conjuntura nacional impunha aos comunistas e a intensidade irrisória deste trabalho.

Em essência, essa primeira fase se caracteriza pela tentativa de aglutinar os jovens em torno das atividades partidárias sem a especificidade da organização juvenil. Em carta à IJC de agosto de 1925, Perez – ainda dando os primeiros passos no trabalho juvenil – enfatiza que iniciaram “uma série de trabalhos de organização e propaganda entre os jovens operários do Brasil.” (13)

Com dificuldades políticas e pessoais, Perez se afastou do trabalho juvenil, deixando um pequeno vácuo. Provavelmente nem Astrojildo e nem Perez conheciam ou teriam refletido sobre as palavras de Lênin no congresso do Komsomol de 1920. Não consideraram as relações sociais existentes entre aqueles jovens, suas dificuldades e anseios específicos e trajetórias de vida. Tatearam uma nova frente de militância, que teve pequenos êxitos e um imenso saldo de erros.

Notas

(1) CARONE, Edgard “Os Congressos da II Internacional (Stuttgart – 1907)” http://grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=115&id_indice=405

(2) A Internacional Juvenil Comunista (IJC), experiência que regeu (1920-1943) os jovens comunistas de todo o mundo, foi sempre caracterizada, após sua fundação em 1920, como a herdeira legítima da ISJ.

(3) Rezem e atirem (26 de março de 1912) http://www.marxists.org./portugues/liebknecht/1912/03/26.htm.

(4) Résolution sur l’Internationale Communiste et le mouvement de la Jeunesse Communiste (juin 1921) http://www.marxists.org/francais/inter_com/1921/ic3_10.htm.

(5) SAZÓNOV, V. (1986) Lênin e ‘As Tarefas das Uniões da Juventude’, Edições Progresso, Moscou, pp. 7.

(6) INTERNACIONAL COMUNISTA (1975) Programa e Estatutos da Internacional Comunista, Edições Maria da Fonte, Lisboa, Artigo 15º.

(7) BROUÉ, Pierre (2007) História da Internacional Comunista – 1919-1943, São Paulo, Ed. Sundermann, pp. 293.

(8) Carta de Luiz Perez Aos camaradas da Executiva da Internacional Comunista de Jovens, de 8 de agosto de 1925.

(9) Idem.

(10) Relatório do encarregado do serviço da JC na CCE do PCB, de Luiz Perez, sem data.

(11) Idem.

(12) Idem.

(13) Carta de Perez “Aos camaradas da Executiva da IJC”, de 8 de agosto de 1925.

Fernando Garcia é historiador e coordenador do CDM