Para lembrar o golpe
Não poderia haver manifestação mais representativa para marcar os 47 anos do golpe de 31 de março de 1964 do que a mais recente performance pública do deputado-capitão Jair Bolsonaro (PP-RJ). Ao dar ampla publicidade aos destemperos preconceituosos do parlamentar, a imprensa ajuda os mais jovens, que não viveram o período da ditadura, a entender a mentalidade que os militares tentaram impor à sociedade brasileira durante os vinte anos do regime.
Jair Bolsonaro é um representante típico daquele período, embora, para seu desgosto, não tivesse idade para assumir postos de poder. Nascido em Campinas, em 1955, ele era criança quando ocorreu o golpe, mas teve sua formação militar durante o regime autoritário. Suas referências são, portanto, de ouvir falar e das ordens do dia que recebia no quartel.
Liberdade desprezada
Ele parece não ter aprendido mais nada de1984 para cá, quando o Brasil iniciou seu processo de redemocratização. A oportunidade para mais uma de suas manifestações obscurantistas foi criada pelo programa CQC, transmitido na segunda-feira (28/3) pela Rede Bandeirantes.
Respondendo perguntas gravadas pela cantora Preta Gil, ele deu vazão a seus preconceitos contra homossexuais e negros. Posteriormente, ameaçado de processo por quebra de decoro, acovardou-se e tentou se justificar, dizendo que se confundiu com uma pergunta, embora ainda mantendo o tom agressivo que o caracteriza.
Ele escolheu um momento emblemático para tentar se explicar: o velório de outra personalidade pública, o ex-vice-presidente José Alencar Gomes da Silva. “Estou me lixando para gays”, esbravejou o parlamentar.
No noticiário de quinta-feira (31/3), não há como escapar à comparação entre sua personalidade e a de Alencar, que recebe justificadas homenagens através da imprensa.
O episódio envolvendo Bolsonaro é um desses casos em que a liberdade de imprensa ajuda a entender o que são as demais liberdades. Ao exercer a liberdade de expressão que, como defensor das ditaduras, sempre desprezou, o deputado inspira um debate interessante sobre os limites da tolerância democrática.
Terrorismo e covardia
O capitão-deputado Jair Bolsonaro é personagem patético, cujas diatribes beiram o ridículo em ambientes menos obscuros. Sua presença na Comissão de Direitos Humanos da Câmara é uma dessas provocações.
Como militar, ele pertence à estirpe do hoje coronel Wilson Luiz Chaves Machado, que em 1981 foi um dos conspiradores que tentaram armar um ato terrorista durante um show de música no Riocentro, e que hoje se esconde da Justiça atrás de supostos interesses de Estado.
Talvez a imprensa pudesse aproveitar a grotesca manifestação do parlamentar para lembrar aos brasileiros do que são capazes personagens como esses. Para ilustrar os mais jovens sobre o padrão de covardia que se mantinha no regime militar, basta lembrar que o então capitão Wilson Machado foi um dos agentes que tentaram explodir uma bomba durante um show comemorativo do 1º de maio, em 1981, no Rio de Janeiro.
A bomba acabou explodindo no colo de seu companheiro de terrorismo, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, o episódio vazou para a imprensa mas acabou abafado pelas pressões do governo militar e por conveniência de alguns grupos de comunicação.
No dia em que se registra mais um aniversário do golpe militar que remeteu a sociedade brasileira para o passado, talvez fosse o caso de rememorar um dos episódios mais representativos da mentalidade que predominava em certos setores das Forças Armadas, dos quais Jair Bolsonaro é representante no Congresso Nacional.
Também é apropriada a ocasião, produzida por Bolsonaro, para rememorar o episódio de 1981 no Riocentro, apontar os comandantes do atentado que colocaria em risco a vida de 18 mil jovens, e, por que não, esclarecer como agiram os veículos de comunicação na ocasião.
Seria um excelente contraponto às homenagens que se fazem ao outro personagem da semana, o ex-vice presidente José Alencar.
Fonte: Observatório da Imprensa