100 anos de Mário Lago, comunista por opção
Conhecido por ser um dos grandes atores brasileiros do século XX, com carreira iniciada ainda em 1933, também pela música herdada do pai e por suas composições, especialmente Ai que saudade da Amélia, em conjunto com Ataulfo Alves, Mário Lago foi autor teatral, radialista e advogado. Tendo vivido mais de 90 anos, sobretudo, foi comunista e morreu como tal. Gostava de dizer que era ator por acaso e comunista por opção.
Ainda jovem foi Militante do Socorro Vermelho, a Internacional de Solidariedade Proletária, organização da III Internacional Comunista à serviço das classes e nacionalidades oprimidas em luta pela sua libertação, organização que denunciava o caráter terrorista do capitalismo com o ascenso do fascismo e os perigos de uma guerra iminente.
Passou a integrar a União da Juventude Comunista, quando freqüentava a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, onde se formaria em 1933. Ali, se tornou marxista pelo resto de sua vida.
Passeando pela notação 1540 do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, o APERJ, no conjunto documental oriundo da polícia política, Fundo DPS – Dossiês, lá está depositada a pasta que também evidencia parte da trajetória do poeta, perseguido no País por expressar em versos sua posição orgânica ao lado dos brasileiros explorados.
O livreto “Eu quero duas rimas”, logo nas primeiras páginas já demonstra porque o nome de Mário Lago está entre centenas de dossiês e inquéritos neste que é um dos principais acervos da repressão do Brasil: “Muitos dirão que estas poesias falam em tom de comício. Concordo. Muitos dirão que estas poesias foram feitas com sabor de Manifesto. Concordo. Concordo porque são comício e manifesto.
São uma das mil formas de se chegar ao povo quando negam ao povo a praça pública. Mas se muitos disserem que elas não têm beleza poética, discordo. Elas foram escritas na linguagem do povo. Inspiradas e ditadas pelo povo”.
Sua indignação ao lado deste povo foi contundente quando o Partido Comunista do Brasil foi fechado pelo governo Dutra, por pressão dos Estados Unidos e pelo ato de seus lacaios, em 1947. No poema “O povo escreve a História nas paredes”, Mário Lago assim se expressou:
“Noite pesada… de tristeza imensa/Noite de lágrimas e de descrenças/Noite de mil perguntas doloridas/Noite de angústia para milhões de vidas/E agora meu companheiro?/Companheiro, o que fazer?/ Fecharam nosso Partido?/ Que mais vai acontecer?/(…) E agora meu companheiro?/ Como vamos escutar palavras que indicam rumos/ se ninguém pode falar? (…) Depois quando surgiu o novo dia (…) vozes que o povo escolheu (…) anunciavam ao céu, anunciavam ao mar/ que o Partido do povo ainda existia/que o Partido do povo não morria/porque o povo não morre e eles eram o povo/Sempre se refazendo/Sempre novo/Sempre no mesmo rumo/sempre novo. (…) Cassação! Cassação! Cassação! (…) Quem vai apontar os crimes/ Os crimes da reação? (…) Há sempre uma mão altiva/pegando um giz ou pincel/E há muros pela cidade/Se nos negarem papel (…) Anda comigo e espia pras paredes/vê quanta História ali já se escreveu/São páginas e páginas de luta/que escrevemos nos muros com o povo, como povo, tu e eu/São páginas que o tempo não apaga e nem apaga a reação/São páginas que o povo diariamente/lê quando passam para as oficinas/e guarda para reler no coração/Essas, não há polícia que apreenda/Essas não há ministro que a suspenda/por que sempre haverá paredes na cidade/e sempre haverá povo/E enquanto o povo sofrer/Enquanto tiver fome e tiver sede/enquanto não tiver direito e liberdade/os muros amanhecerão contando histórias (…)”.
Como se vê, na pena de Mário Lago, a cassação do seu Partido e a prisão da sua poesia se libertariam nos muros das cidades, na voz do povo que passa fome e sede.
Sua militância social, política e cultural revolucionária tinha berço e apoio da companheira de toda uma vida. Neto do anarquista italiano Giuseppe Croccia, Lago foi casado com Zeli, a quem conheceu num comício do Partido no Largo da Carioca, em 23 de março de 1947, a filha do também militar e comunista Henrique Cordeiro Oest, que fora comandante de um dos batalhões do 6º RI na tomada de Castelnuovo, durante a II Guerra Mundial, mais tarde deputado federal do Partido, eleito por Alagoas e que teve seu mandato cassado, também em 1947, sendo integrante da primeira lista dos cassados pelo Ato Institucional de 9 de abril de 1964 [1].
Por suas posições políticas comunistas, Mário Lago foi preso sete vezes, em 1932, 1941, 1946, 1949, 1952, 1964 e 1969, todas registradas nos arquivos da polícia política, a DOPS.
Com o cinema (entre seus filmes destacam-se Assalto ao trem pagador, Terra em transe e São Bernardo) e a televisão (atuou em novelas como Selva de pedra,
O casarão, Pecado capital e Dancing days) se tornou conhecido do grande público, mas nunca mudou as suas convicções políticas, tendo atuação pública importante em apoio à candidatura de Lula, em 1989, sendo amigo pessoal de Luiz Carlos Prestes e Oscar Niemeyer.
Em 2011, o poeta com compromisso popular faria 100 anos. Os versos da “Poesia da vida em marcha” dizem mais sobre o que perdemos sem Mário Lago, que páginas e páginas escritas:
“A poesia da vida em marcha/tem cadência diferente./Cadência de passos trôpegos/das crianças sem pão/das mulheres sem lar,/dos homens sem trabalho/Cadência brutal/de patas de cavalo pisando carne,/de patas de cavalo pisando sangue/dos homens sem trabalho/das mulheres sem lar/das crianças sem pão”.
* Este artigo foi escrito em 26 de novembro de 2011, exatamente no centenário do nascimento de Mário Lago, coincidentemente no meio das comemorações dos 76 anos da Insurreição Nacional Libertadora, organizada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e apoiada por Mário Lago, em 1935.
Notas
[1] Henrique Cordeiro Oest, também membro destacado da ANL paulista, em 1935, também tem seu dossiê elaborado pela polícia política do Rio de Janeiro, na notação 262, caixa 2422, que pode ser consultado no APERJ.
# Doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Professor Adjunto de História do Brasil e de Teoria da História do Departamento de História da UFSM – RS
Fonte: Portal Vermelho