Comissão da Verdade, talvez nem tanto
Um, podemos dizer de natureza conjuntural. É que, ao contrário do que ocorre em muitos países que superaram regimes ditatoriais, como nossos vizinhos Argentina e Chile, por exemplo, houve e há um clamor social em favor da revelação dos fatos atentatórios aos Direitos Humanos e da punição dos que, acobertados pelo Estado, tenham cometido crimes. Na Argentina, ultrapassa a 200 o número de militares de várias patentes e de civis punidos, comprovadamente envolvidos com a prisão, a tortura e a morte de presos políticos.
No Brasil nunca houve esse clamor. A luta para que se revelem os arquivos relativos à ditadura militar sempre esteve circunscrita a uma parcela mais esclarecida e limitada da população. Pressão popular, nesse sentido, jamais existiu.
Outro problema é de natureza estrutural e histórica. Diz respeito a uma característica da sociedade brasileira – a das rupturas inconclusas. Aqui, a mudança de uma situação a outra, mesmo envolvendo regimes de governo, sempre se deu de maneira negociada por cima, ainda que sob pressão popular, envolvendo transações lentas, graduais e prolongadas.
A Abolição foi proclamada pela Princesa Regente, comprometida com a escravatura; a República, por um general monarquista; o presidente que conduziu a Nova República, fase institucional que se sucedeu ao fim da ditadura militar via Colégio Eleitoral, havia presidido a Arena e o PDS, os partidos de sustentação do regime militar, além de ter ocupado a liderança do governo no Congresso Nacional.
Daí porque, ao contrário de muitos outros países em que Comissões de Verdade foram instituídas tão logo encerrado o regime discricionária, aqui foi criada dias atrás, há exatos vinte e seis anos do fim do regime!
Ora, desde então, não foram poucas as cenas, registradas pela imprensa, de materiais de arquivo queimados, posto no lixo, em várias partes do País. Quem pode assegurar que parte substancial – e principal – dos arquivos dos órgãos repressivos não tenha sido destruídos?
Ou mesmo deturpados, eivados de informações falsas para constranger militantes e lideranças em postos relevantes, acusando-as de haverem fraquejado diante dos seus algozes – como a Folha de S. Paulo tentou fazer na última campanha eleitoral com a então candidata Dilma Rousseff.
A Comissão da Verdade é uma conquista, sim. Mas nem tanto – salvo se muita coisa relevante ainda possa ser apurada e revelada à opinião pública.
* Luciano Siqueira Médico, deputado estadual em Recife, membro do Comitê Central do PCdoB
Fonte: Portal Vermelho