Odiado até por seus irmãos de armas
No Chile, instalou-se uma cultura de impunidade cultural a respeito dos crimes cometidos pelos membros das Forças Armadas (Exército, Marinha, Força Aérea e Carabineiros) entre 1973 e 1990. Se é verdade que os principais responsáveis pelos assassinatos de civis e outros abusos estão atrás das grades, também o é que restam vários personagens que caminham tranquilamente pelas ruas de Santiago e outras cidades, entre os quais muitos ex-uniformizados acumularam grandes fortunas junto com os civis que cooperaram com a ditadura.
Isso permitiu o desenvolvimento, com algumas exceções, de uma cultura do silêncio na elite política e econômica do Chile em torno das violações dos Direitos Humanos, protegido por um círculo de ferro, uma confraria militar e social que prometeu não falar desses temas por décadas.
Por isso, a homenagem realizada no dia 21 de novembro ao brigadeiro Miguel Krassnoff, um dos principais torturadores da ditadura de Pinochet, marcou uma pauta fora do comum na medida em que o acontecimento tornou-se público, o que provocou o rechaço da cidadania chilena e de grupos defensores dos direitos humanos.
Mas o cerco do silêncio foi novamente rompido por um ex-militar que participou de outros assassinatos e que denunciou (ou traiu, no jargão militar) Krassnoff. Carlos Herrera Jiménez, ex-integrante da Central Nacional de Inteligência (CNI), a polícia secreta de Pinochet, criticou a homenagem a Krassnoff – condenado a mais de 147 anos de prisão por crimes contra a humanidade -, e confirmou que, efetivamente, esse oficial foi responsável por vários assassinatos.
Herrera Jiménez foi um dos encarregados da horrível missão de assassinar o presidente dos trabalhadores públicos, Tucapel Jiménez, em 1982. Por este crime, atualmente cumpre pena na prisão de Punta Peuco: pelo assassinato do dirigente sindical Tucapel Jiménez e também do carpinteiro Juan Alegría Mondaca.
O ex-militar assegurou em duros termos que Krassnoff é culpado de todos os crimes que são imputados a ele e que os oficiais que estão presos hoje não receberam as penas que mereciam.
O ex-agente de inteligência também reiterou seu arrependimento por sua participação nos crimes e repetiu que obedeceu às ordens de seus superiores que o convenceram de que estava eliminando inimigos da pátria.
Herrera Jiménez está preso em Punta Peuco, localizada a cerca de 45 quilômetros ao norte de Santiago, outra prisão especial para militares e carabineiros que violaram os direitos humanos.
Além do fato de reconhecer que os oficiais eram conscientes dos assassinatos, porque esse era seu trabalho, as palavras de Herrera Jiménez significam um passo adiante para aprofundar a condenação pública e moral de Krassnoff e de outros militares que torturaram e assassinaram civis de esquerda durante a ditadura.
Herrera Jiménez declarou ao diário Cambio 21, um meio de comunicação ligado ao bloco de centro-esquerda da Concertação, que o torturador Krassnoff é culpado de todos os crimes dos quais é acusado: “Não é crível e muito menos lógico que o poder Judiciário tenha se equivocado em mais de vinte oportunidades ao ditar a sentença condenatória contra o brigadeiro”, afirmou.
O ex-oficial criticou a homenagem organizada pelo prefeito da comuna de Providencia (uma das mais ricas de Santiago e do Chile), Cristián Labbé, ex-coronel do Exército e atual político do partido União Democrata Independente (UDI), um dos principais agrupamentos da base de apoio do governo de direita de Sebastián Piñera. “Há mais suboficiais que oficiais presos.
Parece que ninguém comandou o combate à subversão que, por certo, houve no Chile. A grande maioria dos oficiais, no momento de depor em juízo, disseram que eram ou analistas, ou funcionários administrativos, ou que distribuíam o rancho para a tropa”, disse Herrera.
Na opinião de Herrera, as ex-militares que homenagearam Herrera se equivocaram ao insistir na inocência judicial deste, “mas mais equivocado foi Krassnoff ao insistir em sua inocência”.
Segundo o ex-militar condenado, “certamente fomos o braço armado da direita econômica, Não há dúvida sobre isso, Talvez por isso agora nos desprezam. Atavicamente esse setor político tem se servido dos militares. A história é pródiga em assinalar os fatos que assim os assinalam”.
Estas palavras polêmicas não são pão de cada dia no Chile. Existe um “código de honra” entre os ex-oficiais do Exército para não falar das violações dos direitos humanos cometidas nos 17 anos da ditadura militar, motivo pelo qual muitos ex-uniformizados vivem hoje tranquilamente nos bairros ricos de Santiago, graças aos negócios privados que realizaram na ditadura e que decolaram com o modelo econômico neoliberal vigente no Chile.
Fonte. Carta Maior