Saindo agora do teatro do XI de Agosto. Gravação do Brasilianas me impede de acompanhar um momento histórico: a entrega dos restos mortais do espanhol Miguel Sabat Nuet a seus três filhos.

No sábado, convidado pela procuradora Eugênia Gonzaga, jantei com ela e os filhos de Miguel.

Não abri mão da presença das minhas caçulas, para poderem saber um pouco de uma história que teima em ser escondida.

Talvez não haja capítulo mais simbólico da impunidade daqueles tempos de repressão. Miguel era um vendedor de carros, espanhol de nascimento, morando na Venezuela, que resolveu visitar o Brasil.

Foi preso pela repressão, talvez pelo fato de falar espanhol. Policiais sem nenhum lustro intelectual, sem dominar o espanhol, julgaram que fosse subversivo. Preso, foi torturado. Na cela, passava os dias escrevendo textos com considerações sobre a humanidade.

Passado algum tempo, os torturadores se deram conta de que havia sido um engano. Em sua ficha constava um “metido a filósofo” e a informação de que nada tinha a ver com a luta armada.

Mas foi torturado sem capuz. Poranto, poderia reconhecer os torturadores. A saída foi o assassinato.

Durante anos sua ossada foi uma incógnita. Do grupo da guerrilha, ninguém sabia quem era. Do lado do governo federal, pouco empenho em avançar no tema, pelo receio de açular setores radicais das Forças Armadas. Na Venezuela, os filhos supondo ter sido abandonados pelo pai, sem a menor ideia sobre o que havia acontecido.

O caso jamais teria sido desvendado não fosse o empenho dos procuradores federais Eugênia Gonzaga e Marlon Weichert.

Por muito tempo tentaram identificar aquela estranha ossada. Mas até o sobrenome estava escrito errado. Até que uma reportagem de Rubens Valente, em cima dos arquivos da repressão, permitiu chegar à identidade da vítima.

Saio, agora, do XI de Agosto assistindo a chegada da Ministra Maria do Rosário, do cônsul da Espanha, da líder argentina das Mães da Praça de Maio, de lideranças civis brasileiras. Oa três filhos vieram da Venezuela. Estão mais velhos do que o pai, quando foi assassinado.

Na cerimônia faltou a presidente da República para, em nome de todos os brasileiros, pedir desculpas oficiais pelo crime cometido.

Fonte: Blog do Nassif