Liberadas fotografias de vĂtimas dos “voos da morte”
Reportagem da Telam sobre os vĂ´os da morte(07/05/2010)
A ComissĂŁo Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) entregou hoje Ă justiça argentina um arquivo com mais de 130 fotografias de corpos encontrados nas costas uruguaias, e que corresponderiam a vĂtimas da ditadura militar argentina lançadas ao mar nos denominados “voos da morte”.
O arquivo, que permaneceu confidencial durante 32 anos, é parte de um dossiê com imagens e informes redigidos por serviços de inteligência uruguaios que dão conta da descoberta de corpos na zona de Laguna de Rocha e que, presumivelmente, foram arrastados pelas correntes marinhas até à costa uruguaia. Para a justiça argentina, dada a magnitude da evidência, trata-se de uma das provas mais claras da existência dos voos da morte.
Esta informação está registrada no informe “Observação in loco”, nome com o qual a CIDH denominou a visita que fez a Argentina entre 6 e 20 de setembro de 1979. Aquela visita e os informes redigidos na ocasiĂŁo deram conta de modo contundente do plano de extermĂnio executado pelos militares argentinos – aglutinados na Escola de Mecânica da Armada (Esma) – e cujo ato bárbaro culminante foi a desaparição de presos polĂticos lançados vivos ao mar. O informe tambĂ©m relata de maneira direta o drama que a Argentina vivia durante a ditadura em função da “ação das autoridades pĂşblicas e de seus agentes, e das numerosas e graves violações dos direitos humanos que ocorriam no paĂs”.
As fotografias dĂŁo conta da crueldade com que atuavam os agentes da ditadura: corpos com os pĂ©s e mĂŁos amarradas, cordas feitas com cortinas de persianas, queimaduras de cigarros, feridas, evidĂŞncias de torturas e orifĂcios de balas.
Um corpo de mulher que parecia ter passado muito tempo na água ainda mantinha as unhas de seus pés pintadas. Em alguns casos, estão inteiros, mas comidos pela fauna marinha; inchados, putrefatos, sem cabelos nem olhos. Em outros, parecia que o dano tinha sido feito previamente.
Segundo os informes da inteligĂŞncia uruguaia, a maioria dos corpos apareceu com ataduras rĂşsticas, ou com traços delas. Isso demonstraria que as vĂtimas tiveram os pĂ©s e mĂŁos imobilizados e, assim, nĂŁo tiveram possibilidade alguma de nadar e salvar-se apĂłs serem jogadas vivas nas águas.
Um informe apĂłcrifo sobre a descoberta de um corpo feminino, feito em abril de 1976, assinala: “O corpo apresentava indĂcios externos de violĂŞncia: sinal de violação, provavelmente com objetos perfurantes, fraturas mĂşltiplas. NĂŁo há nenhum possĂvel elemento de identificação. O corpo foi extraĂdo desnudo das águas e as impressões digitais obtidas nĂŁo trouxeram respostas positivas”.
Os primeiros informes datam de 1975. Entre os papéis se encontram mapas com os ciclos das correntes e indicam Buenos Aires como ponto de partida. Estes dados permitem inferir que os corpos pertencem a desaparecidos argentinos. Também se encontraram moedas e cédulas argentinas e uma carteira de Santa Fé.
Os documentos foram entregues pelo secretário executivo da CIDH, o argentino Santiago CantĂłn, ao juiz Sergio Torres, encarregado da mega-causa ESMA, que investiga os voos da morte. A comissĂŁo desconhece a origem dos documentos. SĂł sabem que alguĂ©m os entregou em 1979. É possĂvel pensar que sejam resultado das imagens feitas por um ex-marinheiro uruguaio, Daniel Rey Piuma, que desertou da força, pediu refĂşgio no Brasil e difundiu as imagens por meio de uma organização civil no inĂcio dos anos 80. Parte desta informação apareceu no livro “Um marinheiro acusa”, publicado em 1988.
A entrega destes arquivos para a justiça argentina representa uma mudança de paradigma no funcionamento da CIDH, já que é a primeira vez que ela abre seus arquivos confidenciais para um processo judicial. Embora esses documentos ainda não tenham sido corroborados, a justiça argentina os considera fundamentais não só para o caso dos voos da morte, mas também porque pode embasar um pedido para que o Estado uruguaio libere todos os documentos relacionados à descoberta de corpos na mesma época.
“Estes documentos podem servir para identificar pessoas e mostram a existência das torturas, das violações, das ataduras. Até agora, as provas dos voos da morte eram todas testemunhais. Estas [fotos] são chave pelo seu caráter de imediatez, são um registro daquele momento”, assinalou o secretário Santiago Cantón.
Estes documentos nĂŁo sĂŁo os primeiros que a CIDH entrega Ă justiça argentina. Este ano, o juiz Torres viajou a Washington e revisou 60 caixas com documentos sobre denĂşncias recebidas pela ComissĂŁo durante a Ăşltima ditadura. Grande parte desse material foi escaneado e já faz parte do processo. CantĂłn explicou que, dado o tempo transcorrido, a democracia na Argentina e a firme determinação da ComissĂŁo em colaborar com as causas de direitos humanos, “é possĂvel abrir muito mais documentos”.
Fonte: Carta Maior



