Lucio Magri foi um dos principais dirigentes da esquerda italiana e, ao mesmo tempo, um de seus mais destacados intelectuais. Muito jovem foi promovido a cargos importantes de direção quando o então Secretário Geral do Partido Comunista Itália, Palmiro Togliatti, desejava rejuvenescer os quadros do partido, dando espaço a uma nova geração de dirigentes.

Junto com Rossana Rossanda e Luciana Castellina, entre outros, Magri constituiu um grupo crítico de esquerda à política do PCI, especialmente quando Enrico Berlinguer – que sucedeu a Togliatt na direção do Partido – promoveu a política do compromisso histórico, que abandonava a estratégia da aliança comunista-socialista, concedendo um espaço fundamental para a Democracia Cristä.

O grupo saiu do PCI e fundou o movimento chamado Il Manifesto, que passou a publicar um diário com esse nome. Mais adiante, o grupo foi convidado pelo próprio Berlinguer para retornar ao PCI, quando o máximo dirigente do partido se propunha a dar um giro à esquerda.

Retornados ao PCI, o grupo sofreu a morte de Berlinguer um mês depois do seu retorno e acompanhou o triste caminho do PCI para sua mudança de nome e sua dissolução como partido comunista.

Magri foi participante de toda essa trajetória, sendo o único dirigente que votou contra a mudança de nome do PCI. (O outro dirigente, com a mesma posição, Pietro Ingrao, estava viajando.) Magri conta a tristeza da sua saída do histórico edifício da rua delle Boteghe Oscure, sede do PCI, caminhando para sua casa, no próprio centro de Roma, com a sensação de que um período histórico terminava e que sua vida ia embora com esse passado.

Desaparecido o partido – considerado a memória historica do proletariado. Magri se propôs a fazer uma história do comunismo italiano que, pelo papel relevante que teve em escala internacional e pelas estreitas relações com o movimento comunista internacional, em parte cobre a história dos partidos comunistas e suas relações com o Partido Comunista da União Soviética.

Nesse intervalo de tempo, quando se dedicava a escrever o livro, ficou doente Mara, a sua companheira de toda a vida. Um processo doloroso de três anos até sua morte, para completar o quadro de fim de vida para Magri.

Ele pensou em proceder como havia feito André Gorz, que se suicidou junto com sua companheira doente (processo relatado no belo livro Uma vida), mas Mara o impediu de fazer isso, incitando-o a que primeiro terminasse o livro.

O alfaiate de Ulm – livro que a Boitempo publicará este ano – é uma obra imprescindível para a compreensão da história da esquerda ao longo do século XX.

Em primeiro lugar porque quase toda a bibliografia sobre as transformações radicais nas correlações de força no plano internacional e em cada país, são em geral de direita, com seus valores e suas óticas.

Magri faz um balanço desde a esquerda com seus dilemas e alternativas.
Em segundo lugar, porque a desaparição do maior partido comunista do Ocidente ficaria sem história, incluindo seu triste fim, no caso de que alguém como Magri, com sua trajetória e sua capacidade de análise, não tivesse assumido essa tarefa.

Em terceiro lugar porque retoma a dura tarefa de fazer balanços das derrotas desde a própria esquerda, sem nenhuma solução fácil – do tipo “eu sempre disse que isso ia terminar mal” – ou da subestimação do tamnho da derrota, mas sem renunciar aos princípios gerais que orientam a esquerda.

Tive a possibillidade de estar uma semana na casa de Magri, em 2010. Sua decisão de terminar conscientemente sua vida era algo reiterado. Ele sentia que, do ponto de vista político e histórico, mas também do ponto de vista pessoal, sua vida tinha chegado a um fim.

O que terminou concretizado com um suicídio assistido na Suíça, como decisão conscinte e racional. Seu livro tinha sido publicado na Itália, com grande sucesso. Na Espanha, país que ele visitou para o lançamento do livro.

Pudemos cumprir o compromisso assumido com ele e publicar uma edição latinoamericana, na Argentina. Eu lhe fiz chegar a notícia de que já estava em processo de tradução a edição brasileira do livro, no último contato que tive com ele.

A edição brasileira será uma grande contribuição para o balanço e a reflexão sobre o presente e o futuro da esquerda no século XXI.

Fonte: Blog do Emir Sader