PCdoB: A festa dos 90 anos e os programas partidários
O momento em que festivas e encorpadas manifestações registram em todo o país as comemorações dos 90 anos do Partido Comunista do Brasil, remete à memória, ao legado e à atualização dos Programas elaborados pelos comunistas ao longo da História. O resgate é revelador de uma trajetória de formulações admirada por sua profundidade e criatividade que orientou as gerações e as forças políticas voltadas para a construção de um país justo, soberano, democrático e progressista.
“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor …”
(Fernando Pessoa)
Nesse percurso, os atuais desafios apresentam um horizonte que requer ousadia dos comunistas para estimular, ao lado do povo brasileiro, as forças progressistas, combater suas vacilações e fomentar os avanços no Brasil.
Trata-se de um reconhecimento desta necessidade a mensagem da presidente Dilma (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=179048&id_secao=1) à festa do Rio de Janeiro, na qual realça que, ao longo de sua história, “o PCdoB tem sacudido velhas estruturas por um país soberano e com justiça social”.
Dilma reafirmou que o Partido teve um fundamental papel no governo Lula, que atualmente também assume um papel protagonista nos avanços e conquistas do governo federal. E, com isso, sinaliza de modo ululante, que nem a ela agradam a bajulação e a subserviência – que, além de não sacudir “velhas estruturas”, reforçam sua vigência e atrasam as transformações postas na ordem do dia.
Na contramão da leniência, e elaborados sob a necessária influência dos maremotos e turbulências da luta de classes, os Programas políticos do PCdoB representam um formidável patrimônio a ser assimilado, criticamente avaliado em suas antigas versões ou na relação com as novas realidades, e cultivado no debate e na prática ação cotidiana pelos comunistas diante dos desafios contemporâneos.
Na linha do que dizíamos há precisos dois anos, agimos assim como quem rega suas flores enquanto azeita os canhões de esperança apontados para um ansiado e perseguido horizonte de paz, justiça e prosperidade social, considerando grandiosas e decisivas contribuições para a formação do Brasil que temos hoje.
Radiante horizonte da emancipação
O Partido Comunista do Brasil, beneficiário desta construção histórica, comemora hoje seus 90 anos de existência quando vivencia o mais extenso período de legalidade de sua existência, com inúmeras frentes de luta postas diante de suas fileiras, de um povo experimentado em séculos de ricas pelejas – e que tem à sua disposição a oportunidade de fazer avançar as transformações revolucionárias no Brasil. Trata-se efetivamente, esta possibilidade atual, de um “cavalo selado” que, sedutor, desafia a pujança e a habilidade de seus ginetes!
Neste período de contradições emergentes, um significativo impulso – compatível com a capacidade de intervenção dos comunistas e de sua contribuição secular – sugere que já não bastam os tratos à renovação de conceitos e táticas em abstrato que reafirmam o caminho revolucionário com feição atual.
Além de contribuir decisivamente com sua energia e credibilidade para o êxito eleitoral e dos governos de Lula – é isso que reconhece a presidente Dilma –, aos comunistas está reservada a elevada tarefa de propor e encaminhar, ao lado do povo brasileiro (que atribuiu a tais gestões imensa popularidade), as diretrizes e diretivas compatíveis com uma sinalização de medidas avançadas que, no vácuo do reformismo, ultrapassam anos luz a inercial coordenação de algumas das correntes políticas “de esquerda” assimiladas pelos interesses das classes dominantes, servindo-lhes objetivamente.
Cabe-lhes hoje, a tais correntes, a subordinada e genuflexa missão de administrar os espasmos locais das crises crescentes do capitalismo financeirizado, as quais, na impossibilidade de consistente reciclagem e de novos patamares de acumulação, buscam nas vísceras dos povos e nações a substância para a sua assombrosa sobrevivência – a cada dia mais deformada e causadora de enormes sofrimentos para humanidade e para o planeta ameaçado, onde sucumbe à fome e a toda sorte de doenças e privações uma horda superior a um bilhão de pessoas.
No Brasil, onde persistem graves dramas sociais e um imenso espectro de horrores debilmente combatidos pelas políticas compensatórias consentidas – mas nem de longe comparáveis à formidável acumulação e ganhos compulsórios do grande capital ao longo da ofensiva neoliberal, quando arrostou os patrimônios públicos em todos os quadrantes do planeta.
A superação profunda deste quadro emerge então como único cenário no qual se põe efetivamente e de modo consequente o horizonte do desenvolvimento – com a valorização do trabalho e a via de um projeto avançado que conduza de fato o Brasil e seu povo à ansiada emancipação nacional e social.
Dramático perfil a superar
Observa-se que, num cenário atenuado pelos economistas estabelecidos, no orçamento de 2011 vinculou-se 45% à ciranda dos juros, amortizações e encargos da dívida pública. Em 2012, acentuou-se este comprometimento, numa previsão de 47,19% dos aproximados R$ 2,2 trilhões, num volume de R$ 1 trilhão e 14 bilhões. Somente no ano de 2011 foram empenhados R$ 236,7 bilhões com juros e encargos dessa dívida — quase 6% da previsão do PIB para aquele ano — enquanto dedicou-se R$ 15 bilhões aos programas de transferência de renda.
Independente do jogo financeiro que relativiza a dimensão desses pagamentos em suas portas anuais simultâneas de entrada e saída, com as rolagens e renovações da dívida desde as emissões e resgates de títulos públicos, o País requer uma mais expressiva e crescente expansão da atividade econômica produtiva apenas para arcar com os compromissos que turvam as possibilidades de investir num pujante projeto nacional, blindando-se contra a expropriação do esforço nacional.
E, nas circunstâncias da atual crise internacional do capitalismo, esta expansão é prejudicada pela elevada taxa de juros ainda vigente em nossa economia, pelas políticas cambial e fiscal, pelas ameaças de abismo produtivo e de desindustrialização que as acompanham.
Com este dramático perfil, o Brasil, não obstante sua recente conquista do lugar de sexta economia do planeta, ainda limita suas pretensões na referida inserção mundial. Reduz os recursos de investimento requeridos por uma grande nação.
Destina um volume insuficiente a metas sociais de imensa relevância, a exemplo da Educação (3,18% em 2012; 2,99% em 2011) e da Saúde (3,98% em 2012; 4,07% em 2011), sujeitando-as adicionalmente aos pesados contingenciamentos dedicados aos ajustes fiscais requeridos pela banca financeira.
E, além disso, termina por claudicar quanto à política nacional de desenvolvimento regional — que, prejudicada, não cumpre sua missão de combate às assimetrias entre as regiões e, em seu interior, entre estados numa mesma região.
Maturada síntese no século 21
O Partido Comunista do Brasil, tal como nos informaria a dialética materialista, se apresentou no século 20 enquanto tese (1922); após pelo menos quatro décadas de imensas vicissitudes que correspondem ao momento da formação do seu núcleo inspirado no pensamento marxista-leninista, realiza sua antítese (1962); e caminha, em seus 90 anos e na mais amadurecida etapa de sua existência, para a sua síntese no século em curso.
Sua tese inicial negou o anarquismo e afirmou a organização política consciente da classe operária; sua antítese negou o revisionismo, o caminho da capitulação e liquidação do Partido; e sua síntese afirmará o caminho revolucionário — sem o qual estarão perdidos e atirados à lata de lixo da História praticamente um século de lutas, alegrias, suor, sacrifícios, conquistas, muito sangue derramado, heroísmo e, sobretudo, como tempero especial, um protagonismo que é essencialmente responsável pela conquista do atual patamar de liberdades.
Neste, coexistem o democrático, o popular e a permanência conservadora no prumo da busca de uma nova correlação de forças. Esta síntese, portanto, deve obedecer a um perfil essencialmente transformador e inconciliável com a postura claudicante ainda hegemônica.
Exemplarmente hoje, diante da sociedade, o governo Dilma deve ser concitado a efetivamente realizar alterações de rumo quanto à superada, na vida e nas urnas, agenda neoliberal, colocando diante do seu povo uma nova “carta aos brasileiros”, de acordo com a qual se posicione o interesse da nação acima dos “contratos” determinados pela banca financeira e rentista, do trabalho sobre o capital, da soberania sobre saque e desmonte patrimonial do país.
Ousadia num poderoso norte
Tudo isso sem uma insinuada premissa de ruptura com o atual governo, mas protagonista de uma contribuição digna e diferenciada da postura subordinada ou subalterna, frouxa, aviltante, amedrontada, subserviente, serviçal e que não dignifica o campo revolucionário, apequenando e desmiliguindo sua altiva dimensão diante da História.
Contrariar governos e concitá-los aos avanços jamais foi para os comunistas gesto temerário, desde que, altivos e sobranceiros, colocaram sempre os interesses de seu país e de seu povo, dentro e fora do Parlamento, acima das veleidades do fisiologismo e dos balcões de negócio.
Afinal, quem soube acolher e comemorar nosso apoio em toda uma exitosa trajetória, tem a obrigação, numa singela e inteligível pedagogia democrática, de compreender o conteúdo justo e avançado do nosso pensamento, fazendo valer a consigna poética e lusófona de Fernando Pessoa: “Tudo vale à pena quando a alma não é pequena”.
É inegável que, nesta síntese, nosso Partido cultiva a destinação estratégica de influir nos acontecimentos, inspirá-los e em algum momento alavancar a viragem que fará do Brasil e de seu povo aquilo que Darcy Ribeiro qualificava como “de primeira classe”.
Para cumprir essa missão histórica, será necessário que, antes de tudo, respeitemos nossa trajetória construtiva e cumulativa que sintetiza as lutas heroicas do nosso povo, assimiladas e aprimoradas pela vanguarda consciente do proletariado.
Legítima rebeldia
Desse modo, sempre em busca da justa linha política, mas, nas diversas circunstâncias, orientados pelo método dialético (que determina as mudanças de rumo ou correções de rota táticas), os comunistas que nos precederam jamais quedaram desarmado o coletivo partidário.
É o que nos informam, entre outras formulações brotadas após os árduos primeiros tempos da afirmação partidária, o Programa do 4º Congresso, de 1954; o Manifesto Programa, de 1962; o Programa Socialista de 1995, confirmado em 1997; e o atual Programa, natural escoadouro das diversas experiências de elaboração anteriores.
É o que seguimos, em breve percurso.
Em 90 anos de História, o Partido Comunista do Brasil, em sua natureza política e organizativa, tornou-se o legítimo sucedâneo da tradição de rebeldia dos movimentos populares e contestatórios ao colonialismo, ao imperialismo e ao sistema de controle monopolista da propriedade territorial — de sesmarias, capitanias e depois latifúndios — ocorridos na nossa formação econômica e social.
Nessa trajetória, e ao sabor da luta de classes impulsionada pelas lutas dos trabalhadores e das massas urbanas, vicejou e se afirmou com o surgimento e evolução da sua classe fundamental — a classe operária.
Sob a determinação política de expandir sua influência num nível superior, assumiu firmemente a visão estratégica que favorece as classes e camadas oprimidas e despojadas do nosso povo, assumiu o arcabouço do socialismo científico e o marxismo-leninismo como teoria fundamental das transformações requeridas ao rumo de uma sociedade libertária, justa e igualitária.
Edificou, enfim, o arcabouço dos seus objetivos estratégicos dos quais não se deve abdicar em nome de limitadas metas às quais nem mesmo Frei Betto, de profundas ligações pessoais de amizade ao então presidente Lula, abriu mão. Foi o que nos disse, em resposta à “Carta a Frei Betto”, ao abdicar de suas funções no Palácio do Planalto: “Continuo amigo do Lula, mas considero que o superávit fiscal venceu o déficit social”.
Formidável conteúdo programático
Posto diante de tais dilemas, o PC do Brasil adota o materialismo histórico e dialético enquanto método fundamental do seu exame e intervenção na realidade, rejeitando o dogmatismo e o reformismo, os desvios de esquerda e direita, na medida inteligente e diligente da correta compreensão da teoria e da realidade, rejeitando a sua tergiversação e sua manipulação oportunista — que favorecem o inimigo de classe.
Também neste prumo, o PCdoB qualificou-se como uma legenda partidária que não se confunde com as legendas de aluguel; ou seja: é uma organização que tem Programa e princípios, não se subordina a nenhuma outra agremiação, recusando-se a traficar com os interesses da classe operária e do povo trabalhador.
O PCdoB é beneficiário hoje das formulações e da luta histórica empreendida para que, acima das dificuldades e atropelos da ação cotidiana, sob quaisquer circunstâncias, sua militância estivesse naturalmente armada com um programa político. Nos antecedentes de luta e elaboração que precedem o atual programa, o grau de amadurecimento dos comunistas foi materializado de modo exemplar, em suas linhas gerais, em três documentos fundamentais:
(1) Programa de 1954, do 4º Congresso – Influenciado pelo núcleo histórico que em seguida impediu a liquidação do Partido, trava a luta ideológica contra a arrogante linha oportunista de direita que, sucumbindo ao revisionismo (amestrado pelo pacifismo e capitulação ao imperialismo numa era de ofensiva), tratava de embelezar o capitalismo, alimentando a seguir sua posição na Declaração de Março de 1958.
(2) Manifesto Programa de 1962 – Representou o desdobramento de uma enérgica viragem quando elaborado com a reorganização do Partido Comunista do Brasil, ameaçado de liquidação pela onda revisionista ocasionada pelo 20º Congresso do PCUS.
(3) Programa Socialista de 1995 – Aprovado na conferência de 1995 e ratificado pelo Congresso partidário de 1997, um salto qualitativo — e o mais importante da nossa História — porquanto representou uma ruptura com a visão de duas etapas no processo revolucionário.
Se foi possível chegarmos a um Programa para a atual quadra histórica, isso se deve a tais formulações, produzidas desde longo período da luta de classes, envolvendo as experiências cumulativas — e os grandes saltos de qualidade — de convivência com a sociedade, com a realidade brasileira, as grandes lutas nacionais, sociais e políticas, incluindo-se a resistência à ditadura do Estado Novo, ao regime militar e à ameaça neoliberal.
Defender o caminho revolucionário sempre exigiu firmeza dos comunistas em todas as épocas desde o Manifesto de 1848, no percurso dos períodos de maior acirramento da luta de classes. Suas formulações apresentam em comum a coerência na definição dos obstáculos estruturais que devem ser removidos para a conquista do poder político pelos trabalhadores e pelo povo, com a classe operária à frente das transformações. Numa marca característica, não afirmam a condescendência com as causas das grandes dificuldades do país e de seu povo.
Diálogo entre Programas
Naquela conclusão comum mostra o Brasil com a fisionomia de um país privilegiado no mundo sob a ótica das suas riquezas naturais e de seu povo trabalhador, elegendo como inevitável contradição antagônica a persistência da miséria e do mal estar em seu território.
Doze anos depois da criação da Companhia Vale do Rio Doce (eleita em 2012 pelo seu “passivo ambiental” como “a pior empresa do mundo” com o prêmio Public Eye Award), que se deu em 1942, e muito antes de sua privatização, ocorrida em 1997 e até hoje coonestada, o programa do 4º Congresso, de 1954, já enunciava as razões pelas quais nosso país deveria ter uma destinação soberana:
“O Brasil é um país imenso e dotado de grandes riquezas naturais. Possui riquíssimas jazidas de ferro, manganês, tungstênio, ouro, petróleo, carvão, minerais radioativos. Dispõe de terras fertilíssimas e de clima favorável ao cultivo dos mais variados produtos agrícolas.
Extensos vales e planaltos possibilitam a criação de todas as espécies de gado. São enormes as reservas florestais. O grande potencial hidráulico poderia ser utilizado para a construção de sistemas de irrigação contra as secas e para a eletrificação da economia nacional”.
Além da constatação e após um exame das grandiosas mazelas que infelicitavam a Nação, informava o texto do Manifesto Programa de 1962, antecipando o panorama de uma realidade que, longe de se modificar a favor do Brasil, aprofundou-se de um modo tal que, em 2011, 50 mil brasileiros numa população que alcança os 200 milhões reúne investimentos da ordem de R$ 434 bilhões num país internacionalizado:
“Por que tudo isso ocorre num país tão imenso e rico, habitado por um povo laborioso? Isso se verifica devido à espoliação do país pelo imperialismo, em particular o norte-americano, ao monopólio da terra e à crescente concentração de riquezas nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas.
Os imperialistas dominam importantes setores da economia nacional. São donos das indústrias de automóveis, pneumáticos, vidro plano, produtos farmacêuticos, frigoríficos, etc., e controlam quase toda a produção e distribuição de energia elétrica, bem como o comércio de petróleo. (…) Os monopólios ianques ocupam posição destacada no comércio exterior do Brasil, impõem preços cada vez mais baixos aos produtos brasileiros de exportação e elevam constantemente os dos bens que o país importa. (…) O café, por exemplo, baixou de 47 centavos de dólar a libra-peso, em 1956, para 35 centavos.
Parte considerável da exportação desse produto, assim como o beneficiamento e o comércio interno e externo do algodão encontram-se em mãos de firmas norte-americanas. As empresas imperialistas gozam de privilégios na importação de maquinaria e equipamentos industriais.
Os juros e a amortização das dívidas do Brasil com os Estados Unidos, contraídas, em grande parte, para atender os interesses dos próprios monopolistas ianques, exigem, anualmente, somas astronômicas, que consomem importantes parcelas da receita cambial.
Assim, os imperialistas norte-americanos absorvem boa parte da renda nacional e drenam para o exterior vultosos recursos que poderiam ser empregados no desenvolvimento do país”.
E o Programa Socialista de 1995, num percurso de décadas para os dilemas e obstáculos estruturais persistentes, ampliava as explicações em seu enquadramento mundial:
“A crise estrutural que atinge o Brasil, embora com características próprias, não é fenômeno apenas brasileiro. Faz parte da crise mundial do capitalismo-imperialismo, parasitário e em decomposição. Baseado no monopólio, esse sistema conduziu — como previram os clássicos do marxismo — à gigantesca concentração da produção e da renda nas mãos de um punhado de monopolistas que domina e explora o mundo inteiro.
A concentração toma forma mais precisa no aparecimento dos oligopólios de feição multinacional. Uns poucos oligopólios controlam ramos inteiros de indústrias fundamentais instaladas em diferentes regiões do Globo. E a partir desse controle, submetem a economia de inúmeros países.
Tal concentração manifesta-se igualmente no capital financeiro, no reforçamento da oligarquia financeira internacional que promove a espoliação e submissão, econômica e política, de grande parte das nações”.
Ricos elementos de avaliação
E todos os Programas apresentaram diagnósticos e evidências quanto à miséria da classe operária, do campesinato, das massas despojadas e excluídas no campo e na cidade, da classe média, do pequeno e médio empresariado. Caminhos e soluções para as questões aflitivas dos imensos contingentes sociais marginalizados pelos mesmos obstáculos: em suma, o latifúndio improdutivo, a grande burguesia monopolista, o capital financeiro.
Tais Programas apresentam clarividência histórica em riquíssimos elementos de avaliação. Quem deseja, a guisa de exemplo, compreender plenamente os precedentes do golpe militar que levou os comunistas à ilegalidade deve contemplar tais preciosidades. Denuncia-se, no Programa de 1954, inclusive que, em dado momento da nossa História, os oficiais-comandantes das nossas tropas eram norte-americanos:
“As ordens dos imperialistas norte-americanos são transformadas pelo atual governo em leis do país, sempre com o objetivo de tornar mais fácil o assalto às riquezas nacionais e a exploração redobrada de nosso povo. Contra a vontade manifesta da nação, o governo de latifundiários e grandes capitalistas firmou com os Estados Unidos o «Acordo Militar» e outros tratados lesivos aos interesses brasileiros. As forças armadas nacionais são entregues ao comando direto de generais e almirantes norte-americanos, que as preparam ostensivamente para as guerras de agressão planejadas pelos militaristas dos Estados Unidos”.
E a extinção da decantada FEB (Força Expedicionária Brasileira), solidamente marcada pela presença dos comunistas e encerrada com o desfecho da 2ª Guerra Mundial, cedeu lugar à onda castrense que se voltou contra o povo brasileiro nas rupturas à direita que marcaram o ocaso da era Vargas e o trágico advento do regime militar de 1964 — ainda hoje beneficiado em sua memória pela impunidade consentida e segundo a qual o Brasil mantém-se persistente e distanciado de outros países latino-americanos que ajustaram em sua história as contas com o obscurantismo imperial e institucional.
E aí se evidenciam e desvendam, no sentido exemplar, outras diversas questões cruciais que devem seguramente constar da elaboração dos comunistas na relação dialética entre passado, presente e futuro, quando o povo brasileiro tem diante de si na tarefa de resgatar sua inserção soberana no mundo. Afinal, o Brasil persiste na encruzilhada conceitualmente definida por João Amazonas e cabe aos comunistas atualizá-la de modo altivo e sem tergiversações.
Sólidas e apropriadas lições dos comunistas
Os governos inaugurados na plena legalidade desde 2003 e, mesmo impossibilitados de contrariar os rentistas em suas “sinceras intenções”, poderiam em sua orientação de política exterior acolher ao mesmo Programa do Partido Comunista do Brasil elaborado em 1954, em seu 4º Congresso, que informava:
“A paz e a colaboração pacífica com todos os países podem assegurar ao Brasil vastos mercados para o excedente exportável de sua produção agropecuária e industrial, facilidades ilimitadas para a aquisição de equipamentos e matérias-primas necessários ao amplo desenvolvimento da indústria nacional.
O caminho da paz e da colaboração pacífica com todos os povos é o caminho do progresso do Brasil, do rápido florescimento da economia nacional, é o caminho da liberdade e da independência, que conduzirá à elevação do nível cultural e a uma vida livre e feliz para o nosso povo. Este o caminho a seguir para que o Brasil ocupe relevante posição, como nação livre e independente, no seio da comunidade mundial das nações”.
Quem, portanto, ingressou no Partido Comunista após o período de vigência das primeiras experiências programáticas, certamente já o encontrou armado de conceitos que nenhuma outra organização política no Brasil logrou elaborar, mesmo as que desfrutavam da “confortável” legalidade burguesa. E que, com seus desdobramentos, revelam-se aptas a pavimentar o caminho revolucionário das mais generosas transformações acalentadas como utopia e cultivadas no generoso solo brasileiro.
Isso se dá precisamente na perspectiva do atual programa, aprovado no nosso 12º Congresso, que afirma em seu preâmbulo sábio ensinamento que alerta quanto aos retrocessos, caso as deformações e dilemas históricos não sejam tratados com a velocidade requerida num momento privilegiado:
“O PCdoB está convicto de que, no transcorrer das primeiras décadas do século 21, o Brasil tem condições para se tornar uma das nações mais fortes e influentes do mundo. Um país soberano, democrático, socialmente avançado e integrado com seus vizinhos sul e latino-americanos.
Ao longo de mais de cinco séculos, apesar das adversidades, o povo brasileiro construiu uma grande Nação. Todavia, o processo conflituoso de sua construção trouxe para sua realidade presente um conjunto de problemas ao qual a atual geração de brasileiros está chamada a solucionar. As deformações e dilemas acumulados ao longo da história, se não forem superados com rapidez, poderão conduzir o país a retrocessos”.
E, ao concluir reafirmando nossa perspectiva revolucionária alicerçada na energia acumulada e na luta do povo brasileiro, exorta a uma jornada libertária à realização dos mais elevados objetivos estratégicos:
“Esta é a proposta deste Programa Socialista para o Brasil. Esta é a mensagem de esperança e luta do PCdoB ao povo e aos trabalhadores, aos seus aliados, e a todos os brasileiros compromissados com o país e com o progresso social. Os comunistas alicerçados na força e na luta do povo estão chamados a construir um PCdoB forte à altura dos desafios desta grande causa.
É hora de forjar, no curso da luta, uma ampla aliança nacional, democrática e popular que impulsione a jornada libertária para que o mais breve possível, neste século XXI, o Brasil se torne uma nação livre, plenamente soberana, forte e influente no mundo, justa e generosa com seus filhos e solidária com os povos do mundo”.
Sua assimilação é nosso patrimônio mais precioso e inelutável nesta jornada atual, vívida e pulsante na pujante festa dos 90 anos.
Luiz Carlos Antero é sociólogo, jornalista, escritor, membro da Equipe de Pautas Especiais do Portal Vermelho, assessor parlamentar no Senado Federal, filiado ao Partido Comunista do Brasil em 1969.