O papel central desempenhado pelos comunistas na luta contra o nazifascismo no Brasil e no mundo atraiu a simpatia de parcelas significativas da intelectualidade brasileira. O prestígio da URSS e de Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, estava no seu auge. A partir de meados da década de 1930 artistas e intelectuais começaram a acorrer em massa ao Partido, que representava as aspirações mais avançadas da humanidade.

Mesmo durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) os comunistas mantiveram sob sua direção algumas publicações importantes que dedicavam grande espaço ao problema da cultura nacional. A revista Seiva, lançada na Bahia em 1938, foi uma das primeiras publicações de esquerda criadas após o Golpe de Estado de Vargas.

Foi criação dos jovens comunistas João Falcão, Rui Facó, Armênio Guedes, Diógenes Arruda e Jacob Gorender. Nela, por exemplo, foi publicada a “Mensagem à inteligência da América” que convocava “todos os intelectuais do continente para união e a confraternização em defesa da cultura e do progresso da humanidade”, contra o fascismo. Naquele estado nordestino existia a seção mais ativa do PC do Brasil, pois a repressão havia atingido duramente o Partido no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.

Contudo, a revista baiana foi fechada em 1943, após a publicação de uma entrevista com o general antifascista Manoel Rabelo, presidente da Sociedade Amigos da América, na qual criticou duramente o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas.

Acusava-o de se preocupar mais com os comunistas do que com os nazifascistas, com os quais estávamos em guerra. Criticava também o atraso no processo de constituição da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Não podendo prender o prestigiado oficial, o governo colocou na cadeia os editores e jornalistas de Seiva, João Falcão, Wilson Falcão e Jacob Gorender.

A principal publicação comunista a circular no final do Estado Novo foi a Continental, dirigida por Armênio Guedes e na qual colaboravam Milton Caires de Brito, Rui Facó, Mário Alves, Maurício Grabois, Edison Carneiro, entre outros.

Depois de 1943 ela passou a ser o porta-voz oficioso da Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP) do PC do Brasil, defendendo sua política de “União Nacional” e de “pacificação da família brasileira”, como condição para se enfrentar com sucesso a guerra contra as potências nazifascistas. Apesar de sua postura pró-Vargas, a revista acabou sendo fechada em 1944, na última grande investida repressiva do Estado Novo contra o Partido Comunista.

A Associação Brasileira de Escritores (ABDE) foi criada em 1942 por intelectuais progressistas. Em pouco tempo, os comunistas tornaram-se majoritários na direção da entidade. Eles também se envolveram na criação da União dos Trabalhadores Intelectuais (UTI), da qual participavam todas as categorias – assalariadas ou não – ligadas ao trabalho não-manual, como médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, escritores, artistas etc. O objetivo era aumentar a participação destes setores no processo de democratização que vivia o país nos estertores do Estado Novo.

Visando a divulgar suas ideias, o Partido Comunista construiu uma ampla rede de informação que abarcava oito jornais diários nos principais estados brasileiros: Tribuna Popular (RJ), Hoje (SP), O Momento (BA), Folha do Povo (PE); O Democrata (CE) e Tribuna Gaúcha (RS); O Estado de Goiás (GO) e Folha Capixaba (ES).

Para alimentar esses inúmeros órgãos de imprensa, criou-se uma agência de notícias própria: a Interpress. Ela também distribuía informações para pequenos jornais do interior, que não eram ligados aos comunistas.

O principal jornal comunista era, sem dúvida, Tribuna Popular, que possuía uma tiragem de 30 mil exemplares e chegou a atingir no seu auge, em 1946, cerca de 50 mil exemplares diariamente, igualando-se aos jornais mais vendidos no período. Ressurgiu também o tradicional jornal A Classe Operária, órgão oficial do Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil.

No cenário cultural brasileiro cumpriram um importante papel as revistas: Fundamentos, de cultura moderna, Paratodos, Horizonte e Literatura – esta última dirigida pelo veterano dirigente Astrojildo Pereira. Todas hegemonizadas por artistas e intelectuais comunistas. Existiam também outras revistas regionais, como Artes Plásticas, Temário, Seara, Presença. O PCB publicava ainda Momento Feminino, Terra Livre, Emancipação, Divulgação Marxista, Revista do Povo.

Entre 1944 e 1947 os comunistas retomaram uma atividade editorial intensa e sistemática. Leôncio Basbaum foi encarregado de organizar uma editora. Nascia, assim, o Editorial Vitória que desempenharia um importante papel nas décadas de 1940 e 1950, colaborando para a construção de uma cultura socialista entre nós.

Logo nos primeiros anos, publicou Contos de Natal de Dickens; A mãe de Máximo Gorki; entre outros títulos importantes. Nos anos 1950 lançou a coleção Romances do Povo, da qual a coordenação coube a Jorge Amado. Parte significativa das obras editadas era de autores soviéticos. Entre os brasileiros o destaque coube ao livro A hora próxima de Alina Paim, que vendeu os 10 mil exemplares da primeira edição.

Em 1947 a direção nacional do PCB colocou em circulação a revista teórica Problemas. Sua tiragem chegou a oito mil exemplares. Ela também se caracterizou nesses anos pela pouca atenção dada ao Brasil e pelo excesso de artigos de autores comunistas estrangeiros, especialmente soviéticos e do Leste europeu. A publicação resistiu até meados da década de 1950.

Este foi, sem dúvida, o período de maior influência dos comunistas entre os intelectuais brasileiros. O PCB adotou uma política cultural ampla e não sectária. Em 1946, os comunistas Pedro Pomar e Jorge Amado publicaram O Partido Comunista e a liberdade de criação, uma coletânea de artigos e discursos. Nela, Jorge Amado escreveu: “O PC do Brasil pode se orgulhar de ter tido nos últimos 15 anos (…) o melhor apoio e incentivo dos escritores e artistas”.

E continuou: “Nunca, jamais, o Partido deixou de jogar todo o peso de sua influência para apoiar, sem sectarismos partidários, a literatura e as artes modernas no Brasil (…). Jogamos na batalha pela sua vitória porque sabíamos que esta era uma batalha nossa, uma batalha também contra o fascismo”.

Pedro Pomar, por sua vez, afirmou: “nosso partido surge na vida de nossa Pátria como a expressão das forças mais jovens da liberdade e da cultura e para as quais dirigem-se a ciência, a literatura e a arte de vanguarda, no constante combate que trava para o progresso e o aperfeiçoamento da civilização”. Este amor pela arte e a cultura modernas não se estendia às correntes abstratas e formalistas, combatidas duramente pelos comunistas.

Seguindo nesta trilha, o jornal Tribuna Popular trazia uma concorrida seção cultural semanal de três páginas. Nela se publicavam autores não-filiados, mas que, segundo os editores, “divergiam honestamente dos comunistas”.

Entre estes se encontravam Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Orígenes Lessa. Eram também publicados textos de escritores assumidamente comunistas, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Astrojildo Pereira.

O nome do poeta Carlos Drummond de Andrade constou entre os seus primeiros diretores – função da qual se afastou logo em seguida, por não concordar com a posição dos comunistas contrária à derrubada de Vargas. Drummond defendeu a candidatura presidencial do Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). Mas, para o senado, votou em Prestes.

O escritor Monteiro Lobato também se aproximou do Partido. Enviou uma saudação a Prestes no comício apoteótico realizado no Anhangabaú, em 1945, e publicou um folheto simpático ao “Cavaleiro da Esperança”, intitulado Zé Brasil. Neste pouco tempo de legalidade, vários intelectuais foram candidatos pelo Partido Comunista. Entre eles, Cândido Portinari, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Caio Prado Jr. etc. Prestes convidou Carlos Drummond de Andrade para compor a lista de candidatos comunistas, mas ele recusou. A mesma coisa aconteceu com o escritor Monteiro Lobato.

Os artistas plásticos ilustravam jornais, revistas e outras publicações e colaboravam ativamente nas campanhas eleitorais. Passaram por essa experiência nomes como Di Cavalcanti, Carlos Scliar, Mário Gruber, Clóvis Graciano, Paulo Werneck e Edíria Carneiro. Organizaram clubes de gravuras por todo o país e montavam exposições de artistas vinculados ao Partido Comunista, como a ocorrida em 1945. Desta fizeram parte Portinari, Pancetti, Santa Rosa, Bonadei etc.

A revista comunista Literatura, do primeiro semestre de 1947, foi dedicada ao centenário do poeta Castro Alves. Este número publicou um manifesto da intelectualidade brasileira que afirmava: “Sem dúvida, a melhor forma de comemorar o centenário de Castro Alves consiste em reafirmar a fé patriótica que emerge do conteúdo da sua obra patriótica e democrática que emerge do conteúdo de sua obra como programa permanente de pensamento e ação ao serviço do povo”. Este foi o manifesto mais expressivo que a intelectualidade brasileira já havia produzido até então.

Dela eram assinantes cerca de 300 intelectuais, entre os quais, Afonso Arinos de Mello Franco, Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr., Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Otto Maria Carpeaux, Cândido Portinari, Hélio Peregrino, Sérgio Milliet, José Lins do Rego, Eneida, Prado Kelly. Este também foi o último documento da frente única cultural criada no final do Estado Novo.

Os comunistas chegaram a ingressar no complexo mundo das artes cinematográficas e produziram diversos documentários de curtas-metragens sobre as atividades do Partido. Ruy Santos criou uma empresa chamada Liberdade Filmes. Esta produziu Comício – São Paulo a Luiz Carlos Prestes e 24 anos de luta, ambos dirigidos e fotografados pelo próprio Ruy Santos.

O último deles tinha roteiro de Astrojido Pereira, era narrado por Amarílio Vasconcelos e musicado por Gustav Mahler. Dele constavam depoimentos de Astrojildo, fundador do PCB, do escritor Jorge Amado e de outros comunistas históricos. Infelizmente a única cópia conhecida deste filme foi apreendida durante o governo Dutra e se encontra desaparecida.

Nelson Pereira dos Santos, então jovem militante, dirigiu dois documentários: Juventude e Atividades Políticas em São Paulo. Os comunistas chegaram a produzir filmes de longa-metragem como Estrela da Manhã (1950) – com argumento de Jorge Amado, roteiro de Ruy Santos e direção de Jonald Santos, e músicas do maestro Radamés Gnattali e Dorival Caymmi. Envolveram-se até mesmo numa coprodução com a República Democrática Alemã intitulada Rosa dos Ventos, baseada num texto de Jorge Amado.

Os comunistas foram os principais animadores do movimento cineclubista. No Clube de Cinema da Bahia, dirigido por Walter da Silveira, se formaram diretores como Glauber Rocha. Chegaram até a organizar uma empresa para distribuir filmes, a Tabajara Filmes.

Esta situação foi sensivelmente alterada com o fechamento do Partido (1947), a cassação dos mandatos parlamentares (1948) e o acirramento da guerra fria no início dos anos 1950. A política cultural do PCB se tornou mais estreita, acompanhando a linha do Manifesto de Agosto de Prestes, publicado em 1950.

O crescimento desse sectarismo no Brasil coincidiu com o predomínio das ideias de Jdanov na política cultural soviética, que buscavam estabelecer um modelo artístico rígido e único: o realismo socialista. Tivemos, então, o afastamento gradual de inúmeros intelectuais e artistas brasileiros do campo de influência comunista. Isso ocorreu com Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo, Otto Maria Carpeaux. Álvaro Lins, Alceu Amoroso Lima, entre outros.

Um dos marcos desse dramático processo de cisão ocorreu durante a reunião que elegeria a nova direção da Associação Brasileira de Escritores, realizada em março de 1949. Surgiram, pela primeira vez, duas chapas: uma apoiada pelos comunistas e outra pelos setores liberal-democráticos.

Desta última, participavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos de Melo Franco, Otto Maria Carpeaux, entre outros – grande parte deles havia assinado o manifesto de 1947 e apoiado candidatos comunistas.

Os participantes chegaram a entrar em confronto físico pela ata da reunião. Carlos Drummond acabou sendo agredido durante a escaramuça. Os comunistas ganharam a eleição, mas a entidade se esvaziou, perdeu seu caráter plural e unitário – de frente única cultural. Levariam alguns anos para que o mal fosse remediado.

Intelectuais paulistas não-comunistas, como Antônio Cândido e Sérgio Milliet, passaram a ser tachados pela revista Fundamentos de “escória cultural da terra, em que pontificam tarados, renegados, lumpens e até mesmo alguns retardados mentais”. Um artigo emblemático desta fase foi o de Osvaldo Peralva, intitulado “Os intelectuais que traíram o povo”, publicado na revista Paratodos. Sobre Manuel Bandeira ele afirmou: “anticomunista raivoso, para quem a lealdade jamais constituiu uma pedra no meio do caminho”.

O crítico comunista Emílio Carrera Guerra, referindo-se ao grande poeta, escreveu: “Essa doença que lhes faz ver tudo negro, num mundo de problemas e contradições sem saída, é próprio de sua gente, da classe podre, arcaica, degenerada e moribunda”.

Magoado com as atitudes dos comunistas contra ele, desabafou o poeta Manuel Bandeira: “Houve um tempo em que vi com bons olhos os nossos comunistas (…). O episódio da ABDE me abriu os olhos. Hoje sou insultado por eles ao mesmo tempo em que sou tido como comunista por muita gente”.

Drummond escreveu em seu diário: “eles pouco entendiam o nosso ponto de vista (…). A ideia de uma associação de escritores livres, sem direção sectária, parece inconcebível para eles, que, em vez de convivência pacífica, preferem assumir o domínio pleno da organização”.

A crise se agravou ainda mais em 1956, quando no XX Congresso do PCUS Kruschev apresentou seu relatório secreto denunciando os crimes de Stálin. Este teve um impacto devastador sobre parcelas da intelectualidade partidária.

O próprio Jorge Amado escreveu no jornal Imprensa Popular: “Sinto a lama e o sangue em torno de mim”. Vários intelectuais abandonaram o Partido ou dele foram afastados. Uns, como Osvaldo Peralva, passaram por uma fase marcadamente anticomunista.

No início da década de 1960 começou a se forjar uma nova frente única de intelectuais progressistas. Desta vez em torno do projeto nacional-reformista, que teve como um dos seus principais momentos a luta pelas reformas de base durante o governo de João Goulart.

Na ocasião formou-se o Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI) que, ao lado da CGT e da UNE, buscava vanguarderar a formação de uma frente nacionalista pró-reformas. Esta foi a época áurea do teatro de Arena, do CPC da UNE, da série Cadernos do Povo Brasileiro e Violão de Rua, da editora Civilização Brasileira, comandada por Ênio da Silveira. Estes foram marcos desta efervescência cultural existente no país às vésperas do golpe militar de 1964.

No entanto, naquele momento, o movimento comunista estava em meio a um processo de cisão. O Brasil passou a ter, desde 1962, dois partidos comunistas: o PC Brasileiro (PCB) e o PC do Brasil (PCdoB). A maior parte dos artistas e intelectuais optou pelo PC Brasileiro.

Esta agremiação, com forte viés reformista, se tornou hegemônica nos meios culturais brasileiros durante a década de 1960. Os desdobramentos do golpe, as repetidas cisões e as derrotas políticas sofridas, levariam que o PC Brasileiro também fosse perdendo gradualmente o seu espaço junto ao mundo cultural para outros movimentos e organizações, como o PT. Esta, no entanto, já é outra história.

Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e membro do Comitê Central do PCdoB.

Bibliografia

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