Ustra cai em contradição
O Estado ditatorial tinha “informado” (na verdade escamoteado a informação correta) que Merlino morreu atropelado quando tentava fugir . Mas há provas testemunhais segundo as quais o jornalista foi assassinado nas dependências do DOI-Codi de São Paulo, dirigido por Brilhante Ustra.
O responsável pela unidade militar da repressão está pedindo ao Exército documentos que, segundo ele, informariam que no dia de julho de 1971 em que foi assassinado o jornalista Merlino, ele (Ustra) estava em Porto Alegre. Ustra quer se livrar da acusação de responsabilidade no triste episódio e evitar que seja obrigado a pagar a indenização à família Merlino.
Ustra é denunciado por Claudio Guerra no livro Memórias de uma guerra suja, como um dos principais agentes do Estado brasileiro no esquema da repressão. O ex-delegado Guerra, depois de ter aderido à Igreja Evangélica, admitiu ter matado opositores da ditadura, até mesmo levando seus corpos para o forno de uma usina de açucar em Campos.
Pois é, os militares que participaram diretamente da repressão, como este Coronel do DOI-Codi, estão sendo contraditórios. Se por um lado se alega que os documentos da ditadura não existem mais, teriam sido queimados, como Ustra pede informações do Exército para dizer onde andava no tal dia do covarde assassinato testemunhado por outros presos políticos?
Isto é, se o militar acusado de ser torturador e assassino tenta se valer de documentos da época, o seu procedimento remete à questão da abertura dos documentos do período da ditadura. O próprio pedido de Ustra ao Exército, mesmo que seja dissimulado, como é capaz esta gente de fazer, demonstra que os arquivos existem. Precisam ser abertos imediatamente.
Ustra nunca conseguiu demonstrar que não tem culpa no cartório pelas atrocidades cometidas contra opositores do regime ditatorial no DOI-Codi de São Paulo. Se vale da Lei da Anistia para seguir impune, quando crimes do tipo que é acusado são considerados em todo mundo imprescritíveis.
Uma pergunta que não quer calar: onde estão os arquivos que podem esclarecer fatos relacionados com o período da ditadura e muito ajudariam à Comissão da Verdade virar definitivamente a página hedionda da história brasileira?
*Trecho extraído de sua coluna no site Direto da Redação. Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes – Fantástico/IBOPE
Fonte: Portal Direto da Redação