Assim liquidaram o Molipo
A queda do Molipo (Movimento de Libertação Popular), também chamado de Grupo da Ilha ou Grupo dos 28, teria se iniciado com a prisão, em Pindorama (à época Goiás, hoje Tocantins), do médico, treinado em Cuba, Boanerges de Souza Massa. É o que aponta documento obtido no Arquivo Nacional pelo Jornal Opção.
O militante da organização [Boanerges de Souza Massa], uma dissidência da Ação Libertadora Nacional (ALN), criada por Carlos Marighella, morto em 4 de novembro de 1969, foi preso com duas carteiras de identidade. Uma com o nome de Julio Martins. Outra sob o registro de Moisés de Leôncio Braga.
“Ele foi conduzido à Brasília e logo em seus primeiros interrogatórios confirmou a presença de terroristas vindos de Cuba. (…) Eram 6 terroristas”, informa. Logo depois, relata o informante, “Rui Carlos Vieira Berbert acabou preso em Natividade”. Ele morreu dois dias depois.
“Outro terrorista, Jeová de Assis Gomes, acabou localizado em um campo de futebol, em Guaraí”. Ele também morreu. De uma fazenda localizada na região do Rio Lages, entre Araguaína e Wanderlândia, conseguiram escapar Sérgio Capozzi, Jane Vanini e Otávio Ângelo, registra o relatório.
“O sítio fora comprado por um contrato particular por Jeová de Assis Gomes para servir de base ao grupo terrorista que passou a atuar na região”. O documento diz que Boanerges de Souza Massa e Rui Berbert atuariam em Dianópolis, Almas, Natividade, Ponte Alta e Pindorama.
Já as intervenções de Jeová de Assis Gomes, Jane Vanini e Sérgio Capozzi, trio do Molipo deslocado para deflagrar a guerrilha rural,projeto original da ALN e de Carlo Marighella, seriam em Guaraí, Nova Olinda, Araguaína, Wanderlândia, Carolina do Norte e Balsas(MA).
“A morte de Carlos Eduardo Pires Fleury, cortando o apoio da cidade, a dificuldade de conseguir a legalização dos seus componentes, a desconfiança da população, a malária que afetou dois militantes Rui Berbert e Sérgio Capozzi, marginalizaram o grupo”, registra o documento.
Monitoramento
Os órgãos de segurança nacional e de repressão política monitoravam o Movimento de Libertação Popular (Molipo), uma dissidência da Ação Libertadora Nacional (ALN), desde Cuba. É o que aponta documento do Arquivo Nacional obtido com exclusividade pelo Jornal Opção.
O relatório confidencial mostra que ela já sabia da criação do Molipo, em 1970, em Havana, além dos retornos ao Brasil de Aylton Adalberto Mortati, Antônio Benetazzo, Arno Preiss, Boanerges de Souza Massa, Flávio Molina, Francisco José de Oliveira, João Carlos Cavalcante.
Mais: teria retornado à pátria ainda José Dirceu de Oliveira e Silva, ex-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, José Roberto Arantes de Almeida, Lauriberto Reyes, Márcio Beck Machado, Maria Augusta Thomaz, Rui Berbert Vieira, além de Natanael de Moura Girardi.
O informe reservado relata que também estariam prestes a retornar Ana de Cerqueira César Corbisier, Ana Maria Palmeira, Frederico Eduardo Mayr, Itobi Alves Correa, João Leonardo da Silva Rocha, João Zeferino da Silva, assim como Vinícius Medeiros Caldevilla.
Os arapongas registram que foram incorporados ao Molipo no País os militantes André Tsutomu Ota, Artur Machado Scavone, José Carlos Gianini, Pedro Rocha Filho, Silvia Peroba Carneiro Pontes. Hiroaki Torigoe, Francisco José de Oliveira e José Roberto Arantes aparecem na relação de mortos.
Sem curso
Detalhado, o dossiê sobre a organização de esquerda destaca que os seguintes militantes não teriam feito curso de guerrilha na ilha dos irmãos Castro: Sérgio Capozzi, Jane Vanini, Otávio Ângelo. Os órgãos de segurança registraram as prisões de José Carlos Gianini e de Pedro Rocha Filho.
O informe confidencial R0046073, cujo título é “Atividades subversivas do Molipo — Localização de subversivos nos municípios goianos de Jataí e Rio Verde” mostra que a execução dos militantes Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado era uma missão oficial dos órgãos de repressão.
“Em 16 de maio de 1973, agentes de segurança de São Paulo, Brasília — e de Goiás —ravaram tiroteio com terroristas da (sic) Molipo, na Fazenda Rio Doce, em Rio Verde. Em ação posterior, o DPF (GO) — cujo diretor regional era Marcus Antonio de Brito Fleury — prendeu Gilberto Menezes(GM).
“No depoimento, Irineu Luiz de Moraes destaca que o interesse do grupo subversivo era adquirir ou arrendar terras no sudoeste goiano para a implantação de guerrilha”. Tempos depois, Irineu Luiz de Moraes identificaria Marcus Fleury como um dos homens da caçada de Rio Verde, em 17 de maio de 1973.
O documento diz que o militante Paulo Miguel Novais afirmou que a ideia básica sua e de Gabriel Prado Mendes e de Irineu Luiz de Moraes era de criar um partido, em “termos de classe operária e de classe média,além de grupos de apoio à guerrilha rural”.
“Preconizava táticas para uma região estratégica, onde o Estado de Goiás seria a àrea estratégica: Goiânia, Anápolis, zonas táticas. As quais, além de permitirem o recuo das colunas móveis, forneceriam todos os apoios necessários às forças”. Não custa lembrar: sob inspiração de Régis Debray e de Marighella.
O sonho do Molipo, porém, acabou no cemitério. O documento não cita a morte de Arno Preiss, na região Centro-Oeste, em 1972. Aylton Adalberto Mortati, José Roberto Arantes e Francisco José de Oliveira morreram em 1971. Flávio Molina também acabou preso e morto. Hiroaki Torigoe é assassinado em 1972.
Fim do sonho
Em 23 de fevereiro de 1972 cai Frederico Eduardo Mayr. No dia 27, Alexander José Ibsen Voeroes e Lauriberto José Reyes. Em 27 de outubro, Antonio Benetazzo. Em 30 de outubro, morre João Carlos Cavalcante Reis. João Leonardo é fuzilado no Nordeste: 1974. Mesmo ano em que morre Jane Vanini, no Chile.
Renato Dias, jornalista e sociólogo, é jornalista e autor de “Luta Armada/ALN-Molipo As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz”.
Fonte: Núcleo Memória