Arlindo Augusto dos Santos Porto, naquele dia chuvoso e quente de maio de 1964, acordou cedo, com a aurora, em sua casa na Rua Alexandre Amorim, nas cercanias do Quartel do 27º Batalhão de Caçadores, onde morava com a mulher Guilhermina e quatro filhos pequenos.

Durante longo tempo, a mesma casa servira de residência a dona Balbina Mestrinho, sua sogra e mãe de Gilberto Mestrinho, que havia governado o Estado recentemente, de março de 1959 a março de 1963.

Tomou uma xícara de café preto, simples e forte, que ele mesmo preparou, e leu os principais diários da cidade – O Jornal e o Jornal do Commercio –, que já louvavam sem o menor pudor o Golpe Militar de 64, com manchetes exageradas que anunciavam a prisão de vários líderes de esquerda no Amazonas.

Seguiam a linha adotada pela grande imprensa brasileira, que defendia o movimento militar, tratando-o em suas páginas como Revolução de Março, que acabara de vencer a ameaça comunista, representada pelo governo deposto do presidente João Goulart e seu projeto de instalar no Brasil uma ‘república sindicalista’, segundo o discurso da direita radical.

Arlindo Porto, como ficou conhecido pela vida afora, exercia na ocasião o mandato de deputado estadual. Fora mais uma vez eleito em 1962 pelo Partido Trabalhista Brasileiro – o PTB, que dominava o cenário político local.

Já tinha desempenhado as funções de líder parlamentar da maioria, como então se chamava a liderança do governo, e exerceu a presidência da Assembléia, em função da qual assumiu o governo do Estado em várias oportunidades, como substituto interino do titular.

Naquela manhã de mormaço pesado andava cheio de maus presságios. De banho tomado, vestido com o ‘slack’ de linho HJ que gostava de usar, foi ao quarto de sua mulher e beijou-lhe a face suavemente, fazendo o mesmo com os filhos, que ainda dormiam a sono solto.

Saiu e foi ao encontro de Renato de Souza Pinto, amigo dos mais próximos, que também era deputado estadual, representante da mesma legenda do PTB no parlamento estadual.

Foram juntos à redação de O Jornal e Diário da Tarde, na Avenida Eduardo Ribeiro, e inteiraram-se dos últimos acontecimentos, com informações jornalísticas que chegavam a todo momento e de todo o País, oriundas das mais diversas agências de notícias que vinham cobrindo a marcha do golpe militar.

Ficaram um pouco de plantão naquele ambiente, a propósito, muito familiar a Arlindo, que começou a vida profissional e cresceu na velha escola do jornalismo amazonense.

Muitas prisões continuavam sendo divulgadas e inúmeros inquéritos eram instaurados pela famigerada Comissão Geral de Investigação – CGI, que, de forma sumária e inapelável, condenava quem lhe caísse nas malhas. No Amazonas, com a criação da Sub-CGI, como nos demais Estados, não seria diferente.

Arlindo e Renato almoçaram ali perto, no Bar Avenida, do italiano Meneghini, na esquina da Rua Saldanha Marinho, onde hoje há uma agência de banco. Naquela época, em Manaus, tudo era sempre muito perto.

Em seguida, ainda bastante apreensivos e tensos, subiram a Eduardo Ribeiro a caminho da Assembleia, que funcionava no andar superior do Instituto de Educação do Amazonas – IEA, na Praça do Congresso.

O clima já se tornara irrespirável, quando ambos, do janelão central do prédio que dava para a escadaria de entrada, viram sair o deputado-relator do processo de cassação de Arlindo da residência oficial do general-comandante do Exército no Estado, que ficava na mesma praça.

Tinha-se, assim, no início da tarde, o sinal de que a decisão usurpatória já estava tomada, inclusive, com o assentimento ou participação do governador Plínio Coelho, que dispunha de maioria na Assembleia, presidida por Afremom Monteiro, homem de sua mais absoluta confiança, que não dava um passo sequer sem consultá-lo. Além do mais, sabia-se que Plínio cortejava os militares a fim de manter-se no cargo, uma tentativa que mais tarde se mostraria infrutífera.

Iniciada a sessão legislativa e posto o processo em votação, Arlindo foi cassado. Contra a medida, votaram apenas três deputados: Francisco Guedes de Queiróz, Ruy Araújo e Abdala Sahdo.

Bernardo Cabral, que também era deputado estadual, não esteve presente ao ato, pois jamais testemunharia o que considerava uma imperdoável infâmia parlamentar, e Renato de Souza Pinto retirou-se sob protesto da sessão, juntamente com o próprio Arlindo, para não presenciarem o final da votação.

Foi o único caso em todo o Brasil de um deputado estadual cassado por sua própria assembleia, inclusive, contra enunciado da Comissão Geral de Investigações, que pretendia chamar para si a exclusividade dos atos castratórios.

Arlindo e Renato dirigiram-se ao sítio do médico Alberto Carreira, proprietário de uma rede de cinemas, que incluía o Odeon, o Polytheama e o Eden.

Um ‘banho’, como se dizia antigamente, chamado Cassilândia, recanto confortável e encantador, que ficava no início da Estrada Manaus-Itacoatiara, nas imediações do Aero Clube, e de lá ficaram acompanhando o desenrolar dos fatos, com um rádio portátil, novidade que acabara de chegar a Manaus.

Ao voltar para casa, já à noitinha, Arlindo foi preso por uma patrulha do Exército.

Fonte: Portal D24am