A tortura, para os que a justificam, sempre se remete à dialética entre meios e fins. Gillo Pentecorvo, em seu filme de 1966 A Batalha da Argélia, introduz uma cena reveladora sobre a questão: o general francês Mathieu ( no filme assim é apresentado o general Massú, chefe da repressão aos nacionalistas argelinos) , convocou uma entrevista com jornalistas os quais logo lhe perguntam se era verdade que os militares franceses torturavam prisioneiros. Muito tranquilo Mathieu respondeu: “Senhores, o tema não é a tortura.

O tema é se queremos que a França saia ou não da Argélia. Se vocês desejam que a França permaneça no país, não me perguntem pelos meios que emprego para conseguir este fim”. Além da resposta do militar francês, o notável na entrevista foi que nenhum jornalista presente se atreveu a retrucar. Assim, Mathieu conseguiu atingir seu objetivo: justificar os meios através dos fins.

Com o mesmo tipo de dialética, alguns defensores do golpe cívico-militar de 64 (que chamam de Movimento ou de Revolução) e da tortura, tentam justificar aqueles dois trágicos acontecimentos na história da nação e afirmam que o fato importante sucedido naquela época não foi a tortura, mas sim o combate à guerrilha, à subversão, à ameaça comunista, à família, à propriedade, à liberdade.

A verdade é que o tema a ser relembrado é sim, a tortura. O tema absoluto e definitivo é que a tortura não pode ser o meio válido para se obter nada. Isto porque, tudo o que se consegue através dela nasce com o estigma da destruição física e moral do ser humano.

Na Argentina, por exemplo, no ano de 1976, em plena via pública,foi assassinado por agentes da junta militar o jornalista Rodolfo Walsh o qual tinha dado publicidade a uma carta dirigida aos militares golpistas, na qual, entre outras afirmações, dizia: “Mediante sucessivas concessões à suposição de que o fim de exterminar a guerrilha justifica todos os meios que utilizam, vocês chegaram à tortura absoluta, intemporal, metafísica na medida em que o fim original de obter informações se perde nas mentes perturbadas dos que a praticam para ceder ao impulso de machucar a substância humana até quebrá-la e fazê-la perder a dignidade que o verdugo já perdeu e quem o comanda também”.

Walsh , ao comentar a relação torturador–torturado chegou à conclusão que ambos se fundem na abjeção, na desumanidade já que a tortura provoca a perda da dignidade do torturado quando este cede, fala, delata e assim trai seus amigos, enquanto que o torturador assume a figura do artesão da dor instrumental, da vexação, da perda de qualquer escrúpulo humano.

Enfim, humildemente, peço perdão a alguns ex-torturados e aos familiares de outros assassinados por lembrá-los de fatos tão desagradáveis, mas, creio, ainda tempestivamente necessários. E aos torturadores espero que a desmemória não os perdoe.

Fonte: Sul21