Capítulos da história da Ação Popular (1ª PARTE)
Capítulos da História da Ação Popular (2ª Parte)
Capítulos da História da Ação Popular (3ª Parte)
Em 2013 se comemorou os 50 anos do congresso de fundação da Ação Popular (AP) e os 40 anos de sua incorporação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ela teve importante papel na história da esquerda brasileira desde o período anterior ao golpe militar de 1964. Sua trajetória é bastante original, embora não única na América Latina. Nascida, fundamentalmente, pelas mãos de jovens cristãos socialistas – que procuravam um caminho alternativo entre o comunismo de tipo soviético e o capitalismo –, em pouco tempo transformou-se numa organização revolucionária de caráter marxista-leninista. Este ensaio, publicado originalmente como encarte na revista Princípios, é composto de três partes. Nesta primeira parte trataremos das origens da organização até o golpe militar.
Um mundo, um país e uma igreja em ebulição
Para entender o surgimento de uma entidade como a Ação Popular é preciso ter em conta a situação que vivia o mundo, o Brasil e a igreja católica. Desde o final da Segunda Guerra Mundial o nosso planeta assistiu a um processo de expansão do socialismo e das lutas de libertação nacional na Ásia, África e América Latina. Dois grandes acontecimentos alimentariam as esperanças de milhões de homens e mulheres da periferia do sistema capitalista: a Revolução Chinesa (1949) e a Revolução Cubana (1959). Além, é claro, da derrota estadunidense na Coreia e a do imperialismo francês no Vietnã, que teve como símbolo a batalha Diem Biem Phu, ocorrida em 1954. O chamado terceiro mundo vivia um período de efervescência.
A própria igreja católica procurou uma nova inserção num mundo em rápida transformação. É nesta conjuntura que se encaixava o pontificado progressista do Papa João XXIII (1958-1963) e o Concílio Vaticano II (1963-1965). Intelectuais católicos – como Jacques Maritain, Emmanuel Mounier, Pierre Teilhard de Chardin – criticavam abertamente o capitalismo por seu caráter desumano e procuravam uma terceira via, nem capitalista nem comunista para a humanidade. Advogavam um socialismo democrático, humanista e cristão. Se o ranço anticomunista da hierarquia católica não foi eliminado naqueles anos, pelo menos foi amenizado. Agora, falava-se num possível diálogo entre o Leste e o Oeste.
O filósofo cristão Emmanuel Mounier, por exemplo, chegou a escrever: “os sinais não enganam: a morte se aproxima; não a morte do cristianismo, mas a morte da cristandade ocidental, feudal e burguesa. Mais cedo ou mais tarde há de renascer uma nova cristandade, de novas camadas sociais e de novos enxertos extraeuropeus; mas não devemos asfixiá-las, sob o cadáver da outra”.
Por sua vez, o Brasil vivia em plena era JK, marcada pelo crescimento econômico e certa expansão da democracia. Os dirigentes comunistas, pela primeira vez desde 1948, tinham suas prisões preventivas revogadas e podiam sair da clandestinidade. Contudo, as vicissitudes de um processo de desenvolvimento, que mantinha a dependência externa e a estrutura agrária atrasada, levaram ao surgimento de um forte movimento de caráter nacionalista e reformista, apoiado por comunistas e trabalhistas, do qual participavam empresários, militares, sindicalistas e estudantes. A ideologia que cimentava este bloco social era o nacional-desenvolvimentismo em seus diversos matizes. Este movimento, com todas as suas contradições, atingiu seu auge no governo de João Goulart (1961-1964).
Tudo isso impactou fortemente a base da igreja católica brasileira, especialmente os setores mais jovens. A Juventude Universitária Católica (JUC) começou a se estruturar nacionalmente no início da década de 1950. Ela havia nascido como braço estudantil da Ação Católica (AC), que procurava organizar os leigos sob um forte controle da alta hierarquia da igreja católica. Desde as suas origens, ela havia se caracterizado pelo seu reacionarismo e anticomunismo.
Assim, a JUC, nos seus primórdios, foi uma correia de transmissão do conservadorismo católico dentro das universidades. Defendia o afastamento dos estudantes das coisas mundanas, inclusive da política. O objetivo principal era formar uma elite acadêmica e intelectual católica que se contrapusesse às ideias modernas – consideradas não-cristãs – que se espalhavam pelo mundo. No transcorrer da década de 1950 essas concepções mais retrógradas perderam força no interior da igreja e se refugiaram em guetos, como o grupo arquirreacionário Tradição, Família e Propriedade (TFP). Diante desse quadro alvissareiro, muitos cristãos progressistas se iludiram em relação ao potencial transformador da igreja enquanto instituição.
O documento sobre os 10 anos da JUC, intitulado Diretrizes mínimas para o ideal histórico do povo brasileiro, aprovado em 1960, dá conta das mudanças que haviam ocorrido na igreja católica e já sinalizava para os seus limites. Dizia o texto: “nós sabemos que existe uma Providência que governa a História, mas talvez tenhamos ignorado que esta Providência quer que sejamos nós os executores de sua vontade”. E continuava: “A própria condição histórica que atravessamos parece-nos situar a tônica da realidade numa inserção no social, na encarnação total no temporal presente, o que poderia inclinar-nos talvez a pensar em uma insistência maior na ação sobre as estruturas”. Era um convite ao engajamento no sentido de alterar as estruturas causadoras de injustiças sociais.
Num de seus boletins, a JUC procurou deixar claro qual seria a sua nova missão: “No nosso papel de leigo, vanguarda da Igreja atuando no primeiro front – nós que abrimos trincheiras –, é imperioso que nos arrisquemos. O risco é um dado dos cristãos. Devemos nos arriscar mais do que a Hierarquia”. Mas, ao dar passos largos no sentido de uma militância social e política a favor de reformas estruturais, os militantes da JUC acabaram indo muito além do que estavam dispostas a aceitar as autoridades da igreja, a começar pelo Vaticano de João XXIII.
O primeiro sinal da tormenta viria em 1960 quando da publicação do Manifesto do DCE da PUC do Rio de Janeiro, presidido pelo jucista Aldo Arantes. Nele se afirmava: “sem conferir ao econômico a única verdade, consideramos que não é possível qualquer modificação no status global sem uma radical transformação das estruturas econômicas. A ascensão das massas só assim pode ter lugar”. O documento foi o pivô de uma acirrada polêmica entre as duas tendências da igreja: a progressista e a conservadora. O reacionário Gustavo Corção atacou o Manifesto e em sua defesa vieram Frei Cordonnel e os padres Almery Bezerra e Henrique Lima Vaz.
Novo mal-estar ocorreria alguns meses depois, quando elementos da JUC se dispuseram a compor uma chapa para a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) com os seus rivais históricos do Partido Comunista do Brasil (então PCB). As coisas se azedariam ainda mais no congresso seguinte. Nele, a JUC teria maioria dos delegados e conseguiria eleger o presidente da entidade, Aldo Arantes. Novamente, isso só foi possível graças à aliança estabelecida com o PCB, que ainda ficou com o maior número de cargos na diretoria. Para piorar a situação, o presidente católico da entidade máxima dos estudantes universitários consentiu que ela se filiasse à União Internacional dos Estudantes (UIE), dominada por jovens comunistas. Esta foi a gota d’água.
A cúpula da igreja católica, instigada pelo Vaticano, resolveu expulsar Aldo Arantes da JUC. A nova orientação não se resumiu a uma punição ao presidente da UNE, ela foi mais abrangente. No final de 1961, a direção da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estabeleceu os limites para a ação dos membros da organização juvenil católica. Segundo ela, “os jucistas têm uma doutrina da qual não é lícito se afastar. Ninguém (…) pode apresentar interpretações ou estabelecer linha de conduta que leve o Movimento jucista ou mesmo um só dos seus membros a discrepar da orientação que lhe dá a Hierarquia Católica”.
Continua a nota: “1) Não é lícito apontar aos cristãos o socialismo como solução de problemas econômicos e sociais, nem muito menos apontá-lo como solução única (…), 2) Não é lícito admitir-se que ao formular a figura de uma Revolução Brasileira (…) se afirme uma doutrina de violência, como válida e aceitável”. Por fim, a CNBB determinava: “nenhum dirigente jucista poderá concorrer a cargos eletivos em organismo de política estudantil, nacional ou internacional, sem deixar os seus postos de direção da JUC. O mesmo se diga, como é evidente, quando se trata de participação em partidos políticos”.
Essas medidas causaram um grande descontentamento entre os setores mais avançados da juventude católica. O próximo passo que eles dariam seria no sentido de construir uma organização de caráter socialista completamente desvinculada da hierarquia da Igreja.
A UNE volante, criada em março de 1962, que correu o país inteiro debatendo a reforma universitária, serviu de instrumento privilegiado no processo de estruturação nacional dessa nova corrente política. Enquanto Aldo Arantes encaminhava as assembleias estudantis nos estados, o seu assessor Herbert José de Souza, o Betinho, fazia o trabalho subterrâneo de reunir os descontentes da JUC e outras pessoas interessadas naquele novo projeto político. Ao final daquela maratona, a tarefa havia sido cumprida com sucesso e as bases nacionais do que seria a Ação Popular já estavam de pé.
Desde o início de 1962, os setores progressistas da igreja haviam lançado em Minas Gerais o jornal Ação Popular. Entre seus editores estava Betinho e Vinícius Caldeira Brant, substituto de Aldo na presidência da UNE. Em 1963 foi criado o Brasil Urgente, ligado à esquerda católica e que tinha por trás frei Josaphat. Era um jornal editado na cidade de São Paulo, mas, como diz o próprio nome, pretendia-se nacional. Estas duas publicações seriam caixas de ressonância da organização que se formava.
Nasce a Ação Popular
A primeira reunião preparatória ocorreu em São Paulo no início de 1962. Decidiu-se que a nova agremiação se chamaria Grupo de Ação Popular, o GAP. Contudo, a existência de uma organização de extrema-direita nomeada Grupo de Ação Patriótica, também GAP, fez com que o nome tivesse que ser simplificado para Ação Popular. A segunda reunião, convocada por um documento assinado por Betinho, se deu entre os dias 31 de maio e 3 de junho de 1962 na cidade de Belo Horizonte (MG) e teve representantes de 14 estados. Estiveram presentes neste evento Almino Afonso e Paulo de Tarso e o Padre Henrique Vaz. Este, inclusive, realizou uma palestra para os participantes.
Nesta segunda reunião se aprovou o Esboço do Estatuto Ideológico. A AP teria coordenações regionais e uma coordenação nacional, encabeçada por Betinho. No Nordeste o coordenador era Haroldo Lima, que organizaria um encontro preparatório em João Pessoa na Paraíba.
Estes dois encontros serviram de base para a construção do Congresso de Fundação da Ação Popular, ocorrido na Escola de Veterinária em Salvador, Bahia, em pleno carnaval de 1963. A secretaria executiva do congresso ficou sob a responsabilidade de Solange Silvany e Fernando Schmidt. Neste evento, estavam presentes: Herbert José de Souza (o Betinho), Aldo Arantes, Haroldo Lima, Cosme Alves Neto, Luiz Alberto Gomes de Souza – estes participantes desde a primeira reunião – e Duarte Pacheco Pereira, Severo Sales, Maria Angélica Duro e Manuel Joaquim Barros. Participaram delegações de quase todos os estados brasileiros.
Ali foi aprovado o Documento-Base, escrito por Duarte Pereira, e elegeu-se a coordenação nacional, que tinha Betinho como principal dirigente. O texto, que recebeu sua forma final pelas mãos do Padre Henrique Vaz, não citava explicitamente o cristianismo como um de seus pressupostos filosóficos, mas as ideias do cristianismo renovado estavam ali. Pela primeira vez foi colocado claramente o socialismo como um objetivo a ser conquistado: um socialismo democrático e humanista, diferente do existente na URSS. Foi incorporada ao seu discurso a necessidade da realização da chamada revolução brasileira. Esta compreendida como uma série de reformas estruturais que permitiriam o desenvolvimento do país e sua caminhada rumo ao socialismo. Dentro da tradição da esquerda brasileira, defendia a urgência da eliminação dos restos feudais no campo brasileiro.
Trajetória da AP foi contada em livro editado em 1984.
O Documento-Base representou um salto de qualidade na elaboração teórica e política dos fundadores da AP. Ao contrário do que geralmente se diz sobre a ideologia que regeu a organização até o golpe militar, não me parece que ela possa, sem maiores problemas, ser enquadrada na definição de “pequeno-burguesa reformista”, pelo menos a partir de 1963. As coisas, na verdade, eram bem mais complexas.
Para a AP, todo o mundo subdesenvolvido, incluindo o Brasil, iria se “integrar à corrente socialista que estava transformando o mundo”. Diz o texto: “Depois da Revolução Russa e da criação das Repúblicas Populares, os fenômenos mais importantes foram a Revolução Chinesa e, na América Latina, a Revolução Cubana. De 1917 até nossos dias o sistema socialista atingiu 1/3 da humanidade que, ao que tudo indica, mesmo no caso de superar a motivação marxista continuará a desenvolver-se. Os exemplos desse desenvolvimento mostram a complexidade do mundo socialista em gestação, que não se confunde com o bloco político-militar soviético e que poderá comportar experiências as mais diversas e com orientações ideológicas distintas”.
A AP fez uma crítica ao socialismo real, especialmente como ele foi se configurando na URSS e no Leste Europeu. Decerto, esta não era a mesma opinião que tinha sobre Cuba e China pelos quais tinha simpatias.
A principal objeção dos apistas recaía no estatismo exagerado, na burocratização e na falta de democracia para as massas populares. “Historicamente, a revolução marxista opera a transposição de posse e controle dos bens de produção ao Estado que, liderado pelo PC, dirige o processo revolucionário. Essa transposição, muitas vezes, tem perdido a perspectiva dialética da superação das alienações, criando novo polo de dominação (estatal) com o surgimento de uma burocracia dominante. O Estado seria uma máquina formadora de determinado tipo de consciência acrítica e massificada. O problema do poder é alterado, mas não radicalmente transformado (…). Falta uma participação real e plural”.
Mas o texto é otimista quanto ao futuro dessas experiências: “Esta crítica não pode ser vista de um modo estático. A evolução da experiência socialista em países como a Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia e a União Soviética mostram a quebra da ortodoxia rígida. Define-se uma política de bem-estar, permite-se certo pluralismo político, há a preocupação com a diversificação da produção industrial dos bens de consumo, discute-se abertamente o ‘realismo socialista’ nas artes, o dogmatismo, o culto da personalidade, e prepara-se aos poucos o campo para o desenvolvimento da crítica como exercício dialético do próprio sistema”. Neste ponto a opinião dos apistas caminhava no sentido oposto à dos comunistas chineses, que começavam a ver sinais de degenerescência revisionista naquelas experiências.
Diante da situação nacional, marcada pelo crescimento da luta popular, a AP procurava se colocar como uma alternativa à esquerda ao reformismo do PC Brasileiro (PCB). O Documento-Base afirmava: “Não nos cabe antecipar a forma pela qual se dará a concretização desse processo revolucionário. No entanto, pode-se dizer que a história não registra quebra de estrutura sem violências geradas por essas mesmas estruturas”. Aqui a AP se aproximava mais das posições chinesas que criticavam a tese soviética da via pacífica para o socialismo.
A AP acreditava que no nosso processo revolucionário “deverá dar-se a coalizão das diferentes forças políticas que por uma contingência histórica aceitarem uma participação unificada, num organismo que deve reunir progressivamente as forças populares”. No seu curso, poderá “fazer-se sentir a necessidade de um partido único ou de outro tipo de organização, segundo as circunstâncias do processo revolucionário. Desta forma, o problema do partido único ou da ditadura do proletariado não se coloca em seu aspecto formal, mas sim no grau de participação do povo em suas direções”. Não há aqui qualquer rejeição de princípios ao partido único ou à ditadura do proletariado, pedra de toque do comunismo ortodoxo. Não se ilude quanto ao potencial das propostas de reformas de base apresentadas por Jango.
Fundamentalmente, diz o texto, tais esquemas constituem tentativas de instauração de um neocapitalismo, que permitiria o sucesso do desenvolvimento burguês, evitando as tensões suscetíveis de provocar, pela radicalização das massas, alterações na estrutura social e no sistema de exploração vigente”. Continua: “As forças populares não têm sido capazes de opor a este sua perspectiva. Diante da inexistência de uma vanguarda revolucionária (…), na ausência de uma denúncia da estrutura capitalista, sua atuação tem se limitado a uma participação na política burguesa e a uma agitação colocada antes em função de opções já postas pela classe dominante do que a serviço da formação de uma consciência política das massas trabalhadoras”.
O texto programático criticava também a direção reformista do movimento sindical brasileiro: “A estrutura de dependência que condiciona o movimento sindical às instituições do poder (…) são elementos da compreensão das razões por que a esquerda brasileira tem sido incapaz de libertar-se do comando da burguesia e afirmar-se como vanguarda”. E concluía: “A consciência crescente que surge entre as massas populares, a respeito do sistema de dominação a que estamos submetidos, tem sido canalizada, assim, senão para uma luta de conquistas parciais de libertação econômica, que não colocam em questão a própria estrutura, mas simplesmente se dirigem no sentido de acelerar o desenvolvimento dentro dos quadros do capitalismo”.
Numa outra crítica indireta ao PCB, afirmava: “Algumas áreas (da esquerda) tentaram racionalizar esse tendência, postulando a necessidade de uma fase de consolidação do capitalismo como etapa necessária da revolução. Baseada na afirmação da existência de uma burguesia nacional com interesses antagônicos com o capitalismo internacional (…) essa tese delimitava como nitidamente opostos os interesses da industrialização e os da estrutura agrária, encarando o imperialismo em seu modelo inicial, anterior às grandes inversões industriais na América Latina (…). Definimos nossa luta revolucionária no combate ao imperialismo internacional, inclusive contra o esforço de implantação no Brasil de um sistema econômico-neocapitalista”. Levando em conta que eles não se diziam marxistas e muito menos leninistas, os jovens dirigentes da AP foram bastante longe em suas formulações políticas.
Paulo Wright: líder importante na história da AP
Essas críticas ao reformismo eram muito semelhantes às feitas pelo PCdoB nesta mesma época – embora os apistas, possivelmente, não soubessem da existência deste partido comunista e revolucionário, que era muito pequeno e em processo de reorganização.
No congresso de 1963 seriam eleitos uma coordenação e o secretariado nacional que, segundo Gallejones, seria composto por Herbert José de Souza, como coordenador-geral; Severo Albuquerque Salles (Bahia); Maria Angélica Duro (RS); e Carlos Alves Neto (AM). Este órgão sofreria algumas modificações em agosto daquele ano, saindo Maria Angélica e Carlos Alves e ingressando Aldo Arantes (DF), Tereza Rodrigues (GB, antiga Guanabara), Luiz Alberto Gomes de Souza (RS) e Silvio Gomes de Almeida (GB). Em entrevista recente, tanto Aldo Arantes como Haroldo Lima estranharam a ausência do nome Aldo Arantes já no primeiro secretariado, visto que ele era a principal expressão política da nova organização.
A AP e os movimentos sociais pré-golpe
Ao nascer, a sua principal base social eram os estudantes. Desde o final da década de 1950 a JUC conheceu um rápido crescimento e a Ação Popular acabou herdando essa influência. Depois de Aldo Arantes, antes do golpe militar, a AP elegeu mais dois presidentes da UNE: Vinícius Caldeira Brant e José Serra. Ela também estendeu suas raízes no movimento secundarista, embora não tenha conseguido chegar à presidência da UBES naquela fase. O último presidente foi Olímpio Gonçalves Mendes e era ligado às Ligas Camponesas.
Contudo, logo no seu primeiro congresso a AP estabeleceu como prioridade o trabalho junto às organizações operárias e camponesas. Podemos dizer que ela buscou ser consequente na aplicação dessa decisão.
Haroldo Lima e Aldo Arantes contaram um pouco sobre a sua crescente influência nos meios operários: “A AP conseguiu criar uma base operária na Refinaria de Mataripe, a partir do trabalho realizado principalmente por dois de seus militantes, que eram engenheiros, um dos quais foi Jorge Leal, um dos fundadores da AP (…). José Gomes Pimenta, o Dazinho, (…) foi eleito presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ouro e Metais preciosos de Nova Lima (…)”. O outro engenheiro era Eudoro Santana. É claro que isso não se comparava à força avassaladora que o PCB e o PTB tinham no movimento operário e sindical.
Sem dúvida, entre os camponeses é que a AP colheu os seus melhores frutos. Ela conseguiu isso através de dois instrumentos privilegiados: o Movimento de Educação de Base (MEB) e a Comissão Nacional de Sindicalização Rural (CNSR). O MEB foi um amplo esquema de alfabetização popular criado pela igreja católica, em parceria com o Ministério da Educação, que utilizava o revolucionário método Paulo Freire, e à qual se ligaram fortemente os membros da JUC, e depois os da AP. Muitos militantes, como Péricles Souza e Ronald Freitas, tornaram-se educadores populares. Através desse movimento recrutou-se Manoel da Conceição e José Novaes, que seriam as principais lideranças camponesas da AP.
Essa corrente política tinha importantes posições na Superintendência para Reforma Agrária (SUPRA), comanda por João Pinheiro Neto, e ótimas relações com Almino Afonso, ministro do Trabalho de Jango. Um acordo entre esses dois órgãos governamentais possibilitou a criação da CNSR. Abriu-se então uma situação bastante favorável para que a AP dirigisse a criação de inúmeros sindicatos rurais. Na época existiam duas grandes forças disputando o controle dessas entidades: os comunistas e a igreja católica. A AP surgia como a terceira força com influência em oito federações estaduais. O PCB tinha 10 e a igreja, representada pelos chamados círculos operários, 8 federações.
No congresso de fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em dezembro de 1963, a AP estabeleceu uma aliança vitoriosa com o PCB, derrotando os setores conservadores. Seguiam o caminho já consolidado na UNE. Os comunistas ficaram com quatro diretores, a AP com três e os independentes com dois. No entanto, ao PCB caberia a presidência, a secretaria geral e a tesouraria, revelando certa ingenuidade dos dirigentes da AP durante a negociação da chapa. Gallejones, um autor católico arquiconservador, desabafou: “E o artífice de tudo isso foi Luiz Eduardo Wanderley, da AP, que antes tinha sido assessor sindical da Conferência dos Bispos do Brasil”.
No mesmo mês os arcebispos brasileiros emitiram uma nota criticando esta posição da AP. Afirmou Dom Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre: “As preocupações dos Bispos relativamente à Ação Popular provêm ainda da sua ilimitada colaboração com os promotores do comunismo e de outros movimentos de ação esquerdista. Tal aliança com o inimigo dos nossos ideais equivale a um suicídio”. Contra a AP foi lançada a pecha de “inocente útil”.
Apesar de suas posições críticas ao reformismo, a AP tinha certa expressão institucional, por meio da qual potencializava seu trabalho de inserção junto às massas. Muito próximos da AP eram o ministro do Trabalho Almino Afonso, o ministro da educação Paulo de Tarso, os deputados federais Max da Costa Santos e Plínio de Arruda Sampaio, este último membro da ala esquerda da democracia cristã. Betinho, por exemplo, foi um dos principais assessores do ministro da Educação e Aldo Arantes trabalhou na Supra. Havia pessoas da AP também no Ministério do Trabalho.
No final daquele período democrático, ela já tinha inclusive capacidade de influenciar a chamada grande política. Numa entrevista, Betinho chegou a afirmar: “pelas nossas próprias forças começamos a articular uma chapa de sucessão presidencial. Como surgira aquele conflito jurídico de Brizola não poder se candidatar por ser cunhado de Jango – houve até um slogan, ‘cunhado não é parente, Brizola pra Presidente’ – nós decidimos partir para uma alternativa, que era o Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, tendo como vice o Almino Afonso. Já tínhamos levado Arraes a três capitais (…) para ver como lançaríamos o seu nome. Tudo caminhava para que a articulação desse certo. Contávamos ainda com uma pequena fração parlamentar, formada pelo próprio Almino, Paulo de Tarso e Plínio de Arruda Sampaio”. Estes não eram militantes orgânicos da AP, mas ligados politicamente a ela. Ainda segundo Betinho, a AP chegou a ter cerca de 2 mil membros e se não fosse o golpe militar poderia ter se transformado num partido socialista de massa.
Embora a principal base para a criação da AP tenham sido os estudantes originários da JUC, ela conseguiu, logo no seu início, agregar pessoas desvinculadas da igreja católica – por exemplo, jovens protestantes, como Paulo Stuart Wright, e socialistas independentes, a exemplo de Severo Albuquerque Salles. Uma figura ímpar foi Duarte Pereira – embora influenciado pela igreja, especialmente o Padre Henrique Vaz, não havia sido membro da JUC. De qualquer modo, a esmagadora maioria era composta de jovens vinculados a alguma forma de cristianismo em suas diversas vertentes.
Entre 1962 e 1964, aumentou a aproximação da AP com o brizolismo. Os contatos de Brizola com Betinho e Arantes haviam se estreitado durante a crise da legalidade em setembro de 1961, quando a sede da UNE se transferiu para Porto Alegre. Algum tempo depois, o líder gaúcho indicaria Betinho como um dos coordenadores nacionais do Grupo dos 11. Função que mal chegou a assumir devido ao golpe de Estado. A partir de 1963 a AP se integrou à Frente de Mobilização Popular (FMP), que teve no ex-governador gaúcho o seu mentor e da qual participava o PCB, o PCdoB e a esquerda trabalhista.
Obs. A bibliografia será publicada na última parte desse ensaio.
Publicado originalmente na revista Princípios, nº126 de agosto-setembro/2013
Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.