As camadas médias e a crise do regime militar
O ano de 1968 foi emblemático. Nele, aflorou uma série de contradições que se encontravam latentes na sociedade brasileira. Mais do que aflorar, diríamos, muitas delas explodiram. Este artigo procurará ajudar no desvendamento das origens da crise política que atravessou a ditadura militar naquele memorável ano. E isso não é possível sem nos determos no complexo problema da luta de classes, entendida não como simples expressão da polarização entre proletários e burgueses.
Nas formações sociais e conjunturas concretas se articulam, de maneira dinâmica, classes, frações de classes e categorias sociais. O desenvolvimento dessas múltiplas contradições, antagônicas ou não – e que têm por base interesses históricos e/ou imediatos concretos – é que explica e dá sentido aos confrontos que ocorrem na chamada cena política. Este artigo procurará focar particularmente nas mudanças ocorridas nas camadas médias urbanas e nos seus reflexos no campo da luta social e política após o golpe militar.
O golpe militar e as camadas médias
No início de 1964 formou-se uma aliança de todos os setores das classes dominantes contra o governo João Goulart. O movimento oposicionista, dirigido pela grande burguesia em aliança com o imperialismo estadunidense, conseguiu galvanizar amplos setores das camadas médias urbanas. Estas últimas é que deram a base social que faltava ao golpe de Estado, lotando as ruas das grandes cidades brasileiras nas chamadas “marchas da família, com Deus, pela liberdade”.
Aqui defino as camadas médias como um amálgama de diversas classes, frações de classe e categorias sociais. Elas se compõem de pequeno-burgueses, profissionais liberais e assalariados médios (trabalhadores assalariados não manuais de status social acima dos operários). Mesmo elas se dividem em estratos inferiores e superiores.
Às vésperas do golpe, estavam temerosas com a ascensão do movimento operário e popular que, através de suas lutas e da pressão política, foi arrancando do governo e dos patrões o aumento gradual de direitos sociais e salários – minimizando assim o efeito da inflação que crescia rapidamente. As camadas médias, por sua vez, não tinham condições de recompor no mesmo ritmo o seu padrão de vida e culpavam os operários por esta situação. O fantasma da proletarização passava a atormentá-las. Esse medo foi habilmente utilizado pelas classes economicamente dominantes.
Apenas nos estratos mais baixos das camadas médias, representados pelos assalariados urbanos, o espírito golpista não foi arrebatador. Grosso modo, podemos dizer que o governo Jango contava com o apoio – ou complacência – dos bancários, comerciários, setores do magistério e mesmo do funcionalismo público. Estes chegaram a participar de inúmeras greves e estiveram representados no Comício pelas reformas ocorrido na Central do Brasil.
No entanto, se existe consenso quanto ao apoio dessas camadas ao golpe militar, contraditoriamente o mesmo não acontece em relação a um dos seus setores historicamente mais dinâmicos: os estudantes universitários. Fica a pergunta: qual teria sido o papel desempenhado por esta categoria social, composta majoritariamente por pessoas pertencentes às camadas médias? Para responder a esta pergunta utilizarei, livremente, a análise pioneira do professor Décio Saes.
No início da década de 1960, apenas 0,5% da população brasileira cursava a universidade. A quase totalidade desses estudantes provinha da burguesia ou das camadas médias da sociedade. Como não poderia deixar de ser, eles também foram impactados pela opção conservadora (e golpista) feita pelas classes às quais pertenciam.
Não se pode confundir a propensão político-ideológica de uma categoria social, como a estudantil, com a de sua direção. Muitas vezes ocorre o que alguns autores marxistas chamam de “crise de representação”. Isso aconteceu no movimento estudantil entre 1963 e 1964. Neste período, as entidades – dirigidas pela esquerda socialista e nacionalista – foram para a esquerda e a massa estudantil não as acompanhou deslocando-se para o centro e mesmo para a direita.
Esse fenômeno explica a dificuldade de mobilização sentida pelas entidades estudantis mais comprometidas com o projeto democrático e popular, especialmente a UNE, e, mesmo os resultados das eleições de importantes – e tradicionais – entidades acadêmicas. A esquerda universitária, em curto espaço de tempo, perdeu as eleições em várias UEEs. A maior derrota ocorreu na União Metropolitana dos Estudantes (UME) da Guanabara. Vários líderes estudantis de 1968 haviam sido simpáticos ao golpe militar e ao lacerdismo.
Em pouco tempo, a ditadura decepcionaria muitos de seus apoiadores, especialmente entre as camadas médias. Os estudantes, por sua situação particular, seriam os primeiros a anunciar esta ruptura de expectativa.
As camadas médias rompem com o regime
Num primeiro momento existiu uma preocupação dos golpistas em dar uma aparência “liberal-democrática” ao novo regime. As grandes manifestações da oposição direitista que antecederam o golpe militar tinham como fachada a defesa da Constituição de 1946 e das liberdades ameaçadas pelo avanço do comunismo. Isso, em parte, explica por que o parlamento não foi fechado e mesmo por que os partidos políticos tradicionais puderam funcionar até 1966.
Mas o golpe militar não representou apenas uma mudança de governo ou mesmo, como desejavam alguns, um interregno passageiro entre um governo populista – contaminado pelo comunismo – e um governo democrático-liberal expurgado dos vícios anteriores. O golpe trouxe uma mudança em profundidade no regime político brasileiro – de uma democracia burguesa (ainda que restrita) para uma ditadura militar. A Intentona de 1964 também representou uma alteração na correlação de forças entre as classes no bloco no poder.
No período imediatamente após o golpe, as forças sociais nacional-industrialistas foram deslocadas do centro do poder político e nele ocorreu um fortalecimento das frações burguesas anti-industrialistas, ligadas mais diretamente ao imperialismo estadunidense. Liberais ortodoxos, como Otávio de Bulhões e Roberto Campos, assumiram os ministérios da fazenda e do planejamento. Entre as primeiras medidas estavam: a revogação da lei de controle de remessa de lucros e a aplicação de uma política econômica anti-inflacionária de caráter abertamente monetarista – assentada em compressão salarial, cortes nos gastos públicos, enxugamento de créditos, aumento de impostos etc.
Essas medidas neoliberais agravaram sobremaneira o quadro recessivo do país. Cerca de cinco mil empresas fecharam suas portas, somente no estado de São Paulo. Entre 1964 e 1967, o Brasil viveu um momento de estagnação econômica, crescendo apenas 1,4% ao ano. Até mesmo a burguesia industrial paulista, ativa participante do complô anti-Jango, protestou. A grita empresarial foi geral. Apenas os grandes monopólios pareciam contentes com a nova política econômica da ditadura.
O descontentamento no campo econômico tendia, naturalmente, a transbordar para a esfera da política. O monopólio dos militares sobre o poder de Estado – que sistematicamente excluía os interesses das camadas médias, inclusive da média burguesia industrial e comercial – passava a causar mal-estar em amplos setores da população, que perdia a capacidade de intervir nos rumos da economia e da política. Vencido o comuno-petebismo e diante da ditadura dos monopólios, renovaram-se nas camadas médias urbanas as antigas propensões liberal-democráticas, ainda que com fortes marcas oligárquicas. Alguns setores, inclusive, se aproximaram de uma alternativa mais avançada: democrático-popular.
O projeto político da cúpula militar ia muito além da simples rejeição ao chamado populismo. Ela desconfiava da própria democracia liberal e de seus políticos profissionais. Acreditava que eles não seriam capazes de deter o avanço da demagogia trabalhista e do comunismo. Isso explica o seu desprezo pelo parlamento e pelos políticos em geral, inclusive os que apoiaram ativamente o golpe militar. Era preciso arrancar o mal pela raiz. Neste caso, a raiz era a própria democracia política, ainda que burguesa.
A política monetarista trouxe crescente desprestígio ao regime, que acabou sentindo o golpe na eleição para os governos estaduais, ocorrida no final de 1965. A oposição, encabeçada pelo PSD, venceu em dois importantes estados, Minas Gerais e Guanabara. Logo após, prevenindo-se contra novas surpresas, o governo editou o AI-2. Este estabeleceu a eleição indireta para a presidência da República, governos de estado, capitais e áreas de segurança nacional. Também foram extintos todos os partidos políticos, inclusive a UDN, e estabelecido o bipartidarismo.
Estas medidas não estavam nos planos iniciais das camadas médias liberais que viam seu poder de intervenção política ser reduzido ainda mais. O seu principal porta-voz, Carlos Lacerda, foi o primeiro a protestar e o fez de maneira bastante dura. Os sucessivos atos promulgados pelo governo militar haviam fechado as portas para a sua candidatura à presidência da República.
O monopólio do poder pela cúpula militar representou a exclusão política das camadas médias. Sentindo-se traídas quanto aos rumos da economia e em relação às promessas “democráticas” do Marechal Castelo Branco, elas se afastaram do regime que haviam ajudado a implantar. As organizações corporativas típicas das camadas médias, como a de advogados, jornalistas, professores e engenheiros, engrossaram o coro em defesa da democracia. Pelo contrário, a grande burguesia monopolista parecia, finalmente, ter encontrado, na ditadura militar, sua República ideal.
Ao ajudar a derrubar o “populismo”, as camadas médias viram-se isoladas diante da grande burguesia monopolista, aliada ao capital estrangeiro. Repetia-se no país um fenômeno muito comum nas contrarrevoluções. Ao destruir a esquerda, o centro vê-se à mercê da direita. Em outras palavras, ao derrotar o proletariado, as camadas médias urbanas se veem esmagadas pela grande burguesia. Fenômeno elucidado por Marx em suas obras históricas, como Luta de Classes na França e 18 de Brumário de Luís Bonaparte.
O movimento estudantil retoma a cena
Uma das principais lutas travadas pelos estudantes pós-golpe foi contra a Lei Suplicy de Lacerda que atrelava suas organizações então livres ao Estado ditatorial. O regime pretendia transplantar às entidades estudantis o mesmo modelo da estrutura sindical implantado por Vargas na década de 1930. Elas, assim, perderiam a sua liberdade de ação e estariam sujeitas ao controle estrito do ministério da educação.
No plebiscito organizado pelo movimento estudantil, a maioria absoluta repudiou essa lei. Nesta luta participaram, lado a lado, os liberais, que ainda detinham maioria em várias entidades, e a esquerda. O resultado era um sinal de que maioria dos estudantes já tinha rompido com o governo militar e ingressava na luta pela democratização do país e da universidade.
No segundo semestre de 1966 o movimento estudantil fez sua reaparição pública e tomou as ruas das principais cidades. Diante da ameaça de realização do congresso da UNE, a polícia ocupou o centro de Belo Horizonte. Isso não impediu que os delegados se reunissem secretamente num convento. Dias depois, o congresso da UEE de São Paulo foi dissolvido e 178 estudantes presos. Em resposta às sucessivas agressões policiais foi decretada, no mês de setembro, uma jornada nacional de luta contra a ditadura, que ficaria conhecida como “setembrada”.
A esquerda começou rapidamente a recuperar a influência política junto à juventude universitária, que se radicalizava, e a ganhar a direção de várias entidades, inclusive a UME da Guanabara. Os liberais viram reduzir sua ascendência sobre os estudantes.
Em meio à retomada do movimento estudantil, surgiu a Frente Ampla. Ela foi, fundamentalmente, uma articulação entre três renomados políticos brasileiros: Lacerda, Juscelino e Jango. Os dois últimos já haviam sido cassados. A união dessas personalidades tão contrastantes era algo inimaginável antes da eclosão da primeira crise política da ditadura. A Frente constituiu-se enquanto uma válvula de escape à camisa de força do bipartidarismo. A própria imprensa conservadora, como o jornal O Estado de S. Paulo, passou a aumentar o tom da crítica ao autoritarismo.
O governo do general Costa e Silva, empossado em março de 1967, acenava com a democratização e o diálogo com a oposição, inclusive os estudantes. Mas a crise econômica e a divisão no interior do governo e das classes dominantes criariam as condições para a emergência dos setores populares na conturbada conjuntura de 1968.
A oposição estudantil foi a primeira a se aproveitar das brechas abertas no regime. Ela começou o ano timidamente travando uma luta contra os chamados excedentes. A demanda pelo acesso às universidades públicas havia crescido mais rapidamente do que as vagas oferecidas, levando um número cada vez maior de jovens a não poder ingressar no ensino superior. Lutava também contra a cobrança de taxas nas universidades. Este havia sido um meio encontrado pelo regime militar para compensar a redução das dotações orçamentárias e abrir caminho para implantação do ensino pago. Ao longo dos meses, as lutas dos universitários e secundaristas foram se canalizando para a bandeira de mais verba para a educação e liberdade nas escolas.
A crise da universidade pública era um reflexo da exclusão das camadas médias, que também pagava o seu preço pela política econômica liberal ortodoxa da ditadura, assentada no enxugamento do Estado e na privatização. Os estratos inferiores das camadas médias foram os primeiros a sentir o efeito da falta de verbas e da não ampliação de vagas. Eles viam o acesso ao ensino universitário – sua principal via de ascensão social – ser-lhes vedado.
O clima já era explosivo quando um acontecimento trágico faria o paiol ir pelos ares. Em 28 de março uma manifestação estudantil, que pleiteava a melhoria na alimentação no restaurante Calabouço, foi reprimida à bala pela polícia. O saldo desse confronto foi um estudante morto e vários feridos. Estava dada a largada para o que seria o maior movimento de contestação popular e estudantil desde o golpe militar.
O cortejo fúnebre de Edson Luís contou com a participação de cerca de 50 mil pessoas. A missa de sétimo dia foi marcada pela violência das forças policiais, que perseguiram e agrediram os participantes que saíam pacificamente da igreja da Candelária. A alta hierarquia católica, que apoiara o golpe, começava a mudar sua posição e se colocava mais abertamente no campo da oposição ao regime.
A repressão desmedida ao movimento estudantil provocou cisão nas próprias fileiras golpistas. O general Mourão Filho – presidente do Superior Tribunal Militar e o principal expoente do golpe de 1964 – declarou: “É incrível que a polícia atire contra estudantes, em uma democracia. Estou indignado, fora de mim, com tais acontecimentos (…), quando se permite que policiais atirem contra estudantes, não podemos ficar tranquilos em casa”. Lacerda, rompido com o regime, elevou o tom de suas críticas. “É inaceitável que o Exército trate os estudantes como uma horda de inimigos”. Continuou, “o Brasil está ultrajado pela orgia da violência (…). É tempo de fazer a revolução pela qual a mocidade anseia, a revolução pela educação e o voto”.
A Frente Ampla – rechaçada pelos estudantes no enterro de Edson Luís – pagaria a conta pelos acontecimentos daqueles dias. Ainda em abril o governo proibiu sua existência e estabeleceu a prisão de quem, estando banido ou cassado, fizesse qualquer pronunciamento político. A imprensa foi proibida de tratar do tema. Este foi o diálogo de Costa e Silva.
No início de abril os estudantes retornaram às salas de aula e se voltaram para as lutas específicas. O abandono das ruas seria temporário. Em 20 de junho mais de 500 estudantes cariocas foram presos após uma assembleia e conduzidos para o campo do Botafogo, onde foram agredidos e seviciados. As fotos das agressões, fartamente divulgadas pela imprensa, indignaram a “opinião pública”.
No dia seguinte, uma manifestação de protesto se transformou num grande conflito de rua. Ocorreram enfrentamentos sangrentos entre o povo e as forças de repressão. A batalha campal se estendeu por horas a fio. Centenas de pessoas foram feridas e quatro morreram, inclusive um policial, segundo as estimativas oficiais. Foi a chamada “sexta-feira sangrenta”. Neste dia, os estudantes não lutaram sozinhos. A eles se uniram bancários, comerciários, trabalhadores de escritório etc. Aquele foi mais que um simples protesto, foi uma verdadeira rebelião urbana.
A resposta das personalidades e organizações das camadas médias e populares chegou em 26 de junho através de uma passeata com mais de 100 mil pessoas. A maior já ocorrida até então contra a ditadura militar. Estudantes, artistas, intelectuais, religiosos e assalariados urbanos em geral tomaram as ruas da Guanabara. Como afirmou Décio Saes, o movimento estudantil – em certa medida – cumpriu naquela conjuntura o papel que o tenentismo havia assumido na década de 1920: vanguarda política das camadas médias urbanas.
O golpe no golpe
No segundo semestre a maré contestatória começou a refluir. Em setembro a polícia invadiu a UnB e agrediu indiscriminadamente estudantes, professores e até parlamentares. Isso teve impacto imediato no Congresso Nacional. Setenta deputados da Arena protestaram contra a repressão. No mês seguinte, o congresso clandestino da UNE, realizado em Ibiúna, foi descoberto e todos os delegados presos. Isto representou um duro golpe para o movimento estudantil que, numa só tacada, perdeu suas principais lideranças. Ainda ocorreram protestos por todo o país, mas 1968 estava chegando ao fim.
O ritmo da vanguarda não é sempre o mesmo da massa da classe que ela deveria representar. Muitas vezes, como já afirmamos, ocorre uma crise de representação. No primeiro semestre de 1968 houve uma adequação entre os interesses da vanguarda estudantil e a massa por ela representada. Isso não havia ocorrido nas vésperas do golpe. Podemos dizer que uma nova inadequação começava a ser sentida já no final daquele ano. A vanguarda foi muito mais à esquerda que o conjunto da categoria estudantil – com muitos de seus líderes optando pela luta armada.
O pretexto para o recrudescimento do regime foi dado por um acontecimento aparentemente sem importância, ocorrido na Câmara dos Deputados. Num de seus discursos, Márcio Moreira Alves defendeu o boicote às comemorações de Sete de Setembro e uma “greve de sexo” das namoradas dos cadetes e oficiais em protesto contra as agressões que vinham se dando contra os estudantes.
O discurso não teve a menor repercussão na imprensa. No entanto, os militares, insuflados pela “linha dura”, exigiram do governo que fossem tomadas providências enérgicas contra o deputado. O general Costa e Silva solicitou ao Congresso licença para poder processá-lo. O descontentamento dentro dos partidos políticos pôde ser medido pelo resultado da votação do pedido. Em 12 de dezembro, ele foi derrotado por 216 votos contra 141. Parte importante da Arena ajudou a derrotar o governo que deveria defender.
Não só o poder legislativo havia imposto uma derrota ao regime. Um dia antes o Supremo Tribunal Federal ordenou a libertação de 81 estudantes, inclusive as principais lideranças. Poucos, por manobras do regime, continuariam presos. Até mesmo no Supremo Tribunal Militar (STM) podiam se ouvir vozes discordantes. O regime se isolara.
O futuro da ditadura e do seu projeto sócio-econômico parecia estar em perigo. Em 13 de dezembro foi decretado o Ato Institucional número 5. Nos dias seguintes, trinta e sete deputados da Arena perderam seus mandatos. Lacerda foi cassado e passou alguns dias na prisão assim como milhares de brasileiros. A ditadura entrava numa nova etapa.
Iniciou-se um dos períodos mais sombrios da história brasileira. Todos os caminhos para a contestação legal ao regime estavam fechados. Até a oposição liberal-conservadora foi atingida pelas novas medidas repressivas. Neste quadro político difícil reforçavam-se as teses que propunham a luta armada como única alternativa para derrotar a ditadura.
Em 1968, o regime militar conheceu a sua primeira grande crise política. Mas ele conseguiu, inicialmente através da violência do Estado, se equilibrar e, em seguida, graças ao chamado milagre econômico – ainda que excludente e assentado nos grandes monopólios privados e estatais – neutralizar, provisoriamente, vários setores das camadas médias. Precisou que o modelo entrasse em crise a partir de 1974 para que a oposição – fortemente assentada nas camadas médias e no proletariado – pudesse retomar o protagonismo e, por fim, derrotar a ditadura militar.
* Este artigo foi publicado na revista Princípios n. 97. Apenas acrescentei um parágrafo no qual detalho melhor a participação das camadas médias no golpe militar. Nele, afirmo que pelo menos um setor, os assalariados urbanos, não se incorporou à onda golpista dirigida pela grande burguesia, pelo latifúndio e pelo imperialismo. As camadas médias não formam um bloco monolítico. Este não é um detalhe sem importância.
** Augusto C. Buonicore é historiador, presidente do conselho curador da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, todos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
Bibliografia
BOITO, Armando. Estado, política e classes sociais. São Paulo: Ed. Unesp, 2007.
MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968). São Paulo: Papirus, 1987.
POERNER, Artur J. O poder jovem. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1979.
REIS FILHO, Daniel Aarão & MORAES, Pedro de. 68: a paixão de uma utopia. São Paulo: FGV, 1988.
SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.
SANFELICE, José Luís. Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo: Autores Associados, 1986.
SIRKIS, Alfredo. Os carbonários: memórias da guerrilha perdida. São Paulo: Global, 1992.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. São Paulo/ Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. São Paulo: Nova Fronteira, 1988.