Os contratempos do socialismo
Aquele era um momento muito difícil para a esquerda mundial. Após a trágica queda da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, muitas forças políticas, outrora comprometidas com o marxismo e o comunismo, capitularam na onda liberal-conservadora que tomava conta do planeta. Diante da crise, o PCdoB se reuniu para fazer um balanço multifacetado da experiência de construção do socialismo no século 20. O objetivo era detectar os acertos e, especialmente, os erros cometidos naqueles países e relançar – em novas e mais difíceis condições – a luta pelo socialismo. Esta continuava sendo a única alternativa para a humanidade se ela quisesse alcançar um novo patamar civilizacional.
Escreve Amazonas: “Ao reafirmar posições de princípios, rejeitamos o dogmatismo, que é o oposto da doutrina sempre viva e criadora do marxismo-leninismo. Repudiamos também a estreiteza sectária que fossiliza o Partido”. Por fim, ele defende a necessidade “de buscar novas formas de relacionamento no movimento revolucionário internacional, tendo em vista sua futura unificação. É preciso reestruturar a unidade, especialmente quando há um ataque concentrado do inimigo de classe em plano mundial (…). As divergências, em distintos graus, continuam existindo, estão longe de ser superadas. Mas, é possível (…) intercambiar opiniões e aproximar os pontos de vista sobre problemas comuns”. E conclui: “O Partido Comunista do Brasil (…) fará tudo o que puder para melhorar as relações entre os partidos e organizações revolucionárias, particularmente na América Latina, visando a fortalecer o internacionalismo proletário. Nesse sentido, intensificará a luta contra a ofensiva anticomunista, em defesa da liberdade, da soberania nacional e do socialismo”. Leiam abaixo o texto completo.
OS CONTRATEMPOS DO SOCIALISMO*
Por João Amazonas **
Vivemos uma situação de generalizado abalo das convicções progressistas de transformação radical da sociedade. Estendem-se o ceticismo, o desalento, as vacilações acerca da justeza das teorias de Marx, Engels, Lênin. Voltam à cena política velhas e ilusórias utopias de reforma do capitalismo como saída para os irreparáveis desajustes originados da decomposição desse sistema.
A burguesia realiza em âmbito planetário intensa campanha anticomunista. Deturpa, dissimula, tergiversa. Recorre a múltiplos artifícios para confundir as grandes massas da população a fim de desviá-las do caminho da ação revolucionária. Ataca em todos os terrenos, agride não somente os comunistas, mas também tudo o que é socialmente avançado.
Pari passu com essa campanha, populações desnorteadas em países outrora socialistasrevivem os dias trágicos do nazi-fascismo. Destroem símbolos da epopeia revolucionária, derrubam monumentos levantados em homenagem às grandes figuras da gesta transformadora do velho mundo. Leningrado, agora, é São Petersburgo. E a bandeira da Rússia não é mais vermelha, tem as cores sinistras do czarismo.
As forças de vanguarda resistem em condições muito difíceis. Fomos duramente atingidos. Mesmo antigas referências da luta antirrevisionista, como o PTA, capitularam, mudaram de campo. Todavia, alguns países onde a revolução triunfou, como Cuba, Vietnã, Coreia do Norte e China Popular, mantêm-se decididos a levar adiante a causa que defendem. Os partidos marxista-leninistas, antirrevisionistas, prosseguem no esforço orientado para a reorganização das forças revolucionárias. E há, entre os partidos que havia adotado o revisionismo do PCUS, um empenho salutar visando a reorientar suas posições político-ideológicas.
Vamos fazer, neste 8º Congresso, uma avaliação multilateral dos acontecimentos ocorridos no mundo socialista. E tirar ensinamentos, recolher experiências que sirvam às lutas atuais e futuras. Não temos a pretensão de dominar plenamente um assunto tão complexo. Conhecemos nossas deficiências e, também, a magnitude da tarefa, que tem sentido histórico.
Balanço das conquistas de 1917
Antes de mais nada, impõe-se um rápido balanço das conquistas revolucionárias de 1917. Há quem negue, e não são poucos, os êxitos alcançados e até mesmo a existência do socialismo na URSS e em outros países.
Sob a direção do Partido Bolchevique, a Revolução Socialista erigiu um novo sistema econômico-social oposto ao capitalismo. Inspirou por toda parte a luta consequente da classe operária e dos povos oprimidos. Acendeu a chama da esperança no coração dos que só têm a perder os grilhões da impiedosa exploração capitalista.
Imensas as contribuições que deu ao avanço da sociedade humana. A abolição da contradição entre o trabalho socializado e a apropriação privada permitiu rápido desenvolvimento, sem crises, das forças produtivas, colocando a União Soviética no nível dos países altamente industrializados. Com a coletivização da agricultura, modernizou a vida rural, utilizando máquinas e instrumentos agrícolas de grande eficiência.
Elevou o status social da classe operária e do campesinato. Passos importantes foram dados no terreno da cultura – nunca antes se imprimira tantos livros, nunca antes as massas populares e os trabalhadores tiveram a oportunidade de se pôr em contato com a literatura, a arte e a ciência, com as conquistas do saber. Instituiu-se um governo que reunia as funções executiva e legislativa num só órgão – o soviete, criado pelas massas. Em contraposição às rivalidades nacionais e étnicas oriundas do capitalismo, construiu-se um sistema de convivência fraternal entre os diversos povos habitantes do território euro-asiático da URSS.
Todas essas conquistas foram obtidas em árduas batalhas contra a ruína, a miséria, a fome secular que imperavam no país dos czares. E contra as forças da reação imperialista. O socialismo derrotou a intervenção militar dos 14 Estados, superou o bloqueio econômico imposto pelos países capitalistas e seus lacaios, desmantelou a sabotagem dos técnicos estrangeiros, debelou a total desorganização dos transportes e dos serviços públicos. O novo regime realizou prodígios de desenvolvimento econômico planificado – a economia soviética obteve taxas de crescimento continuado jamais conseguidas pelos países capitalistas. Isso refletiu-se no bem-estar material e espiritual das massas trabalhadoras.
Desapareceram, enquanto perdurou o socialismo científico, a pobreza absoluta, o desemprego crônico, o analfabetismo, a mendicância e outras chagas da velha sociedade. Significativamente, na Segunda Grande Guerra, a União Soviética derrotou a agressão da todo-poderosa Alemanha hitlerista. A URSS aumentou consideravelmente seu prestígio internacional e sua influência nos desdobramentos da situação do mundo.
Esse é o balanço, breve, do período em que prevaleceu o socialismo na União Soviética – quatro décadas, de 1917 a 1957. Embora o novo sistema não tivesse ainda alcançado o nível de desenvolvimento econômico dos grandes países capitalistas, demonstrou inequívoca superioridade no equacionamento e na solução dos problemas angustiantes com que se defronta a Humanidade. A União Soviética avançou séculos na luta por um mundo melhor.
O revisionismo contemporâneo
A partir dos fins da década de 1950 e começo da de 1960, sob o domínio dos revisionistas contemporâneos, a União Soviética deixou de ser um país socialista. O poder e a direção da sociedade, comandados pelos leninistas desde 1917, passaram aos revisionistas, uma tendência antissocialista de fundo liberal-burguês. Liderada por Kruschev, iniciou-se a transição gradual de volta ao capitalismo que durou mais de três decênios.
A transição para o capitalismo operou-se de maneira camuflada. Seus executores falavam de “socialismo maduro e desenvolvido”. Conservaram o nome do Partido, mantiveram a antiga estrutura do poder soviético, prosseguiram com o tipo de economia estatizada e planificada. Todavia, deram outro conteúdo às antigas formas socialistas. Instituíram um sistema híbrido. O poder, apoiado na burocracia, já não servia ao avanço da sociedade no rumo do comunismo, mas ao retrocesso ao regime da exploração do homem pelo homem condenado pela História.
Diversas facções dirigiram a transição nefasta. Depois de Kruschev, afastado em 1964, veio Brezhnev; após este, Chernenko e Andropov; finalmente, Gorbachev. Cada qual cumpriu determinado papel. Brezhnev pretendia corrigir desvios de Kruschev– prosseguiu na linha oportunista. Gorbachev completou o processo de marcha à ré. Lançou a Perestroika para superar as “falhas” de Brezhnev e “modernizar” a vida política, econômica e social. Acelerou a implantação da economia de mercado. Sob a sua direção, a União Soviética converteu-se ao capitalismo. Yeltsin substituiu Gorbachev, com o mesmo propósito antissocialista.
O revisionismo contemporâneo atingiu também os países do Leste europeu. Em todos eles, o socialismo não chegara a adquirir raízes próprias. Depois da Segunda Guerra Mundial, com a ajuda soviética, estabeleceram regimes de democracia popular que ainda não eram socialistas. Com o Plano Marshall, que visava a atraí-los ao Ocidente, abreviou-se artificialmente a passagem desses países ao socialismo. Os novos dirigentes revisionistas da URSS converteram-se em satélites, usando até mesmo a força militar para subjugá-los.
Os resultados do domínio revisionista na URSS e no Leste Europeu foram catastróficos. Crise profunda na vida econômica, política e social. Desemprego em massa, fome, miséria crescente, especulação mercantilista. Decadência moral e recrudescimento do chauvinismo. A URSS desintegrou-se.
No curso de 1990-1991, o sistema revisionista implodiu. Os povos de diferentes países levantaram-se contra o regime e o governo revisionistas, tidos, porém, como socialistas. Atacaram os governantes e tudo o que se relacionava à revolução e ao comunismo. Instalaram governos abertamente anticomunistas.
Temos, portanto, dois balanços diferentes – o da época socialista e o da era revisionista. O primeiro, promissor, apesar das dificuldades que enfrentava; o segundo, degradante em toda a linha. Refletindo situações distintas, não podem ser confundidos na mesma designação de socialismo real. Um deles é efetivamente socialista, o outro, antissocialista.
A luta contra o revisionismo
Desde o início da década de 1960, o movimento revolucionário, no plano mundial, opôs-se firmemente à traição aos ideais comunistas. Desmascarou as posições contrarrevolucionárias da camarilha que se apossou da direção do PCUS e do Estado socialista. Revelou a essência retrógrada da política adotada a partir do 20º Congresso do PCUS. Discordou das teses de Kruschev e seus seguidores acerca da transição pacífica, da competição pacífica, da coexistência pacífica, do Estado de “todo o povo” e do Partido de “todo o povo”.
O Partido Comunista do Brasil, PCdoB, orgulha-se de ter tomado parte, desde a primeira hora, dessa batalha. Em 1963, já denunciava Kruschev e seus parceiros como inimigos da revolução e do socialismo. A própria reorganização do Partido, em fevereiro de 1962, foi uma resposta contundente ao revisionismo contemporâneo. Tanto no plano interno quanto no externo, não vacilou no combate às proposições antimarxistas. Desenvolveu intensa luta ideológica e política contra as tendências adversárias do marxismo-leninismo.
Nessa luta, o PCdoB adotou posição crítica e autocrítica com referência ao seu passado. Em particular quanto ao dogmatismo. Na VI Conferência, em 1966, assinalava: “Ao combater o revisionismo e demais tendências estranhas ao proletariado, o Partido deve erradicar de suas fileiras as concepções dogmáticas. Essas concepções influem, de longa data, no movimento operário brasileiro. Expressam-se, geralmente, na utilização inadequada das experiências de outros países, na cópia mecânica dos textos dos clássicos do marxismo e na adoção de soluções decalcadas das que tiveram êxito em outros países, em condições diversas e em épocas diferentes”.
A derrota do socialismo
A batalha contra o revisionismo contemporâneo foi importante. Sobretudo quanto à revelação de que eram falsas e antimarxistas as teses de Kruschev e de seus sucessores. Representa uma conquista do movimento comunista mundial.
Mas a crítica exclusivamente ao revisionismo mostrou-se insuficiente. Porque não explicava as causas da derrota do socialismo na URSS. Com a débâcle do Leste Europeu e da União Soviética a situação se complicou ainda mais devido aos males do revisionismo terem sido atribuídos ao comunismo.
Isso impõe aos revolucionários deterem-se num exame mais acurado do período da construção do socialismo, pesquisarem deficiências e erros que possam ter contribuído para o revés de 1956-1957, recolherem experiências e ensinamentos que sirvam às lutas futuras.
Chama a atenção, desde logo, que a derrota do socialismo não se deu pelo enfrentamento direto com a burguesia. Esta tentou inúmeras vezes liquidar pela força o regime proletário. Particularmente com a agressão da Alemanha de Hitler. Nada conseguiu, fracassou sempre. O socialismo foi esmagado por uma corrente que atuava no seio do movimento revolucionário.
Essa circunstância nos remete a um dado histórico – o confronto ideológico entre duas concepções que acompanha todo o processo da luta pela revolução e pelo socialismo na velha Rússia e na União Soviética. Desde o começo do século, Lênin assinalava a existência da “ala revolucionária do Partido e a ala oportunista”. Em termos de classe, correspondiam ao proletariado e à pequena burguesia. Durante alguns anos, essas duas tendências conviveram no Partido.
Ora predominava o leninismo, ora a corrente contrária. Bolchevismo e menchevismo são expressões das duas concepções. Em 1912, na Conferência de Praga, os mencheviques foram expulsos. Os bolcheviques criaram um partido independente – o Partido Operário Social-Democrata da Rússia (bolchevique).
Esse ato foi decisivo para levar a cabo a Revolução de Outubro. “Durante toda a Revolução de 1917”– escreveu Lênin – “os mencheviques e os esserristas não fizeram outra coisa que não fosse vacilar entre a burguesia e o proletariado, jamais puderam assumir uma posição correta, como se o fizessem para ilustrar deliberadamente as palavras de Marx, de que a pequena burguesia é incapaz de ter uma posição independente nas batalhas decisivas”.
Com a vitória da Revolução, mencheviques e centristas reingressaram dissimuladamente na organização de vanguarda do proletariado, assim como milhares de novos aderentes de insuficiente formação marxista. Prosseguiu o combate do leninismo contra as correntes pequeno-burguesas – no caso da dissolução da Constituinte; da paz de Brest, nos prazos da duração da NEP; da política de industrialização e na da coletivização da agricultura; da ofensiva para liquidar os kulaks como classe; da preparação do país para a guerra que se avizinhava. Nesses agudos conflitos predominou, em geral, o leninismo.
Num largo período, devido à força da corrente revolucionária e por temor às repressões políticas, os oportunistas refluíram, mudaram de tática. Exageravam nos aplausos à orientação de Stálin, nem sempre inteiramente correta. Kruschev foi um dos maiores bajuladores de Stálin. Quando este morreu, em 1953, os oportunistas voltaram à carga, mesmo sem ser, ainda, tendência estruturada e com plataforma própria. E conseguiram o que poderosos exércitos da burguesia não haviam alcançado – destruir o socialismo científico na URSS. Em 1956-1957, venceu a contrarrevolução pequeno-burguesa, revisionista, que existia embuçada no Partido. E dividiu o movimento revolucionário mundial.
O confronto ideológico entre a corrente leninista, revolucionária, e a pequena burguesia revisionista tem raízes históricas. A pequena burguesia, que constitui vasta camada social, existe não somente no capitalismo, aparece igualmente no socialismo. Objetivamente, opõe-se ao projeto do proletariado de construir uma sociedade de trabalhadores, de indivíduos iguais em direitos, sem classes, uma comunidade livre de privilégios e de parasitas.
Orienta-se no sentido de amainar a luta revolucionária do proletariado, cheia de imensas dificuldades e de grandes sacrifícios, dirigi-la pelo caminho das reformas de tipo burguês. Essa tendência pequeno-burguesa é revisionista por natureza, dado que o marxismo representa a teoria da luta de classes consequente cuja meta final é o comunismo. Suas ideias não são as mesmas do proletariado. O socialismo é a aspiração da classe operária, e não de outros setores sociais.
Marx e Engels sustentaram vigorosa luta contra as diversas doutrinas do socialismo pequeno-burguês. Propiciaram a base teórica para forjar a corrente proletário-revolucionária. Lênin dedicou boa parte de sua vida e de sua obra a esse mesmo objetivo. Seus livros estão impregnados de viva polêmica com as tendências oportunistas, seja no campo da filosofia e da política, seja no da organização partidária. Somos continuadores dessa luta, que a experiência histórica demonstra ser de longa duração.
Insuficiências e erros
O confronto ideológico, em 1956-1957, favoreceu a corrente adversa ao leninismo. Isso explica como ocorreu a derrota do socialismo na URSS. Mas ainda não explica o porquê da derrota. Somos de opinião que deficiências e erros no curso da construção socialista possibilitaram esse desfecho negativo.
O PCUS mostrava-se ideologicamente enfraquecido. Criara-se um clima de autossatisfação e comodismo que vinha da vitória na Segunda Grande Guerra, do prestígio internacional da URSS, do respeito e veneração por Stálin. Tudo estaria bem. O socialismo consolidado, o “quem vence quem” resolvido (!) a favor do socialismo, caminhava espontânea e gradualmente para o comunismo… Problemas conflitivos limitavam-se à área exterior.
É expressivo o testemunho de Enver Hoxha, que conviveu mais de perto com o PCUS, desde o fim do conflito mundial. Disse ele, em Os kruschevistas: “Penso que no Partido Comunista da União Soviética, já antes da guerra, mas de modo particular depois desta, observavam-se sinais de uma apatia condenável. Esse Partido gozava de grande renome, tinha alcançado grandes êxitos em seu caminho. Porém, havia começado a perder seu espírito revolucionário, e o burocratismo e a rotina o estavam contaminando. As normas leninistas, os ensinamentos de Lênin e de Stálin haviam sido convertidos pelos aparelhos em fórmulas e slogans surrados e sem valor para a ação”.
E, ainda: “Pouco a pouco começaram a estender-se o arrivismo, o servilismo, o charlatanismo, o nepotismo mórbido, a moral antiproletária. Tudo isso corroía o Partido, sufocava o espírito de luta de classes e de sacrifícios e o empurrava à busca de uma vida tranquila, de privilégios, de vantagens pessoais, de pouco trabalho e menor esforço”.
Observações semelhantes, mas em âmbito limitado, fizeram também vários camaradas do nosso Partido que haviam estudado na União Soviética, observações essas transmitidas à direção do Partido na época.
Tudo isso mostra que o PCUS estava desarmado ideologicamente para defender as ideias revolucionárias. Já não respondia às normas leninistas de que o Partido deve submeter-se permanentemente a um processo de autoconstrução ideológica, crítico e autocrítico, superando dialeticamente o que envelhece e abrindo espaço ao novo, revolucionário.
Na União Soviética a teoria progredia insuficientemente, passava por uma fase de relativa estagnação. Surgiam variados problemas, decorrência do desenvolvimento objetivo da sociedade em construção. Escasseavam respostas teóricas a tais problemas, gerando ausência de perspectiva. Medravam, em certa medida, o subjetivismo, o empirismo, o dogmatismo.
É nossa convicção que o ponto de partida da degenerescência do movimento socialista vem do 20º Congresso do PCUS, reforçado com o golpe de Estado de 1957, na URSS. Aí começa o processo de volta ao capitalismo que, entretanto, se apresentava como “desenvolvimento criador do marxismo-leninismo”.
O centro da luta contra o socialismo situava-se no deliberado ataque a Stálin que, à frente do Partido e do Estado, dirigia a construção socialista até o seu falecimento em 1953.
Mas o estudo que temos feito sobre o assunto em pauta nos leva a afirmar que, mesmo na época de Stálin, apareciam já elementos de degenerescência na sociedade soviética. A situação da URSS e do Partido, à qual nos referimos, evidencia esse fato. Questões outras, relacionadas ao Estado e ao Partido, reforçam essa opinião.
Em 1918, Lênin, num breve artigo, definiu os elementos essenciais do novo Estado socialista: “A democracia do poder soviético e o seu caráter socialista”– disse ele –“expressam-se no fato de que: o poder supremo do Estado são os sovietes, constituídos por representantes do povo trabalhador (operários, soldados e camponeses) livremente eleitos e revocáveis em qualquer momento pelas massas até agora oprimidas pelo capital; os sovietes locais se unem livremente, segundo os princípios do centralismo-democrático, no poder soviético nacional único, consolidado numa união federal da República Soviética russa; os sovietes concentram em suas mãos não só o poder legislativo e o controle do cumprimento das leis como também sua aplicação direta por meio de todos os membros dos sovietes, com vista a trasladar gradualmente o exercício das funções de legislação e administração do Estado a toda população, sem exceção”.
Nessa concisa definição, Lênin destaca os aspectos principais do poder proletário: origem popular e democrática, afirmação da soberania popular, exercício do poder pelas amplas massas trabalhadoras que controlam o Estado, translação progressiva ao nãoEstado. É um poder dinâmico, antiburocrático por excelência. Sua força reside na consciência política das massas, na participação voluntária dos trabalhadores nas tarefas estatais.
Esse o tipo de poder que se estabeleceu na União Soviética e perdurou durante largo período.
Demonstrou ser instrumento qualificado de construção da nova sociedade. Mobilizou as energias do povo, revolveu a antiga apatia das massas com relação à política em geral. Fez progredir amplamente a iniciativa criadora da população laboriosa.
Pouco a pouco, o Estado sofreu algumas alterações no seu conteúdo democrático e popular. Ainda que mantendo seus propósitos de defesa dos interesses do proletariado e da Revolução, converteu-se num órgão burocrático, afastado das massas. O poder tornou-se demasiadamente centralizado. Os sovietes, de maneira geral, tinham funções homologatórias, infringindo-se o princípio de que o centro decisório do Estado Socialista deve repousar nos órgãos da soberania popular. Substituía-se a atividade criadora das massas por métodos de aceitação formal das decisões adotadas na cúpula dirigente.
Além disso, realizavam-se, com ou sem justificação plausível, repressões políticas que atingiam setores populares. Violava-se a legalidade democrática, pretextando o acirramento da luta de classes, o que nem sempre correspondia à realidade política. Tais repressões criavam ambiente de temor que induzia à passividade e ao silêncio ante erros e defeitos existentes.
O Partido Comunista da União Soviética, força que dirigia politicamente o Estado e a sociedade, contribuiu decisivamente para as deformações apontadas. Assenhoreou-se do Estado. Monopolizou a vida da comunidade. O Estado Socialista é, porém, um sistema de alianças da classe operária com o campesinato, dirigido pelo proletariado. Tem seus mecanismos próprios de administração, que devem ser respeitados.
Estado e Partido são coisas distintas com funções definidas. Se não se estabelecerem relações justas, o Partido acaba absorvendo a atividade independente do Estado. Cria-se um sistema fechado, ultracentralizado, nas mãos do Partido, que poderia ser bem intencionado e até mesmo justificado em momentos agudos da luta de classes, mas inadmissível do ponto de vista dos princípios revolucionários.
Quando isso acontece, e de fato aconteceu, além dos prejuízos políticos, tudo que sucede de ruim, de incorreto, recai sobre o Partido, isolando-o das massas. Também a sociedade não pode ser dirigida mecanicamente, impondo-se critérios rígidos a serem obedecidos por todos, nos menores detalhes. Assim procedendo, esmagam-se a iniciativa e a criatividade no seio da população, fomenta-se o descontentamento generalizado.
A direção do Partido quanto ao Estado e à sociedade, indispensável à construção do socialismo, apoia-se fundamentalmente na democracia socialista e nos métodos de persuasão. A hegemonia política da organização de vanguarda tem de ser conquistada permanentemente, tanto no campo social quanto na direção do Estado. É preciso convencer os trabalhadores da justeza da orientação partidária, jamais impor, como verdades irrefutáveis, as nossas opiniões.
O Partido tem de ser um defensor resoluto da democracia socialista e da liberdade para o povo sem, contudo, cair no liberalismo burguês. Deve guiar as massas pelo caminho revolucionário da luta contra as ideias atrasadas, contra os inimigos do socialismo, estimulando o que é novo e progressista. Não se pode desenvolver a sociedade, na fase de transição, sem o uso da democracia e da liberdade.
Democracia socialista para incorporar grandes massas na atividade estatal, liberdade para combater a burocracia, os defeitos emergentes, a rotina conservadora.
As questões aqui abordadas criticamente, que refletem erros e deficiências na construção do socialismo na URSS, contribuíram para a derrota da força revolucionária, da corrente leninista, intérprete fiel da revolução proletária e do socialismo científico.
A direção de Stálin
Stálin, como o principal dirigente do PCUS e teórico marxista-leninista, tem responsabilidade no desastre sucedido com o socialismo na URSS.
Não foi ele quem deixou cair a bandeira revolucionária. Enquanto dirigiu o Partido e o Estado, os ideais da Revolução de 1917 sempre estiveram em lugar de destaque. Sobre os seus ombros, depois da morte de Lênin, recaía boa parte da tarefa histórica de dirigir a construção da nova vida. Defendeu o leninismo. Sistematizou a contribuição inestimável do chefe da Revolução de Outubro ao enriquecimento da teoria de Marx e Engels. No cumprimento de suas tarefas, enfrentou inumeráveis dificuldades. Soube superar, sem vacilação, os condicionamentos históricos que, em vários casos, atropelavam a marcha normal da transição socialista.
Estadista de larga visão, neutralizou inimigos poderosos, desbravando caminhos para alianças amplas e necessárias. Jamais permitiu o isolamento da URSS. Na Segunda Grande Guerra, concentrou as esperanças dos povos do mundo inteiro que aspiravam a esmagar o nazi-fascismo e a construir um mundo de liberdade e justiça social.
Por tudo isso, Stálin adquiriu enorme prestígio dentro e fora da União Soviética. Sua figura dominava o movimento revolucionário mundial.
É necessário reconhecer esse papel de Stálin. Não se faz História ignorando fatos reais. Tanto mais que ele comandou com êxito a construção do socialismo na URSS, primeira grande experiência de transformação radical da sociedade humana.
Mas Stálin revelou também deficiências, cometeu erros, alguns graves, equivocou-se em questões importantes da luta de classes. Particularmente no fim da vida, exagerou seu papel de dirigente máximo. Caiu no subjetivismo e, de certo modo, no voluntarismo. Permitiu o culto à sua personalidade que conduzia à subestimação do Partido enquanto organização de vanguarda.
As debilidades ideológicas do Partido no enfrentamento com os revisionistas, em 1956-1957 – toda a velha guarda bolchevique deixou se envolver nas maquinações de Kruschev –, demonstram que Stálin não deu atenção suficiente, em especial a partir da década de 1940, à formação leninista e à luta ideológica, problemas-chave da luta de classes. Criou o fetiche da direção que tudo sabe e tudo resolve, direção que se reduzia ao Birô Político e, dentro do Birô, a ele próprio. Sem dúvida, a direção joga papel de primeiro plano. É verdade que sem uma direção firme e prestigiada, o Partido não cumpre a sua missão. Mas não pode prescindir, em suas decisões fundamentais, da opinião e da aprovação consciente do conjunto do Partido. Este, deve estar sempre armado ideológica e politicamente para não se deixar confundir com opiniões e medidas que se desviam da rota revolucionária, tal como aconteceu nos idos da metade do século.
Em dezembro de 1926, Stálin combateu eficazmente a opinião de Zinoviev que, desvirtuando Lênin, identificava “a ditadura do proletariado com a ditadura do Partido”. Se isso fosse verdade, dizia Stálin, então “o Partido teria de substituir o método da persuasão por ordens e ameaças ao proletariado, coisa absurda e incompatível em absoluto com a concepção marxista da ditadura do proletariado”. É uma opinião justa, leninista. Entretanto, mais tarde, com a burocratização do aparelho estatal e a excessiva centralização da atividade dirigente do Partido, Stálin concorreu para uma superposição do Partido ao Estado de tal modo que anulava, em boa parte, a atuação independente do Estado e de suas instituições.
A tese de Stálin de quanto mais avança a construção do socialismo, maior é o acirramento da luta de classes mostrou-se equivocada. Conduziu a repressões continuadas e possivelmente desnecessárias, com repercussão negativa na credibilidade do regime. Dificultou o fortalecimento da legalidade democrática e socialista, indispensável à consolidação do sistema de ditadura do proletariado. Como indicam as nossas teses ao 8º Congresso, “a luta de classes (…) tem altos e baixos. Seria errôneo pensar que, pouco a pouco, declina até desaparecer. Há momentos de aparente calmaria. Em outras ocasiões, a luta de classes se agrava, ameaçando o poder do proletariado. Isso se relaciona às dificuldades inerentes à construção do socialismo, em momentos de maior tensão e, também, à pressão ideológica, política e militar do imperialismo que, muitas vezes, assume feição extremamente agressiva”.
A luta de classes, particularmente no terreno das ideias, não pode ser tratada de maneira rígida. Stálin acentuou principalmente o seu aspecto repressivo que, em certas ocasiões, é indispensável. Deu menor importância ao outro aspecto, ao essencial, que é o da argumentação, o da fundamentação política e teórica. Este, precisamente, é o aspecto que coloca o Partido e isola os portadores de opiniões errôneas. Lênin, nesse sentido, foi um exemplo de firmeza e tolerância. Combateu todos os inimigos do socialismo com a arma da ideologia proletária, escreveu centenas de artigos refutando as ideias falsas, dizendo quem é quem. Demoliu, nesse combate, adversários empedernidos do marxismo e da luta revolucionária pelo comunismo.
Stálin deu contribuições valiosas no campo teórico, que merecem ser estudadas. Mas sua produção nesse terreno não acompanhou as exigências do desenvolvimento rápido da URSS. A sistematização da prática rica de ensinamentos da construção socialista não se fez. Stálin escreveu sobre linguística, sobre materialismo dialético e histórico, sobre problemas econômicos, repetindo corretamente as ideias marxistas acerca da passagem ao comunismo em termos abstratos. Não pesquisou, porém, os fenômenos novos, não lhes deu tratamento científico. É como se bastassem as indicações de Marx, Engels, Lênin, que não viveram a edificação socialista. Entretanto, o avanço da sociedade soviética, como tudo o que progride, tinha de apresentar questões originais a serem examinadas à luz da ciência social. Não questões isoladas, aleatórias. Mas toda uma vasta soma de experiências que se deviam traduzir em parâmetros mais altos do conhecimento. Lênin fez isso no campo da Filosofia, com o Materialismo e empiriocriticismo. No terreno da pesquisa científica, com o Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Na esfera do socialismo, com a teorização da revolução num único país. E assim por diante. Stálin não esteve à altura da generalização da prática revolucionária. E por isso caiu, em certa medida, no subjetivismo, no empirismo, que se manifestaram na orientação do Partido. Em tais circunstâncias, a teoria revolucionária estagnou.
Apresentando, neste Informe, os defeitos que julgamos de maior peso na atividade de Stálin, como dirigente principal do Partido, é nosso propósito relacioná-los aos fatos subsequentes que motivaram a derrota do socialismo na URSS. Ele não é o responsável direto, imediato. Mas influiu, indiretamente, com suas posições equivocadas e com o estancamento teórico, no desfecho da contenda antissocialista.
A reação e os oportunistas atribuem a Stálin toda sorte de crimes. Falam de “modelo” stalinista, de “método” stalinista, de “concepção” stalinista, com o objetivo de desacreditarem o regime soviético. Pregam o ódio ao socialismo e ao Partido na figura de Stálin, explorando aspectos parciais negativos de sua atuação revolucionária. Pretendem dividir os comunistas entre stalinistas e nãostalinistas. Na verdade, a categoria stalinismo é forjada pelos inimigos de classe. O ataque ao stalinismo tem sido um artifício para manifestar oposição a certos conceitos básicos do socialismo, para introduzir ideias revisionistas. Fundamentalmente, esse ataque leva ao anticomunismo.
Rechaçamos a propaganda insidiosa da reação. Não somos stalinistas. Tampouco, somos antisstalinistas. Avaliamos a figura de Stálin no plano histórico. Ele esteve, juntamente com o Partido Bolchevique, à frente das grandes batalhas pela transformação radical do velho mundo capitalista. Nesses embates, a par dos méritos incontestáveis, mostrou falhas e deficiências, cometeu erros que prejudicaram a causa do proletariado.
A crise do socialismo
Desde há muito, em ligação aos acontecimentos que vimos examinando, instalou-se uma crise de certa profundidade no movimento marxista-leninista. Crise no campo da teoria, da Filosofia, da própria concepção de socialismo. Não surge de um pretenso envelhecimento da doutrina marxista, como dizem os reacionários, mas do descompasso da ciência social com a realidade em constante mutação. Oriunda do PCUS, partido respeitado e admirado pelos combatentes de vanguarda de todo o mundo, espalhou-se amplamente e gerou situação caótica nas fileiras comunistas.
Dispersão teórica e vacilações de toda ordem constituem traços marcantes da situação atual. Contestam-se a luta de classes como a força motriz do desenvolvimento da sociedade dividida em classes antagônicas e o próprio papel da classe operária na direção do movimento revolucionário. Questiona-se a ditadura do proletariado que seria incompatível com um regime de liberdade e justiça social. Coloca-se em dúvida a possibilidade de construir o socialismo em países atrasados. Nega-se ao Partido Comunista o papel de vanguarda, de dirigente da revolução e da construção socialista. Julga-se incorreto o método do centralismo-democrático.
Absolutiza-se o pluripartidarismo no socialismo. A teoria de Marx e Engels seria aplicável somente à fase anterior do capitalismo, não corresponderia à época atual de um capitalismo ultradesenvolvido com a revolução tecno-científica. O leninismo estaria impregnado de blanquismo, de radicalismos desnecessários. A própria filosofia marxista teria exagerado o aspecto dialético, o salto revolucionário, alheando-se da evolução que seria o principal fator de desenvolvimento da sociedade. Enfim, permeiam o movimento socialista mundial teses as mais variadas que constituem, em geral, a negação de princípios essenciais da doutrina marxista, a revisão dos fundamentos dessa doutrina.
Essa crise grave, que dura longo tempo, exacerbou-se com o sucedido no Leste Europeu e na União Soviética. A campanha anticomunista mundial, em nível jamais conhecido, estimula as tendências contrarrevolucionárias.
A crise instalada no socialismo corrói a luta do povo por um futuro melhor, enfraquece o impulso combativo dos trabalhadores, incentiva o culto à espontaneidade. É um sério obstáculo ao progresso social. Atingindo em cheio a teoria de vanguarda, priva o movimento de massas do fator consciente, que é o motor da ação consequente. “Sem teoria revolucionária”– disse Lênin –“não há movimento revolucionário”.
A superação dessa crise é questão decisiva para a retomada da ofensiva contra o capitalismo em decomposição. No início do século, verificou-se também algo semelhante. Lênin convocou ao combate. “Não há nada mais importante”– afirmou –“do que o agrupamento compacto de todos os marxistas que compreendem a profundidade da crise (do marxismo) e a necessidade de lutar contra ela, para manter os fundamentos teóricos do marxismo e suas teses fundamentais, desfiguradas, por todos os lados, mediante a difusão da influência burguesa entre os diversos ‘companheiros de viagem’ do marxismo”.
Essa convocação de Lênin é oportuna para os dias de hoje e, com mais razão, dada a envergadura da crise. Torna-se necessário cerrar fileiras em defesa dos fundamentos do marxismo atacado pelos revisionistas e pelos oportunistas de todo tipo, com a ajuda da reação mundial.
Lamentavelmente, ainda é débil a luta contra a crise do marxismo, que apresenta maior complexidade por envolver o socialismo no poder e abarcar o conjunto do movimento revolucionário. Boa parte dos partidos operários aderiu ao revisionismo.
Somente nestes últimos tempos, alguns deles começam a reagir à falsa orientação liderada pelo extinto PCUS. As organizações marxista-leninistas concentraram seus esforços na crítica ao revisionismo contemporâneo, dispersando pouca atenção, no plano teórico, às deformações verificadas na construção do socialismo.
Mas é deficiente a crítica apenas ao revisionismo. Não se poderá vencer a crise sem desenvolver a teoria, o que significa atualizar o marxismo que “não é um dogma morto, uma doutrina acabada, preparada, imutável” (LÊNIN). São muitos os problemas a enfrentar, entre os quais a elaboração da experiência adquirida nestes muitos anos de luta de classes e de vigência do socialismo, a sistematização dos elementos novos que serão incorporados à teoria do marxismo-leninismo.
É tarefa árdua que requer esforço persistente de pesquisa e elaboração científica, alicerçada no materialismo dialético e histórico. Devemos preparar-nos, os revolucionários de todo o mundo, para cumpri-la no mais breve prazo.
Engels recomendava “sobretudo aos chefes, instruir-se cada vez mais em todas as questões teóricas (…) e ter sempre presente que o socialismo, desde que se tornou ciência, exige que se o trate como tal, isto é, que se o estude”.
O combate pela superação da crise do marxismo é a grande tarefa histórica da atualidade, ligado, sem dúvida, à conscientização das massas e à ação política em defesa dos direitos democráticos e dos interesses vitais dos trabalhadores e do povo.
Reafirmação de princípios
No momento em que a reação faz intensa campanha contra o comunismo, e quando os oportunistas põem em dúvida princípios básicos da nossa teoria, tentando abalar convicções na inevitabilidade do fim do capitalismo e do triunfo do socialismo, cabe aos revolucionários persistirem na luta em defesa da grande doutrina de Marx, Engels, Lênin, que indica o caminho seguro da vitória.
Nós, do Partido Comunista do Brasil, reafirmamos, neste 8º Congresso do Partido, a decisão de continuar partidários inabaláveis da teoria do marxismo-leninismo, cuja essência está no seu espírito crítico e revolucionário, teoria em constante elaboração, assimilando os fenômenos novos do desenvolvimento da vida econômica, política, social e cultural.
Opomo-nos resolutamente às tendências que, desde Bernstein, tratam de rever o marxismo, retirando-lhe o conteúdo revolucionário e desfigurando o caráter proletário-revolucionário do Partido.
Persistimos na ideia de que a luta de classes é a força motriz do desenvolvimento das sociedades divididas em classes antagônicas. E que a classe operária, pela posição que ocupa no sistema de produção, é o destacamento social que comanda as transformações radicais da sociedade rumo ao comunismo.
Contrapomo-nos àqueles que adulteram a conceituação marxista do caráter de classe da luta pelo socialismo e tentam impingir fórmulas social-democratas falidas da passagem ao socialismo sem revolução e sem a direção do proletariado. A “via democrática” para o socialismo representa subordinar-se às regras do jogo do sistema burguês e manter-se nos marcos do capitalismo.
Mantemos a opinião de que a ditadura do proletariado é o conteúdo essencial do Estado Socialista que nasce da revolução e conduz, através de um processo de transição, à sociedade sem classes, ao comunismo. Ditadura de uma classe e não ditadura de um indivíduo ou de pequeno grupo, que condenamos. Todo Estado é uma ditadura de classes e quando deixar de sê-lo já não mais será Estado propriamente dito.
Propugnando a mudança radical na sociedade, asseveramos que o socialismo apresentará diversidade de formas e diferentes estágios de desenvolvimento, segundo a realidade existente nos países onde triunfe a revolução. Não valem cópias mecânicas e modelos rígidos de socialismo, nem mesmo quanto aos órgãos constitutivos do poder proletário ou aos sistemas de alianças. O socialismo vencerá em países bastante desenvolvidos, e triunfará também nos de pouco desenvolvimento. As diferenças de condições econômicas e sociais determinam desigualdades na realização concreta da construção da nova vida, anticapitalista.
Sustentamos a ideia de que o Partido Comunista, marxista-leninista, é a vanguarda dirigente da Revolução e do Estado Socialista. Sem um partido revolucionário em luta constante contra as tendências adversas ao marxismo, capaz de ultrapassar todos os obstáculos à realização de seus objetivos estratégicos e táticos, é impossível vencer a burguesia, libertar os explorados e oprimidos, firmar os alicerces da sociedade comunista. O Partido deve ser a expressão da unidade de vontade e de ação dos seus militantes, como base da unidade maior das forças que combatem a burguesia e aspiram ao progresso social.
Repudiamos as tendências oportunistas de tentar implantar no Partido o democratismo pequeno-burguês, a convivência pacífica de ideias marxistas com ideias social-democratas, liberais ou anarquistas no interior das organizações partidárias. O marxismo-leninismo, ideologia da classe operária, é a ideologia do Partido operário.
Insistimos na defesa do centralismo-democrático – o método marxista de organização do Partido.
O socialismo é um sistema centralizado democraticamente, tendo por base as massas trabalhadoras. Contrasta com a dispersão pequeno-burguesa que impede a direção única e planificada da economia e o desenvolvimento harmonioso da comunidade. Também o Partido é dirigido por um centro único, eleito democraticamente em seus Congressos. Centros paralelos de direção, exprimindo tendências diversas, liquidam a unidade partidária e o próprio Partido.
Ao reafirmar posições de princípios, rejeitamos o dogmatismo, que é o oposto da doutrina sempre viva e criadora do marxismo-leninismo. Repudiamos também a estreiteza sectária que fossiliza o Partido. Os princípios são os alicerces sólidos sobre os quais se constrói a concepção proletária do mundo, revolucionária por excelência. Fundam-se na ciência social de Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e seus discípulos.
Internacionalismo proletário
Encerrando esta parte da exposição sobre o socialismo, desejamos salientar a necessidade de buscar novas formas de relacionamento no movimento revolucionário internacional, tendo em vista sua futura unificação. É uma afirmação de internacionalismo proletário.
Com a dominação do revisionismo contemporâneo na URSS, ocorreu, a partir do início dos anos 1960, profunda divisão daquele movimento. A grande maioria dos partidos comunistas apoiou o PCUS e sua orientação geral. Outra parte levantou-se contra as posições políticas e ideológicas dos dirigentes soviéticos. Surgiram inúmeros partidos, relativamente pequenos, que se proclamaram marxista-leninistas. O PCdoB, fundado em 1922 e reorganizado em 1962, no curso de sua atividade nas últimas três décadas, transformou-se no único partido da esquerda revolucionária no Brasil.
À divisão seguiu-se a ruptura de relações entre as duas partes – os que apoiavam o PCUS e os que a ele se opunham –, em certa medida inevitável, devido ao antagonismo de posições. Essa divisão, que dura largo tempo, enfraqueceu bastante o movimento operário revolucionário mundial que, com a III Internacional, havia alcançado elevado nível de unidade. O VII Congresso da IC, em 1935, foi um ponto alto, contribuindo para a unificação da luta mundial dos trabalhadores e dos povos contra a grave ameaça do nazi-fascismo, em defesa da revolução e das grandes conquistas de 1917.
A derrota do revisionismo na União Soviética e no Leste Europeu, por incrível que pareça, favorece o acercamento entre as correntes que se pretendem partidárias do socialismo científico. Vários partidos, antes ligados ao PCUS, procedem a um exame crítico do que se passou na URSS e no movimento comunista. Na própria União Soviética há esforços por reconstruir as forças fiéis ao marxismo-leninismo.
É preciso reestruturar a unidade, especialmente quando há um ataque concentrado do inimigo de classe em plano mundial. Acreditamos não ter chegado ainda o momento de criar organismos internacionais ou mesmo de realizar reuniões deliberativas ampliadas. As divergências, em distintos graus, continuam existindo, estão longe de ser superadas. Mas é possível fazer encontros bilaterais e mesmo reuniões informais para intercambiar opiniões e aproximar os pontos de vista sobre problemas comuns.
O Partido Comunista do Brasil, sem renunciar às posições de princípios que vem sustentando desde a sua reorganização, em 1962, fará tudo o que puder para melhorar as relações entre os partidos e organizações revolucionárias, particularmente na América Latina, visando a fortalecer o internacionalismo proletário. Nesse sentido, intensificará a luta contra a ofensiva anticomunista, em defesa da liberdade, da soberania nacional, do socialismo científico. Manifestará solidariedade e dará todo apoio possível às lutas dos trabalhadores e dos povos por sua libertação.
*Trecho do Informe Político ao 8º Congresso Nacional do PCdoB, realizado em 1992.
João Amazonas, ex-presidente Nacional do Partido Comunista do Brasil, falecido em 2002.