A história do movimento sindical trabalhista na Grã-Bretanha
Nasce o Trade Union Congress
Manifestação operária na Inglaterra no final do século 19.
Em 1868 as bolsas de trabalho de Manchester e Salford resolveram convocar um congresso com todas as organizações operárias da Grã-Bretanha. Deste congresso, realizado em 1869, nasceu o Trade Union Congress (TUC, na sigla em inglês). Os 40 delegados, representando 250 mil trabalhadores, aprovaram a resolução de que a nova entidade deveria se reunir anualmente. Entretanto, levaria ainda mais dois anos para que o TUC criasse um comitê de ligação permanente, cujo principal objetivo não era o de coordenar a luta sindical, mas sim o de acompanhar os debates no parlamento e pressionar os deputados pela aprovação de projetos benéficos aos trabalhadores.
Logo ficou claro que o simples acompanhamento e a pressão externa sobre os deputados burgueses se mostraram insuficientes, mesmo dentro de uma estratégia reformista. Era necessário eleger uma bancada operária, ou seja, trabalhista. O TUC então conclamou os sindicatos a sustentarem política e financeiramente os candidatos vinculados ao movimento operário e comprometidos com a luta pela “propriedade coletiva dos meios de produção” (1).
Um congresso extraordinário, realizado em 1900, aprovou a formação de um grupo trabalhista no parlamento e, para coordenar este esforço, criou-se o Labour Representation Committee (LRC, na sigla em inglês). Um caixa eleitoral foi formado para sustentar os candidatos trabalhistas. Esta seria alimentada com as contribuições obrigatórias dos trabalhadores que, no ato da sindicalização, passavam a ser filiados também a uma organização política. O LRC elegeu em 1906 uma bancada de 29 deputados – a grande maioria sindicalista –, que passam a formar no parlamento um grupo bastante homogêneo. Nascia assim o Labour Party (Partido Trabalhista). Ele nasceu ligado organicamente aos sindicatos, mas não se propunha a ser um partido explicitamente marxista e socialista. Mesmo assim, a sua criação causou temor entre os setores mais conservadores da sociedade britânica.
A contra ofensiva patronal não demorou e chegou através de um sindicalista de nome Osborne. Alegando que as contribuições sindicais ao Labour quebrariam a “independência” dos sindicatos, solicitou na justiça a sua proibição. A Câmara dos Lordes rapidamente acatou a queixa e tomou a decisão: “As unions não têm o direito de contribuir financeiramente com um partido político.” (2). Os sindicatos lançaram uma grande campanha contra a intromissão indevida do Estado na vida sindical. Quem deveria decidir para onde iria o dinheiro dos trabalhadores eram os próprios trabalhadores. A campanha culminou em 1913 com a vitória dos sindicalistas e a abolição das restrições. A partir desta data, cada vez mais as despesas do aparelho central do Labour Party seriam mantidas pelas contribuições dos sindicalizados. Nos anos 1970 elas representavam 88% de toda a receita do Partido Trabalhista (3).
Greve geral de 1926 mostra o caráter vacilante da direção do sindicalismo
Em abril de 1926, dentro da estratégia de reestruturação das minas britânicas, os patrões iniciaram demissões massivas dos mineiros que se recusavam a aceitar a redução salarial e a ampliação da jornada de trabalho. Os operários lançaram a palavra de ordem: “Nenhum centavo menos nos salários, nenhum minuto a mais de trabalho.”. Estava aceso o estopim do que seria o maior conflito social da história recente da Grã-Bretanha.
O Conselho Geral do TUC, que assumiu a direção do movimento, buscou até a última hora impedir a eclosão da greve. Chegou a aventar a possibilidade de aceitar uma redução menos drástica dos salários, contra a vontade dos mineiros. O governo, sentindo as vacilações da direção sindical, endureceu o jogo e rompeu as negociações.
No dia 3 de maio iniciou-se a greve geral. Cerca de 3 milhões de trabalhadores paralisam as suas atividades. O movimento superou todas as expectativas do governo e dos próprios sindicatos. Dia a dia foi ficando claro o contraste entre a radicalidade e amplitude do movimento e a modéstia dos objetivos a ele impostos pela TUC.
Depois de mais de uma semana de greve, que abalaria profundamente a economia britânica, a direção capitulou e estabeleceu um acordo aceitando o rebaixamento salarial em troca da não demissão dos grevistas. Então, a greve geral foi interrompida. Os mineiros recusaram a proposta e, praticamente, foram deixados à própria sorte. A paralisação nas minas duraria ainda seis meses até ser definitivamente derrotada.
Os conservadores, aproveitando-se da derrota dos operários, fizeram aprovar no parlamento o Trade Dispute Act, uma legislação que restringia drasticamente a ação política e reivindicatória dos sindicatos ingleses. A lei determinava que ficavam proibidas: a cotização política dos sindicalizados ao Labour Party; as greves nos serviços públicos; as greves que ultrapassassem o limite de uma determinada empresa, o que punha fim às greves de solidariedade; e, por fim, ficava vetada qualquer paralisação política visando a pressionar decisões governamentais (4). A burguesia não estava, naquele momento, disposta a aceitar nenhuma forma de organização independente dos trabalhadores, mesmo que fossem o TUC e o Labour Party.
James Keir Hardie, fundador do Partido trabalhista e seu primeiro deputado.
A primeira experiência dos trabalhistas no poder foi bastante conturbada
No início de 1924, algo inesperado acontece: o Partido Trabalhista foi chamado para compor o governo e seu dirigente Ramsay MacDonald indicado ao posto de primeiro-ministro. O espanto foi geral. Os trabalhadores comemoraram. Para os conservadores britânicos, um sindicalista no governo era o fim do mundo. Mas a alegria dos operários logo se transformou em frustração, e a apreensão da burguesia em certo alívio. Nos nove meses que esteve à frente do governo, sem maioria parlamentar, o Labour Party não conseguiu realizar quase nada do seu programa inicial. Embora o monstro não fosse tão feio assim, ainda não inspirava muita confiança às classes dominantes. Por isto elas se uniram para derrotar os trabalhistas nas eleições que ocorreriam em novembro daquele mesmo ano. Assim, a experiência trabalhista no poder teve curtíssima duração.
Às vésperas da grande depressão em 1929, os trabalhistas voltaram ao centro do poder. O Labour Party, naquele momento, era o maior partido britânico, mas ainda não dispunha de uma maioria parlamentar. Esta correlação de forças, novamente, não lhe permitiu implementar medidas mesmo com leve verniz reformista. Nem mesmo conseguiu fazer abolir o famigerado Trade Dispute Act. Os trabalhistas se recusaram a mobilizar as massas para apoiá-los contra o parlamento conservador.
Com o agravamento da crise econômica e o aumento do desemprego, o governo propôs uma pausa nas reivindicações operárias. O primeiro-ministro Ramsay MacDonald defendeu a formação de um governo de união nacional. A maioria dos sindicalistas e a própria direção do partido recusaram a proposta e o ministro simplesmente rompeu com os trabalhistas. Dividido e enfraquecido, o Partido Trabalhista sofreu uma séria derrota eleitoral que, desta vez, o deixaria fora do governo por cerca de quinze anos.
Com o clima político criado no pós-Segunda Guerra Mundial, um certo desejo de mudança levou a uma estrondosa vitória dos trabalhistas nas eleições de julho de 1945. Finalmente, o partido obteve maioria no Parlamento e podia realizar na íntegra, se assim o desejasse, o seu programa de governo. E agora? Nos primeiros anos, pressionado pela opinião pública, tomou algumas medidas de impacto, como a nacionalização das minas de carvão e do Banco da Inglaterra. Estabeleceu também uma eficiente rede de assistência social e instituiu o princípio da gratuidade para todos os serviços médicos. Além disso, finalmente conseguiu a revogação do famigerado Trade Dispute Act.
Labour Representation Comitee em 1910
No auge do trabalhismo, o TUC condena as greves e persegue os comunistas
As profundas alterações da conjuntura internacional, com a eclosão da “guerra fria”, modificaram o quadro político na Inglaterra e as direções do Partido Trabalhista e do TUC se deslocaram cada vez mais à direita. Ironicamente, o governo trabalhista foi o responsável por colocar a Grã-Bretanha sob as asas do imperialismo estadunidense. A política interna reformista se articulava com uma ação pró-imperialista no exterior. Contudo, o aumento dos gastos militares teve reflexo direto nas políticas públicas, com cortes no orçamento para os projetos sociais.
O TUC cada vez mais buscou pôr freios na luta dos operários, reduzindo as demandas salariais. Em 1947, durante uma das muitas “greves selvagens” (não oficiais), Lawther, dirigente do TUC, afirmaria: “Esta greve deve ser combatida por todos os membros leais ao sindicato. Nós não a toleramos. É preciso que o governo se empenhe, por todos os meios, em fazer cessar esses criminosos ataques que põe a produção em perigo.” (5).
Neste período, os comunistas conheceram certo crescimento e se tornaram os principais dirigentes dessas greves. Temendo a redução de sua influência, a direção do TUC iniciou um inquérito sobre a presença comunista nos sindicatos, que culminou no afastamento de várias lideranças operárias de esquerda.
Nas eleições de 1951, os trabalhistas sofreram nova derrota. Mesmo assim, não abandonaram sua política de conciliação de classe e pró-imperialista. Só que o partido, em função da sua base social operária, não estava imune à radicalização das massas. O Labour Party passou por crises internas, que o levaram a amargar sucessivas derrotas nas eleições de 1955 e 1959. A política estabelecida pela direção dos sindicatos passou a ser: “Não pedir aos conservadores nada que os trabalhistas não estejam em condições de conceder caso cheguem ao poder.” (6)
Central sindical assume de vez a postura reformista e assina um pacto social
Os trabalhistas voltaram ao poder em 1964 e nas eleições de 1966 consolidaram sua posição. Os líderes sindicais, não querendo criar embaraços ao novo governo, mais do que depressa estabeleceram um pacto social com o patronato e o governo. Este se dá através da assinatura da “declaração comum de intenções sobre a produtividade, os preços e as rendas”. Na prática, os sindicatos davam o seu aval à política de arrocho promovida pelo governo trabalhista. As bases, no entanto, não aceitariam de braços cruzados o novo “pacto trabalhista” e, em muitos momentos, atropelaram suas próprias direções sindicais.
Em setembro de 1968, no Congresso de Scarbouth, a esquerda trabalhista, liderada por Hugh Scalon e Franck Cousin, conseguiu maioria dos votos e aprovou uma moção bastante crítica à política econômica implementada pelo primeiro-ministro Harold Wilson. Scalon afirmaria: “Durante cinco anos, o governo trabalhista serviu-se de métodos tradicionais para resolver os problemas econômicos. Os preços foram elevados, reduziu-se a produção, aumentou-se o desemprego e o padrão de vida foi mantido a um nível abaixo do que devia. Após cinco anos de espera e de experiências amargas, devemos dizer que chegou o momento de pôr um fim a esta política.” (7).
Na verdade, as lideranças sindicais estavam fortemente pressionadas pelo movimento de massas, que se radicalizava. O governo Wilson tentou impor um limite máximo de 3,5% nos reajustes dos salários — índice bastante abaixo da capacidade de pagamento de muitos ramos industriais em expansão. Esta medida ia também contra o direito tradicional de livre negociação entre patrões e empregados. Os operários responderam com greves, a maioria sem o consentimento do TUC e das direções sindicais (8).
Diante da onda grevista, a ministra do Emprego e da Produtividade, Barbara Castle, apresentou um projeto de lei visando a regulamentar o direito de greve. A própria direção do TUC se levantou contra tal projeto e lançou uma campanha pela sua rejeição. O governo foi obrigado a recuar e, em troca, os sindicatos se comprometeram a conter as greves selvagens. Mas este compromisso não poderá ser cumprido por parte dos sindicalistas, visto que não tinham mais o controle sobre suas bases. Nos fins de 1969, a política de austeridade foi renovada, agora com a oposição dos sindicatos.
Os trabalhistas, desgastados, colheriam amargos frutos nas eleições de 1970. De um lado, a burguesia não confiava mais na capacidade do Labour Party de dar paz e tranquilidade ao capitalismo britânico, ameaçado pelas sucessivas greves. De outro lado, os trabalhadores já não alimentavam nenhum entusiasmo pelos trabalhistas, que não se mostravam tão diferentes dos conservadores.
Sindicalismo vira refém no revezamento de poder entre conservadores e trabalhistas
O governo conservador eleito, liderado por Heath, adotou uma política de confronto aberto com os sindicatos. Ainda em 1970 aprovou-se o Industrial Relation Act, uma legislação bastante restritiva à liberdade sindical e ao direito de greve. Os conservadores criaram o Tribunal Nacional de Relações Industriais, no qual todos os sindicatos deveriam se registrar. Esse tribunal, quando solicitado, poderia impor a qualquer categoria um período de pré-aviso de 60 dias antes da deflagração de um movimento grevista, e a obrigatoriedade de escrutínio secreto entre os trabalhadores para a aprovação da proposta de greve. Ele estabelecia também uma lista de práticas desleais que passariam a ser passíveis de condenação legal (9).
O TUC reagiu e boicotou o cadastramento sindical. As greves voltaram a se multiplicar. Se em 1970 a Grã-Bretanha havia perdido 12 milhões de dias nas greves, em 1972 este número já subia para 24 milhões de dias (10). Nesse jogo de força, o governo levou a pior. Diante de ameaça de nova greve geral dos mineiros, o governo Heath foi obrigado a dissolver o parlamento e convocar novas eleições. Estava aberto o caminho para a volta dos trabalhistas ao poder.
Entre as primeiras medidas do novo governo trabalhista, liderado por Callaghan, encontra-se a revogação do Industrial Relation Act. Durante mais de dois anos a direção do TUC aceitará a diminuição relativa do poder de compra dos salários sob a velha argumentação de que era preciso dar tempo às empresas para se reorganizarem tendo em vista a concorrência internacional. Mas, novamente, ela não conseguiu estancar completamente o descontentamento das bases sindicais.
A represa começa a vazar água no fim da década de 1970. Em 1978, uma moção em oposição à política econômica trabalhista foi aprovada no congresso do TUC. Um ano depois a represa estourou. Inúmeras greves sacudiram o país (caminhoneiros, empregados em hospitais, distribuição de água etc.). A resposta do governo viria no congresso do Partido Trabalhista: “O poder dos trabalhadores é tal”, afirmou Callagham, “que uma corporação pode sozinha colocar em perigo o funcionamento da sociedade.”. Segundo ele, era preciso alterar esta situação, pois “a sociedade não podia ficar refém de alguns sindicatos” (11).
A política salarial restritiva e o aumento da mobilização dos trabalhadores provocaram várias fissuras entre a direção de alguns sindicatos e o governo. E será esta crise interna dos trabalhistas a principal responsável pela derrota nas eleições de 1979 e a ascensão da ultraconservadora Margaret Thatcher. Este acontecimento representou uma das mais sérias derrotas do trabalhismo na Grã-Bretanha desde a sua formação.
A estrutura do TUC e o papel dos representantes de base — Shop Stewards
O TUC é a única central sindical da Grã-Bretanha. No final dos anos 1980, possuía cerca de 8,5 milhões de sindicalizados. A entidade se reunia em congressos anuais, nos quais discutia o seu plano de ação. Mas, o verdadeiro poder de decisão estava nas mãos dos grandes sindicatos, como o Transport and General Workers Union (TGWU, na sigla em inglês), com cerca de 2 milhões de membros, e o Almagameted Union of Engineerring Workers (AUEW, na sigla em inglês), que congregava mais de 1,3 milhões de aderentes.
O número de unions (sindicatos) reduziu-se devido ao processo de unificação de diversas entidades locais e de categorias afins. No início do século existiam 1.223 sindicatos para 2.022.000 sindicalizados. Em 1966, o número de sindicatos já estava reduzido a 564, que congregavam 10.111.000 sindicalizados. Em 1978, mais de 2/3 dos sindicalizados pertenciam a apenas 10 grandes sindicatos (12).
O TGWU, que sozinho representa quase um terço dos efetivos do TUC, desenvolveu-se absorvendo outros sindicatos menores e hoje, apesar do nome, representa mais de 11 categorias profissionais (indústria automobilística, construção civil, petroleiros, transporte rodoviário, alguns serviços públicos etc.). Apesar de existir uma única central sindical, na base ocorre uma justaposição da ação de vários sindicatos. Isto tem sido motivo de inúmeros conflitos.
A burocratização dos sindicatos e a sua postura conciliadora diante dos patrões e do governo, que sistematicamente pauta a sua política econômica pelo bloqueio dos salários, levaram a certa apatia das massas trabalhadoras em relação às entidades sindicais. Nos fins da década de 1970, em média, menos de 6% dos sindicalizados participavam das eleições do comitê diretor e da presidência das entidades. Na TGWU, a eleição de 1978 para a substituição de Jack Jones se deu sob a indiferença da maioria dos sindicalizados. Moss Evans triunfou com 348 mil votos contra 119 mil do seu concorrente. A TGWU contava com aproximadamente com 2 milhões de membros (13).
A alma do sindicalismo britânico se deslocava gradualmente das grandes estruturas para as organizações por locais de trabalho. Existia na Grã-Bretanha uma rede de centenas de milhares de representantes sindicais na base. Estes representantes, chamados Shop Stewards, eram eleitos diretamente dentro dos locais de trabalho — embora devessem ser posteriormente reconhecidos pelas direções sindicais, o que geralmente acontecia. Nas principais empresas, os delegados dos diversos sindicatos formam um comitê unitário, o que possibilitava enfrentar os empresários e, assim, minimizar o efeito da pulverização sindical na base.
Os Shop Stewards, que existem desde o início do século, são um constante transtorno para a burguesia e uma ameaça permanente às direções burocráticas dos sindicatos. Através deles as forças de esquerda muitas vezes conseguiram aprovar algumas de suas propostas e influenciar o movimento sindical. Por isto, eles se transformaram em vanguarda de inúmeras greves e num obstáculo às políticas de conciliação implementadas pela direção do TUC.
A ofensiva neoliberal de Thatcher e o violento ataque aos sindicatos
Repressão à greve dos mineiros de 1984
Margaret Thatcher – a Dama de Ferro – chegou ao poder carregada pela onda conservadora que se espalhou no mundo desde o final da década de 1970. Com seu governo se iniciou a chamada “contrarrevolução neoliberal”. O seu principal objetivo era o de “salvar o capitalismo da crise a qualquer custo”. Especialmente ao “custo de eliminar os direitos sociais e políticos que os trabalhadores conquistaram com décadas de luta, reformistas ou não.” (14).
Para aplicar o seu plano antipopular ela precisava quebrar a espinha dorsal do sindicalismo britânico. Já em 1980, ela buscou restringir as paralisações de solidariedade. Retomou o sistema de aviso-prévio para a decretação de greve e a necessidade de votação secreta entre os trabalhadores. O governo conservador (e neoliberal) não se intimidou em utilizar a repressão aberta, valendo-se do poder judiciário e da polícia. Também iniciou uma ofensiva propagandística nunca vista contra os sindicatos. O resultado de tudo isso foi a redução drástica do número de greves.
Entre 1979 e 1990 o número de dias parados caiu de quase 30 milhões ao ano para cerca de 2,5 milhões nos primeiros oito meses de 1990 (15). Em 1984 uma grande greve dos mineiros, que durou quase um ano – e contou com o apoio de diversas categorias–, acabou sendo derrotada. Durante o conflito mais de 10 mil trabalhadores foram presos, 4 mil processados e 700 mil demitidos (16). Este era o novo estilo adotado pelo governo britânico.
A crise econômica se agravava e os operários e os setores das classes médias se radicalizavam. A gota d’água foi o “pool tax” — pelo qual o governo aplicaria um imposto fortemente regressivo, penalizando ainda mais os assalariados pobres. A Grã-Bretanha operária despertava. Mais de 300 mil pessoas saíram às ruas, apesar das vacilações dos líderes trabalhistas. Nos confrontos que se seguiram, mais de 350 policiais e 86 civis ficaram feridos.
O crescimento do descontentamento popular com o governo Thatcher e a divisão política entre os conservadores levaram à convocação de novas eleições em abril de 1992. Para surpresa geral, os conservadores venceram e os trabalhistas sofreram a sua quarta derrota consecutiva. A crise da direita era profunda, mas a dos trabalhistas era ainda maior. Uma crise de identidade que atravessaria décadas.
Como conclusão, vale citar o raciocínio de Jean Auger. Ele afirma, corretamente, que “mesmo com uma ideologia reformista dominante, o TUC foi atravessado pela luta de classes e certas greves não ficaram em nada a dever, do ponto de vista da combatividade, àquelas do continente europeu (França e Itália). Se as direções dos sindicatos são de tendência moderada, não se pode dizer o mesmo de certo número de organizações filiadas ao TUC e, sobretudo, dos militantes de base e, em particular, os Shop Stewards.”(17).
* Artigo publicado na revista Debate Sindical, nº 15, nov./1993 a jan./1994. Por ter sido concluído em 1993 ele não dá conta das modificações ocorridas na sociedade e no trabalhismo na Inglaterra desde a última década do século 20 até as primeiras décadas do século 21.
** Augusto Buonicore é historiador, presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício Grabois e a Editora Anita Garibaldi.
Notas
(1)MARTINET, Gilles. Sept Syndicalisme, p. 23.
(2)IDEM, p. 24.
(3)IDEM, p. 25.
(4)LEFRANC,Georges. O Sindicalismo no Mundo, p. 44.
(5)IDEM, p. 83.
(6)IDEM, p. 84.
(7)LEFRANC, Georges. O Socialismo reformista, p. 80.
(8)IDEM, p. 82.
(9)LEFRANC, Georges. O Sindicalismo no Mundo.
(10)MARTINET,Gilles. Sept Syndicalisme, p. 35.
(11)POLAIN, J.C. (org.). A Socialdemocracia na Atualidade, p. 57.
(12)AUGER, Jean. Syndicalisme des Autres Syndicates d’Europe, p. 79.
(13)IDEM, p. 82.
(14)PUPO,Fernando. Neoliberalismo: Promessas e realidade. In:Princípios, nº55, dez./1990.
(15)RUY, J.C. Thatcher – roupas novas para velhas ideias. In: A Classe Operária, nº55, dez./1990.
(16)QUEIROZ, S.Termina a greve heroica dos mineiros ingleses. In:Tribuna da Luta Operária, nº 207, mar./1985.
(17)AUGER, J. Syndicalisme des Autres Syndicates d’Europe, p. 96.
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