Rogério Lustosa, uma vida dedicada ao Partido
Rogério Lustosa, ex-dirigente do PCdoB, foi um daqueles que, como dizia Brecht, eram imprescindíveis à revolução. Só saiu do trem na última parada, quando foi colhido pela morte. (*)
Em 21 de outubro de 1992 Rogério Lustosa faleceu subitamente de enfarte, num dia ensolarado, no parque do Ibirapuera, em São Paulo. Sua morte causou grande consternação no Partido e em todos os lutadores pela causa da liberdade e do socialismo. Rogério tinha apenas 49 anos e foi fulminado por um ataque cardíaco que interrompeu, bruscamente, uma vida integralmente dedicada à revolução.
Membro do Comitê Central e do Secretariado, era responsável pela Agitação e Propaganda do Partido.
Fundador e dirigente da Tribuna da Luta Operária, que marcou toda uma geração de militantes do PCdoB e do movimento popular, Rogério destacou-se como hábil polemista, bem humorado, contundente e mordaz Colaborou permanentemente com o órgão central do Partido, a Classe Operária. E depois que a Tribuna parou de circular, em 1988, dirigiu o relançamento da revista Princípios, que passou a desempenhar um papel inédito como instrumento de luta teórica do Partido.
Rogério não era jornalista. Mineiro de Belo Horizonte, iniciou sua vida de militante como aluno da Faculdade de Engenharia da PUC, no Rio de Janeiro, na época da ditadura militar. Membro da Ação Popular, corrente política que tinha mais presença entre os estudantes na época, Rogério foi membro da Comissão Estudantil do Rio de Janeiro e após o Congresso da UNE, realizado na clandestinidade em 1966, passou a pertencer à Comissão Nacional Estudantil da AP, que coordenava toda a agitação. Esteve entre os presos do famoso Congresso de Ibiúna, em 1968.
Magro e anguloso, dono de um bigode à la Zapata, ficou conhecido como João Bigode. Dedicava-se integralmente à militância, e estava sempre onde a organização precisava. No final dos anos 60 foi enviado a Belo Horizonte para integrar o Comando Regional da AP. Animado com a política de “integração com as massas” da organização, matriculou-se num curso de torneiro mecânico do SENAI. Foi preso ao participar de uma pichação do primeiro de maio de 1969, com documentos falsos. Não identificado pela repressão, foi solto meses depois.
Foi trabalhar então no Vale do Pindaré, no Maranhão, para dirigir o trabalho entre os camponeses contra as grilagens e pela posse das terras Em fins de 1971, foi novamente preso e desta vez identificado. Levado para Fortaleza, brutalmente torturado, permaneceu na prisão até 1975. O médico Carlos Valadares, que esteve com ele na prisão, declara que ele tinha uma visão política extraordinária. Da prisão, acompanhou o processo de luta ideológica da AP, compreendeu a necessidade de um partido revolucionário, marxista-leninista e que este já existia no Brasil: era o PCdoB, no qual ingressou, ainda preso, em 1972 quando a AP se incorporou ao PCdoB.
Curiosamente, como destaca Bernardo Joffily, que trabalhou com ele na redação TO, suas lembranças dos anos de cadeia raramente se fixavam no lado sinistro e monstruoso da experiência. Preferia recordar as figuras dos companheiros de prisão, os pequenos combates, travados à custa de um esforço inaudito, que mesmo ali mantinham acesa a chama da resistência. Conservava com todo cuidado um exemplar do ultra-clandestino jornalzinho manuscrito que circulava, de cela em cela, entre os presos políticos do Ceará.
Assim como bom polemista, era um exímio contador de casos. Muitas vezes, na redação da TO, cutucava suas lembranças e relatava fatos interessantes de sua vida no Maranhão e na prisão. Gostava, em particular, de relatar um fato ocorrido na prisão em Fortaleza. Apesar de toda a repressão que se abatia sobre os prisioneiros, um preso político, Fabiano Cunha, conseguiu a duras penas domar um assum preto, ave selvagem e arisca, que vinha comer em sua cela e aprendeu a assobiar o Hino Nacional. Ocorre que o tenente Gondim (hoje coronel), torturador conhecido responsável pelo lote de presos, era um fervoroso admirador e colecionador de pássaros. Encantou-se pelo assum preto, que não vive em cativeiro, e resolveu que ia apreendê-lo. Armou uma operação para capturar a ave, no horário que ela costumava visitar a cela de Fabiano. O assum preto, sentindo-se encurralado, deu um vôo rasante pela careca do tenente e alçou vôo pela janela, para nunca mais voltar. Grande alegria para os prisioneiros, vexame para o torturador, que se vangloriava de nunca ter perdido uma presa.
Penso que Rogério gostava particularmente desta história, porque se identificava com a irreverência e ousadia do pássaro que fugiu para a liberdade. Ã exemplo do assum preto, Rogério nunca se rendeu. Generoso e solidário, rígido consigo mesmo e implacável com os inimigos era um firme defensor da revolução e do socialismo.
Quando saiu da prisão, em 1975, foi para o Rio onde engajou-se no Movimento pela Anistia. Logo depois, recebeu a tarefa de fundar e dirigir a Tribuna da Luta Operária, onde escreveu inúmeros artigos polêmicos em defesa do marxismo e do partido, combatendo com pena firme as correntes que propunham a liquidação do Partido e preconizavam o fim do socialismo. No 8º Congresso do Partido coube a ele expor a principal conclusão teórica aprovada: a necessidade de “lutar desde já, pela vigência do socialismo científico em nossa pátria”.
Assim era Rogério Lustosa, que deixou marcas indeléveis entre os comunistas e todos os que se dedicam em nosso país, a pensar os grandes problemas da luta revolucionária e da emancipação de nosso povo. Como o assum preto, Rogério alçou vôo e não mais voltou. Mas deixou para todos nós, amantes da liberdade, o desafio de continuar a travar a luta teórica, política e ideológica em defesa de nossa liberdade e soberania, em defesa de um futuro melhor, de um mundo socialista.
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Olívia Rangel é jornalista e organizadora do livro “Rogério Lustosa, Lições da Luta Operária”.
* Texto publicado originalemente no livro “Rogério Lustosa, Lições da Luta Operária”., em dezembro de 2002.
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Fonte: Portal Vermelho