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Renato Rabelo: o comandante do grupamento de retaguarda da Guerrilha do Araguaia

21 de fevereiro de 2025

No aniversário de 83 anos de Renato Rabelo, artigo resgata trajetória revolucionária, destacando seu papel na organização da retaguarda da resistência à ditadura e os desafios enfrentados sob intensa repressão.

Ao camarada Renato Rabelo, que neste sábado (22), felizes exultamos o seu 83º aniversário. 

Meio século atrás, em 1973, os combates da guerrilha contra a campanha de cerco e aniquilamento da ditadura militar, iniciada em 12 de abril de 1972, completavam um ano. Os guerrilheiros tinham rechaçado as duas ofensivas das tropas do exército, uma em abril e outra em setembro, a forças da repressão chamaram-nas de Operação Papagaio.

Para a guerrilha as baixas foram significativas, entre abril e outubro de 1972 ela perdeu dezenove combatentes. Oito mortos em combate, quatro assassinados depois da captura e sete presos e transferidos para Brasília.

 O cerco do exército também logrou manter fora da área dos combates no Araguaia o comandante da guerrilha, João Amazonas, e Elza Monnerat, que até então fazia a ligação entre a direção do PCdoB e o comandante de campo, Maurício Grabois.

 Em 17 de maio de 1973 a organização revolucionária Ação Popular Marxista Leninista do Brasil (APMLB), a AP, incorporou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Renato Rabelo, à época dirigente da AP e posteriormente presidente nacional do PCdoB de 2001 a 2015, relata o processo de incorporação. 

“No início, pensávamos em realizar um congresso da AP para decidir sobre isso. A Guerrilha do Araguaia e a repressão contra a direção do PCdoB, especialmente os assassinatos de Lincoln Oest, em 21 de dezembro, e de Carlos Danielli, em 30 de dezembro de 1972, mudaram nosso plano de realizar um congresso da AP para a incorporação ao PCdoB. Não tinha sentido esperar por um congresso.

 Depois de nos incorporarmos ao PCdoB tivemos uma reunião com a direção central do PCdoB. Do lado da AP, estávamos Haroldo Lima e eu; do lado do PCdoB, Pedro Pomar e João Amazonas.

A partir desta reunião os membros do Birô Político da AP passaram a integrar o Comitê Central do PCdoB. Então, começamos a discutir os nossos papéis e tarefas no partido. Decidiu-se que era preciso sistematizar o aprendizado da luta revolucionária da AP, e elaborar um documento que sintetizasse os dez anos de existência da AP, de 1963 a 1973.

 A ideia de manter as duas organizações separadas nasceu de uma discussão com João Amazonas. Viu-se que a integração das duas estruturas partidárias era um processo complexo, que exigia uma fase transição, não podia ser abrupta.

 Sob a perseguição da ditadura militar fascista, era bom mantê-las separadas, pois se atingissem uma estrutura organizacional, a outra estaria preservada. Foi uma medida sábia, pois, de fato, a direção da Estrutura 1, o PCdoB,  foi sendo duramente atingida em São Paulo, culminando com o massacre da Lapa, em 1976, com o assassinato de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Drummond.”

João Amazonas dá a Renato a missão de criar e comandar a retaguarda da guerrilha

Renato Rabelo lembra:

 “João Amazonas, o comandante da Guerrilha do Araguaia, disse-me, ´sua tarefa será criar áreas de retaguarda para a guerrilha´. O Araguaia havia ficado isolado, sem nenhuma proteção política ou mesmo uma base partidária que lhe desse suporte. Toda ação militar tem que ter uma retaguarda e fazer isso na região da guerrilha é complicado.”

Renato reuniu o grupamento de 15 camaradas, alguns levaram seus familiares. O próprio Renato, estava acompanhado de sua mulher, Conceição Leiro Rabelo, a Conchita, e seus filhos de seis e cinco anos, Nina e André. No total o coletivo contava com mais de 20 pessoas.

Sob estritas medidas de segurança, por exemplo, o/a integrante não podia saber quem eram os outros camaradas do grupamento. Somente Renato e Conchita sabiam, porque cobriam os pontos com os/as camaradas.

Regras como estas foram impostas pelas condições de vida na clandestinidade, uma vez que o Partido optou por conspirar pela derrubada do regime militar através da luta armada. Em meados de 1973, o grupamento partiu de São Paulo rumo ao sul do Pará. 

A primeira parada foi em Goiânia, para iniciar o trabalho de infiltração nos órgãos do governo ditatorial e tentar chegar o mais perto possível da área dos combates. Renato indicou quais órgãos seriam infiltrados e orientou os camaradas a obter os primeiros lugares nos concursos públicos. Três camaradas foram bem sucedidos, recorda Renato:

“Simão Almeida prestou concurso estadual, com nome falso, para fiscal da coletoria de impostos do estado de Goiás, ele foi admitido em primeiro lugar. Infiltramos o Saulo Petean e o Oswaldo Balthazar, que deixou a Escola Politécnica da Universidade de São (USP) para atender a convocação do partido. Ambos foram aprovados em primeiro e segundo lugar no concurso. 

No segundo semestre de 1974, após cursarem o VI Curso de Indigenismo, promovido pela Fundação Nacional dos Povos Originários (Funai) e a Universidade de Brasília (UnB), e novamente serem aprovados em primeiro e segundo lugar, Saulo e Balthazar foram designados para atuar como chefes de posto indígena da Funai. 

A colocação deles no concurso repetiu-se no Curso de Indigenismo, o que viabilizou a designação de Saulo para o cargo de Chefe do Posto Indígena dos Povos Originários Parkatêjê (Gaviões) e Kyikatêjê (Gaviões do Oeste), estes últimos tinham sido contatados pelos sertanistas da Funai em 1969. 

Estando o posto indígena localizado a 30 quilômetros de Marabá, na estrada PA-70, que ligava Marabá à rodovia Belém-Brasília, fez de Saulo, o camarada do grupamento que conseguiu se estabelecer mais perto das operações de combate na região do Bico do Papagaio, no rio Araguaia.” 

O camarada Oswaldo Balthazar, segundo colocado no exame para o Curso de indigenismo realizado em Brasília, foi designado para chefiar o Posto Indígena dos Povos Originários Kawaiwete (Kaiabi), no município de Apiacás, Mato Grosso, a oeste da região da guerrilha.  

“Jogamos cerca de dez companheiros em uns cinco lugares. Eles foram construindo amizades e adquirindo confiança da população local. O coletor tinha influência social; os chefes de posto da Funai faziam um trabalho de assessoria às comunidades indígenas, fortalecendo a sua autodeterminação e sua luta para ficarem independentes da Funai. 

Com o nome falso de José Osmar Ribeiro, identidade construída a partir de uma certidão de nascimento falsa, tornei-me representante da Eternit e andava por todo lado. Haviam barreiras dos militares nas estradas, todos que passavam eram parados e tinham os carros revistados. Como meus documentos estavam em ordem sempre fui liberado.” 

Fato pitoresco ocorrido durante a visita de Renato Rabelo às duas aldeias onde eu atuava foi que, após acompanhar a coleta de castanha-do-pará realizada pelos parkatêjês da aldeia Kaikuturé, ele, minha esposa, Edi, nossa filha, Nadia, e eu pernoitamos na casa do chefe do posto indígena.

Honrados pela visita, preparam comida chinesa para o jantar, frango xadrez. Durante a refeição perguntei a Renato o que ele tinha achado da comida. “A comida estava até boa, mas a culinária chinesa de verdade comemos na primeira viagem à China em 1966, quando o camarada Ronald Freitas e eu estivemos em treinamento de guerra de guerrilhas”, respondeu Renato. 

“Foi um trabalho difícil, espinhoso, paciente, de dois anos e meio. Infelizmente chegamos tarde”, relembra Renato, pesaroso. E acrescenta: “o trabalho interrompeu-se quando fui com João Amazonas para o Congresso do Partido do Trabalho da Albânia, em Tirana; e lá realizamos a Conferência Nacional do Partido.”

Entre 1978 e 1979, os dirigentes do Partido refugiaram-se em Tirana. Não havia condições de segurança para realizar no Brasil a 7ª Conferência do Partido. A perseguição da ditadura era implacável, o general ditador Médici ordenou aos seus esbirros acabar com a existência do PCdoB. 

Em abril de 1973 começou a segunda campanha das forças armadas contra a guerrilha, a Operação Sucuri. Diferente da anterior, foi baseada nos serviços de inteligência. O fracasso em derrotar a guerrilha em 1972 tinha tirado da estrutura convencional do exército o planejamento das operações, agora feito pelo Centro de Inteligência do Exército (CIE). 

Em maio, oficiais, sargentos e cabos dos centros de tortura e assassinato de pessoas que se opunham à ditadura militar (DOI-CODI) de Brasília, e da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada, se infiltraram na região. Os militares chegaram disfarçados, vestidos como civis, a maioria sem documentos ou com documentos falsos. 

Em outubro de 1973, diferente da primeira investida com soldados e recrutas conscritos para o serviço militar, agora, a tropa, sem uniforme, cabeludos e barbudos como os locais, era composta por homens da Brigada Paraquedista, Batalhão da Selva, Batalhão de Forças Especiais com helicópteros da FAB descaracterizados. Era a elite das Forças Armadas.

A ordem era não fazer prisioneiros. E prisioneiros não foram feitos. Em 7 de outubro de 1973 teve início a terceira e última investida militar contra os heroicos camaradas combatentes da Guerrilha do Araguaia, a Operação Marajoara. 

Nota: As falas foram extraídas do depoimento de Renato Rabelo sobre sua militância de 1964 a 1985.

Saulo Petean é co-secretário de Ação Ideológica da Organização da Base Avançada do PCdoB na China. Com 72 anos, desde 2011 vive em Hangzhou, capital da Província de Zhejiang. Sua mulher, Zhang Yuying, 73, serviu no Destacamento de Artistas da Marinha do Exército Popular de Libertação da China, em Ningbo, Zhejiang, de 1970 a 1985.