Ela ocorreu clandestinamente em São Paulo em junho daquele mesmo ano. Da pauta constavam os seguintes itens: 1º A situação política e a atividade partidária; 2º modificações dos Estatutos do Partido; e 3º recomposição do Comitê Central.

O veterano dirigente comunista Dynéas Aguiar, numa entrevista dada ao autor, afirmou que mesmo sendo membro do Comitê Central e da sua Comissão Nacional de Organização (CNO) nunca ficou sabendo o lugar exato onde a conferênciafoi realizada. Ele, como os demaisdirigentes e delegados, foi conduzido de olhos fechados até o local. Todo o esquema, que envolvia a escolha do lugar e o transporte dos participantes, havia sido montado cuidadosamente por Elza Monnerat – uma especialista nas questões relativas ao trabalho clandestino, especialmente quanto à segurança dos “aparelhos” da direção partidária.

A Conferência durou aproximadamente uma semana e, ainda segundo Dynéas, nela estavam presentes delegados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Brasília, Mato Grosso, Bahia, Ceará, Maranhão e dos Marítimos. Outros depoimentos falam ainda na participação de representantes de Minas Gerais e Pernambuco. Portanto, foi uma conferência representativa tendo em vista a dimensão do Partido à época e a existência de uma ditadura militar.

Dynéas também falou da importância daquele encontro na história do PCdoB: “Tinha havido o golpe militar e, logo depois, a luta ideológica se acirrou tanto em nível internacional quanto dentro do país. (…) Então, tínhamos várias questões para resolver, como: qual deveria ser a tática do partido durante o período ditatorial? Qual análise fazíamos do golpe de Estado e do regime que se implantou no país? Enfim, havia todo um conjunto de problemas que já vinham sendo tratados desde agosto de 1964 (na primeira reunião do Comitê Central depois do golpe), mas era preciso consolidar nosso pensamento tático e estratégico numa conferência nacional. Era preciso sistematizar a experiência dos quatro anos de reorganização partidária, de 1962 a 1966. Fizemos as coisas certas ou não? Confirmaram-se ou não as posições que assumimos no debate interno e com as outras forças políticas? Essas questões estavam presentes quando convocamos a conferência nacional”.

“A resolução política do documento da Conferência ficou por conta do Amazonas, Grabois e Pomar. Constatamos que o Manifesto-programa, aprovado em fevereiro de 1962, não dava conta das necessidades políticas daquele momento histórico pós-golpe militar. Nós tínhamos uma estratégia revolucionária. Contudo, ela precisava ser completada com uma tática adequada. Assim, a linha estratégica era revolucionária, mas na sua aplicação tática éramos conduzidos para posições esquerdistas. E com isso ao invés de o partido avançar, ele acabava se isolando (…). A 7ª Conferência estabeleceu uma justa relação – uma relação dialética – entre a tática e a estratégia revolucionária”, concluiu Dynéas.

O documento ali aprovado por ampla maioria intitula-se União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista. Ali se defendeu a formação de uma ampla frente política e social com o objetivo de derrubar a ditadura militar e instaurar um governo representativo de todas as forças democráticas e patrióticas, que convocaria uma Assembleia Nacional Constituinte: Dizia o texto: “Na luta pelo seu Programa, o Partido busca, no processo político em curso, as formas e os meios de aproximar-se de seus objetivos. Na hora presente, o povo brasileiro tem diante de si importante e urgente tarefa: unir-se e lutar para livrar o país da ameaça de recolonização, da grave crise em que se debate e do sistema político ultrarreacionário imposto pela ditadura. Perigo sem precedente paira sobre o Brasil, sujeito a viver longo tempo sob o regime ditatorial, a ter seu desenvolvimento interrompido e a perder suas características de nação independente. Em tal circunstância, nenhum problema pode sobrepor-se ao objetivo de salvar o país desse perigo”.

“Está colocada na ordem do dia a necessidade de organizar a mais ampla união patriótica que, sob o lema de independência, progresso e liberdade, possa aglutinar em um impetuoso movimento nacional as forças populares e as correntes democráticas. É a união para aniquilar a ditadura e postular transformações progressistas. Quaisquer que sejam a filiação partidária, a tendência filosófica ou religiosa, a classe ou camada social a que pertençam, os verdadeiros patriotas têm o dever irrecusável de se unir para a ação comum contra os inimigos da democracia e da soberania nacional. Estão em jogo os próprios destinos da pátria”. O objetivo a ser conquistado naquela etapa da luta era fundamentalmente nacional e democrático e não ainda socialista.

Elio Ramirez, delegado da conferência, numa entrevista descreveu os debates: “Uma única intervenção contra o documento foi emitida pelo delegado de Goiás (posteriormente vim saber tratar-se de Diniz Cabral). Este fez as críticas sobre a tática do Partido (…). Não fez nenhum relatório da atividade partidária em Goiás e restringiu-se a criticar a amplitude da frente e, penso, também criticou a morosidade nos preparativos militares (…). Diniz foi um dos primeiros a falar e isto ensejou grandes intervenções de Pomar, Grabois (irônico e sarcástico) e do Danielli, furibundo na crítica ao oportunismo. A intervenção de Ozéas Duarte foi muito boa. Luís Guilhardini (um dos delegados do setor marítimo da GB) também fez boa intervenção historiando a atividade no setor e defendendo a proposta do CC. A delegada de Brasília (Dilmar Stoduto) não me recordo se falou, mas concordava com Diniz (…). Contudo, agrande maioria dos delegados fechou com o teor da proposição e a apoiava.”.

Mesmo sem ser um congresso, a conferência realizou uma readequação dos estatutos e na direção do Partido, que permaneciamos mesmos desde 1962. Voltamos ao depoimento de Dynéas: “do ponto de vista da organização a questão fundamental era estruturar o partido e eleger uma nova direção nacional que tivesse maior expressão e refletisse o crescimento que tínhamos tido naqueles anos. Por isso, houve uma renovação e ampliação dos membros do Comitê Central. Passaram a integrá-lo: José Maria Cavalcante e Luís Guilhardini, que eram dirigentes do Comitê dos Marítimos vindos do PCB; Paulo Mendes Rodrigues e o Huberto Bronca do Rio Grande do Sul; Ozéas Duarte, que viera do PCB do Ceará; e Wladimir Pomar, que ingressou como suplente. Esses são os nomes que me lembro, mas podem existir outros”.

Carlos Danielli e Dynéas – membros da comissão nacional de organização – se dedicaram à elaboração do novo estatuto partidário, que deveria ser aprovado naquela conferência. O antigo estatuto havia sido aprovado num período em que o país vivia sob um regime democrático, ainda que limitado. Ele, portanto, não era adequado a uma situação de dura clandestinidade exigida numa ditadura militar. Por isso, decidiu-se “por um estatuto mais enxuto, buscando aprimorar os mecanismos de segurança. Autorizou-se a constituição de três ou quatro bases numa mesma empresa sendo que uma não podia ter contato com a outra. Nas fábricas, por exemplo, os militantes de um turno não sabiam quem eram os militantes do outro turno. Isso acontecia também nas escolas. O trabalho era verticalizado e compartimentado”, nos disse Dynéas.

Preparando o Partido para receber dirigentes de outras organizações políticas, especialmente do PCB, a Conferência mudou o artigo 2 dos estatutos, que passou a ter a seguinte redação: “A filiação ao Partido é individual e se faz através de uma de suas Organizações de Base. Fica a critério do Comitê Central a admissão de líderes de projeção nacional e de ex-dirigentes de outro partido”.

Preparando a guerra popular

A resolução da 6º Conferência reforçou a necessidade de se avançar com o trabalho no interior do país (área rural), visando à preparação da luta armada. Naquele período, os grupos foquistas já tinham começado a fazer algumas ações nas cidades. Desde 1964 aprincipal referência do PCdoB já havia deixado de ser o modelo revolucionário cubano e passava a ser a da Guerra Popular Prolongada de inspiração chinesa. Dentro dessa lógica,o partido iniciou o gradual deslocamento de quadros para o campo.

Dizia a resolução aprovada na Conferência: “A experiência política do povo brasileiro mostra que para alcançar a independência, o progresso e a liberdade é necessário esmagar os reacionários mancomunados com os monopolistas ianques. Isto só é possível por meio da revolução. Eis por que, simultaneamente à ação política e à atividade para organizar a união dos patriotas, é imprescindível preparar-se para a luta armada, forma mais alta da luta de massas (…). A ideia de que é indispensável empunhar armas para libertar o país do atraso e da opressão vem ganhando força (…). A luta revolucionária em nosso país assumirá a forma de guerra popular. Esta constatação dimana tanto da experiência internacional quanto do estudo da realidade brasileira (…). A guerra popular é o caminho para a emancipação dos povos oprimidos nas novas condições do mundo. É a maneira atual de enfrentar e derrotar os opressores. Não é o caminho clássico da greve geral política e da insurreição nas cidades, tal como ocorreu na antiga Rússia, mas o da luta armada que paulatinamente vai se estendendo até abarcar a esmagadora maioria do povo”.

O jornalista Osvaldo Bertolino escreveu: “com base na resolução da VI Conferência, o PCdoB saiu a campo para verificar os melhores lugares para instalar a guerrilha. O Partido criou três pequenos grupos de trabalho – um dirigido por Maurício Grabois e João Amazonas, outro por Pedro Pomar e um terceiro por Carlos Danielli. O grupo de Pedro Pomar trabalhou no Vale do Ribeira, em São Paulo; Carlos Danielli e seus companheiros foram para o Oeste da Bahia, depois visitaram alguns pontos no Ceará, Piauí e Maranhão. Maurício Grabois e João Amazonas foram para a região do Araguaia, Sul do Pará, que se liga às matas da Amazônia – o local finalmente escolhido. (…) A proposta inicial era a de se instalar várias frentes de combate, mas naquela circunstância o PCdoB julgou que era mais sensato inicialmente concentrar as poucas forças existentes em apenas um local. A região do Araguaia foi considerada a mais apropriada devido à mata fechada”.

Houve, então, toda uma reestruturação da direção central do PCdoB. Ela foi dividida em duas partes. A primeira cuidaria do Partido nos grandes centros urbanos e ficaria sob a responsabilidade de Carlos Danielli, Pedro Pomar e Lincoln Cordeiro Oest. A segunda controlaria o trabalho na área principal de implantação da guerrilha e seria dirigida por Maurício Grabois, João Amazonas, Ângelo Arroyo e Elza Monnerat. O coletivo da direção nacional continuaria se reunindo semestralmente e a Comissão Executiva a cada três meses, em média. Isso continuou ocorrendo mesmo nos períodos mais duros da ditadura militar.

Cisões e novas incorporações ao PCdoB

Um mal do qual padeceu as organizações de esquerda na metade da década de 1960 foram as constantes divisões. Com o PCdoB, apesar do seu relativo crescimento, não foi muito diferente. Durante e após os debates da 6ª Conferência, ele sofreu algumas cisões. Ainda no ano de 1966, surgiu o Partido Comunista Revolucionário (PCR), liderado por Amaro Luís de Carvalho (Capivara) e Manoel Lisboa de Moura. Uma das peculiaridades deste agrupamento é que considerava o Nordeste, especialmente a Zona da Cana, como terreno privilegiado para desencadear a revolução. O impacto desta cisão foi relativamente pequeno.

A Ala Vermelha, surgida em 1967, causou maiores estragos nas fileiras partidárias, pois levou algumas bases importantes em São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os militantes destas duas cisões defendiam a imediata deflagração da luta armada e, embora maoístas, estavam bastante influenciados por concepções foquistas que, à época, atraíam setores mais radicalizados da oposição ao regime.

Sistematizada por homens como o francês Regis Debray – autor do livro Revolução na Revolução –, a “teoria do foco” imaginava que um pequeno e abnegado núcleo de guerrilheiros poderia desencadear o processo revolucionário. Em geral, negava o papel de vanguarda do Partido Comunista e subestimava a necessidade de um trabalho prévio junto às massas. O fator militar tendia a se impor ao fator político. A guerrilha de Che na Bolívia, derrotada em 1967, foi a expressão prática desta concepção.

“Nós dizíamos: ‘espera um pouco, vai com mais calma! As coisas não são bem assim. É preciso preparar melhor. É necessário constituirmos uma base de massas, porque sem isso não vai acontecer nada. Toda a experiência da revolução chinesa nos ensina que é necessário se apoiar nas massas camponesas e da cidade. Sem isso não há vitórias’. E esses grupos iam até os nossos militantes, especialmente os jovens, e diziam ‘sua direção é composta por um bando de velhos que só ficam fazendo reuniões e discurso. Só falam, só escrevem e, na prática, não fazem coisa nenhuma’. Na verdade, já estávamos preparando o esquema armado no campo, de modo paciente e clandestino. Mas, eles não sabiam disso e foi bom que não soubessem”.

“O partido não era imune às influências foquistas e militaristas (…). Tinha gente no partido que dizia ‘o som de um tiro ecoa muito mais do que mil panfletos e que dez mil palestras’. Essas ideias existiam entre nós. Por isso, a preocupação da direção era de formular uma teoria da guerra popular com base na realidade e não apenas em desejos. Para nós, a luta armada não é uma questão de princípio. Em geral a violência é provocada pelo inimigo. Os explorados gostariam de chegar ao poder pela via pacífica, porém os exploradores reagem violentamente contra tal hipótese. Daí a necessidade da violência revolucionária”.

Naquele momento, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) vivia uma grave crise interna. Inúmeros grupos e dirigentes importantes, descontentes com a sua política – considerada reformista –, romperam com a organização e procuraram novos caminhos. Em meio a esse processo de redefinição da esquerda brasileira, no início de 1968, Mário Alves e Jacob Gorender, dissidentes do PCB, reuniram-se com Amazonas, Grabois e Pomar. Discutiram longamente sobre a possibilidade de unificação dos dois grupos numa única organização revolucionária. Segundo Gorender, “apesar do ambiente cordial, a reunião não conduziu a um acordo”. Eles caminhariam para constituir o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Das cisões do PCB nasceriam ainda o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.

Contudo, outros militantes e organizações provindas do PCB continuaram se incorporando ao PCdoB. Isso aconteceu com a Maioria Revolucionária do Comitê Regional da Guanabara, liderada por Jover Telles, Armando Frutuoso e Lincoln Bicalho Roque. O ingresso desse agrupamento político se concretizou numa conferência regional realizada em meados de 1968. Era o chamado Reencontro Histórico. Membros da Ação Popular, organização vinda da esquerda católica, também começaram lentamente a migrar para as fileiras do PCdoB, como Helenira Rezende. Alguns anos mais tarde – entre 1972 e 1973 –, a maioria dos membros dessa organização se incorporaria ao PCdoB. Muito desse crescimento se deve à linha política ampla, mas radical, adotada naquela conferência de 1966.

·      Augusto César Buonicore é historiador, presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois e autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira, Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas e Linhas Vermelhas: marxismo e dilemas da revolução. Todos publicados pela editora Anita Garibaldi. 

Fontes

Agradecemos pelos depoimentos de Dynéas Aguiar (morto em 2013) e Elio Ramirez.

Bibliografia

BUONICORE, Augusto.Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2012.

BERTOLINO, Osvaldo.Pedro Pomar: ideias e batalhas. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013.

______. Maurício Grabois: uma vida de combates. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2012.

BERCHT, Verônica.Coração Vermelho: a vida de Elza Monnerat. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2013.

PCdoB.PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2012.

______.PCdoB: em defesa dos trabalhadores e do povo brasileiro – documentos de 1960 a 2000. São Paulo: Anita Garibaldi, 2000.

______.Cinquenta anos de luta. São Paulo: Maria da Fonte, 1975.

RUY, J. C. & BUONICORE, A. C. (org.).Contribuição à história do Partido Comunista do Brasil. São Paulo: Anita Garibaldi/Fundação Maurício Grabois, 2012.