Laís Oreb, uma vida dedicada à luta pela democracia e o socialismo
Laís Fagundes Oreb nasceu na cidade de São Paulo no dia 15 de abril de 1934. O pai, Domingos Oreb, era imigrante da antiga Iugoslávia. Primeiro foi para o interior do país trabalhar no campo. Depois de algum tempo, “fugiu” para São Paulo e ingressou na Companhia Antártica de bebidas, limpando tonel. Logo mudaria de profissão, passando a ser operário-sapateiro numa fábrica no bairro do Belém. Ali aderiu ao anarquismo, fez inúmeras greves e chegou a ter enfrentamentos com a polícia. Com o passar do tempo, conseguiu juntar algum dinheiro e montou uma pequena fábrica de sapatos. Seu Domingos – já próximo do Partido Comunista do Brasil (PCB) – esteve entre aqueles que soltaram galinhas verdes numa das manifestações do movimento integralista, versão tupiniquim do nazi-fascismo.
A mãe era mineira e funcionária da Prefeitura de São Paulo, mas não militava.O único irmão faleceu aos 18 anos num acidente quando prestava serviço militar num quartel da aeronáutica. Na sua breve vida, como a mãe, não tinha demonstrado propensões à militância de esquerda.
Mas a jovem Laís parecia querer seguir os passos do pai. O comunismo chegou cedo na sua vida. Uma de suas lembranças mais antigas foi de quando participou do comício de Luiz Carlos Prestes no Estádio do Pacaembu em julho de 1945 e entregou-lhe flores. Também se lembra quando foi levada a uma atividade no comitê eleitoral de Yedo Fiúza, candidato dos comunistas à presidência da República. Seu pai deu-lhe o microfone para que ela pedisse voto para a chapa do PCB. Tarefa que ela cumpriu com alegria, sem ter plena noção do que estava fazendo, pois tinha apenas 11 anos de idade. Outra vez Anita Leocádia e Lígia Prestes, a filha e a irmã do Cavaleiro da Esperança, foram almoçar na residência da família Oreb no bairro operário de Tatuapé.
Entre os personagens que conheceu, estava Carlos Marighella. Foi numa das inúmeras reuniões que ocorriam na sua casa. Ela se lembra dele como um homem grande que a pegava nos braços e rodava. Aqueles visitantes eram todos seus tios, segundo lhe dizia o pai. Joaquim Câmara Ferreira ela encontrou quando visitou o jornal Hoje, do qual ele era diretor. Nos anos seguintes, o jornal seria alvo de diversas ações dos órgãos de repressão, tendo sua redação e oficinas destruídas e seu editor preso.
No final da década de 1940, conheceu as jovens comunistas Orieta e Florita, filhas de Elisa Branco, que seria condenada a vários anos de prisão simplesmente por ter esticado uma faixa durante um desfile de sete de setembro que dizia “Soldados, nossos filhos, não irão para a Coreia”. Através dessas amigas se tornou militante da União da Juventude Comunista, recém-reorganizada.
Aos 14 anos, quando estudava na Escola Técnica Álvaro Penteado, ela recebeu a proposta de participar da organização de uma entidade estadual de estudantes secundaristas. O pai, como sempre, deu-lhe todo apoio por aquela iniciativa. Graças ao esforço desses jovens comunistas foi fundada a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES) e Laís dela se tornou a sócia de número 12. Em 1950 era eleita tesoureira da nova entidade.
Um relatório da polícia política cita o nome dos três responsáveis pela ação da UJC entre os secundaristas no estado de São Paulo: Dyneas Fernandes Aguiar, do Colégio Estadual Presidente Roosevelt; João Antonio Careño Gimenez e Laís Fagundes Oreb, ambos da Escola Técnica de Comércio Álvares Penteado.
Um dia ela foi a um evento organizado pelos comunistas, convidada pelo líder secundarista Antônio Carlos Gimenez. Na hora de começar a atividade a polícia apagou as luzes do local e ouviram-se tiros. Todos, a maioria jovens, tiveram que fugir. Na saída encontrou o pai que ia indo buscá-la. Os dois tiveram que se proteger das agressões policiais.
Acalmada a situação, ela percebeu que esquecera a bolsa na qual carregava a carteirinha escolar. Voltou ao local e bateu boca com o policial que não queria deixá-la entrar no salão completamente destruído. Mas venceu, e conseguiu reaver sua bolsa e o documento. Em seguida, ao lado de outros companheiros, foram em passeata e fizeram um protesto junto à sede dos Diários Associados, do reacionário Assis Chateaubriand.
Laís estava presente nas comemorações quando da libertação de Elisa Branco.Com outros jovens comunistas participou da grande campanha mundial de coleta de assinaturas pela paz e a proibição da bomba atômica. Num desses mutirões, no bairro do Ipiranga, os militantes pró-paz foram abordados pela polícia e ela teve que esconder os abaixo-assinados sob as roupas. Por pouco não foi presa.
Em meio a esse redemoinho apareceu Dynéas Aguiar na sua vida. Ele era estudante do colégio Caetano de Campos na Praça da República. Tinha começado a militar em 1950 e conheceria uma rápida ascensão no interior do movimento estudantil secundarista. Logo se tornou dirigente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas e depois presidente da UPES, entidade que Laís ajudara a fundar.
Do namoro ao casamento foi um pulo. Ela tinha dezessete anos e ele vinte. O casal partiu para o Rio de Janeiro, pois Dynéas havia sido eleito presidente da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (UNES) – nome que por alguns anos substituiria o da UBES, que havia sido dominada por elementos de direita. Em 1954, nasceu o filho Dilair Aguiar. Razões de ordem política e pessoal fizeram-na voltar a São Paulo enquanto Dynéas continuou no Rio, acompanhando os trabalhos da UNES.
Três anos depois ela foi uma das indicadas para representar o Brasil no 6º festival internacional da juventude, realizado na URSS e cujo lema foi “Pela paz e fraternidade!”. As fotos que guardava daquele importante evento juvenil ela teve que destruir depois do golpe militar.
Logo o Partido Comunista do Brasil (PCB) entraria numa crise, que o levaria à cisão. Um dos marcos desse processo foi o 5º Congresso de 1960, do qual ela participou dos debates preparatórios. Naquele momento era tesoureira do Comitê Distrital do Belém, dirigido pelo operário Luiz Vergatti. Logo após o Congresso ela, Dynéas e o pequeno Dilair mudaram-se para Brasília, que tinha acabado de ser inaugurada. Ele foi trabalhar no Sindicato da Construção Civil e depois ingressou na prefeitura do Distrito Federal, onde ajudou a criar uma associação de funcionários da qual se tornou secretário-geral.
Laís ingressou na Faculdade de Serviço Social. Na época estavam querendo acabar com o Núcleo Bandeirante – uma das primeiras ocupações organizadas pelos candangos. Ela – ainda aluna –foi enviada para fazer pesquisa na área e aproveitou a situação para organizar o pessoal visando a resistir à desocupação. Uma tarefa que cumpriu com sucesso.
Contudo, Laís não se acostumou com a vida no Planalto Central. Entre 1962 e 1963, já em processo de separação de Dynéas, voltou a São Paulo e foi morar novamente com os pais. Arranjou um emprego no setor de promoção do jornal Última Hora. Ali conheceu seu novo companheiro: o jornalista Severo de Lucca Crudo. Com o golpe militar, os dois perderam o emprego e, em 1965, abriram uma pequena loja de sapatos na galeria 7 de abril. Um negócio que durou até o ano de 1970.
Os contatos com Pedro Pomar começaram logo depois do golpe militar. Encontravam-se na Alameda Santos. Ela lhe entregava as correspondências que chegavam na sua residência vindas do exterior – da China ou da Albânia. Até mais ou menos 1968 cedia a casa da família no Tatuapé para reuniões clandestinas do PCdoB. O pai,temeroso,pediu-lhe para que não fizesse mais isso. Ela se lembra de dois jovens que se reuniam ali e entregavam-lhe documentos partidários. Um dia disseram que iam viajar, mais tarde soube que era para o Araguaia. Contudo, ficou sem saber o nome deles.
Num certo momento Severo conheceu Flávio (ou Matheus) que era da Ala Vermelha. Ele ia sempre à loja e saíam para um café. Laís não sabia se Crudo, na ocasião, era militante da Ala Vermelha ou somente simpatizante. Um dia Flávio levou consigo Nobue Ishii, militante da Ala, que fazia bolsas para vender nas lojas. Depois os dois desapareceram por algum tempo.
Neste ínterim, fecharam a loja. Ela então foi trabalhar na Agenzia Nazional Stampa Associata (ANSA) – agência noticiosa italiana – e ele na Associated Press (AP). Certo dia, em 1971, Flávio voltou e disse que estava sendo perseguido pela polícia. Laís levou-o à noite ao Antoine cabeleireiro na Praça da República para que pintasse o cabelo. Ele precisava de um lugar provisório para se esconder. Na casa do seu pai não podia mais. A saída foi levá-lo para a casa do pai de Severo em Tremembé – na Avenida Nova Cantareira. Para infelicidade deles, logo em seguida, Flávio foi preso com o endereço do lugar onde havia se escondido.
Os policiais foram até lá e prenderam o sogro dela. Depois, num domingo, seguiram para a casa dos pais de Laís onde a prenderam e também Severo. Ela ficou uma semana no DOI-CODI e foi torturada. Crudo ficou mais tempo e sofreu mais. Queriam deles informações sobre a Ala Vermelha. No interrogatório de Laís, queriam saber porque Nobue visitara a loja. Ela respondeu que era apenas para vender roupas e que já a conhecia do programa Hebe Camargo onde já havia aparecido mostrando o seu trabalho. Laís afirmou rindo que a única pessoa que ela entregou foi a Hebe Camargo. Na prisão, viu várias mulheres machucadas e ouvia os gritos dos torturados. Nas horas mais calmas, as presas conversavam sobre futilidades com medo de estarem sendo espionadas pelos órgãos de repressão.
Ao sair da prisão, ela voltou à ANSA. Em 1974, passou numa seleção e foi trabalhar no setor de revisão do jornal O Estado de S. Paulo. A situação de trabalho era muito ruim por isso realizou movimento de protesto e se ligou ao grupo de oposição à diretoria pelega do sindicato dos jornalistas que venceria a eleição em 1977. A partir de então se tornou uma das lideranças da categoria. Neste período, colaborava com a imprensa alternativa, especialmente com o jornal Movimento.
Augusto Buonicore é historiador, presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois e membro do Comitê Central do PCdoB.
Fernando Garcia é historiador, coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois.