Impossível não sentir uma pontada no coração, como uma punhalada, ao ouvir o nome de um ser humano brutal, como foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, lembrado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) na sua declaração de voto no golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (cruelmente torturada pelo homenageado) na Câmara dos Deputados. A citação do nome desse torturador e assassino do DOI-Codi paulista, personagem que encarna como ninguém o espírito dos porões da ditadura militar, certamente inspirou o mesmo sentimento em muitas pessoas que passaram por suas mãos, que conviveram com a realidade das suas insanidades ou que pesquisaram suas atrocidades.

Pesquisei esse personagem do círculo de pervertidos que assumiram o poder no Brasil com o golpe militar de 1964 para escrever a biografia de Carlos Nicolau Danielli, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), brutalmente assassinado por suas mãos monstruosas. A história narrada no livro “Testamento de luta — a vida de Carlos Danielli” mostra a rotina de uma crueldade insana, de um ser humano desalmado, tomado por uma convicção brutalizada para consumar seus atos. Só a fanatização por uma ideia fascista pode explicar tamanha perversidade. Comportamento como o desse assassino frio e sanguinário era comum nas SS e na Gestapo do regime nazista.

Solidariedade e humanismo

Para entender um pouco a natureza dessa perversão, fui pesquisar aquele episódio amargo da história da humanidade e encontrei atitudes muito semelhantes à desse personagem do fascismo brasileiro. Tema apaixonante por esclarecer os motivos que levam a humanidade a impasses sangrentos, pude constatar que a ideologia do egoísmo, do misticismo e da ficção moralista transforma facilmente seus adeptos em monstros desumanizados. Foi assim que surgiram os regimes mais brutais da história, especialmente os que investiram contra a civilização ao longo do século XX — como o nazi-fascismo, concebido para dizimar o seu antípoda, o socialismo.

Assim como ocorreu na Alemanha nazista, no Brasil dos golpistas democratas e patriotas abnegados se levantaram — e muitos tombaram — para combater o círculo de depravados do regime de 1964. Foi o caso de Carlos Danielli. Como biógrafo, entrei em sua vida desde a origem de seus ascendentes até seus minutos finais nas mãos dos algozes do DOI-Codi. Figura admirável, que ainda na adolescência iniciou sua militância pelas causas mais nobres da humanidade, como a solidariedade e o humanismo, aplicando o que aprendeu com seu pai, Paschoal Danielli, antigo militante do Partido Comunista do Brasil. Por isso, é admirado por um grande círculo de camaradas e amigos.

Proverbial boçalidade

Convivi por mais de uma semana com sua esposa (Marilda), os quatro filhos (Wagner, Wladimir, Waldenir e Wladir) e seus dez irmãos na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, na missão de revirar a história da família em busca de informações para mostrar a vida de Carlos Danielli. Com a distância necessária para observar os fatos em sua verdadeira dimensão, descobri uma família traumatizada por não compreender o que leva um ser humano a cometer tamanha brutalidade contra outro somente por fanatismo, por vingança insana e por cegueira ideológica. Apesar da perplexidade, da dor incurável, do trauma indelével, não vi em nenhum deles qualquer traço de ódio ou rancor.

Quando ouvi o Bolsonaro exercitar sua proverbial boçalidade homenageando Ustra, pensei em todas essas pessoas que me receberam como um membro da família — condição depois ratificada em uma carta generosa e comovente enviada por Marilda para agradecer a publicação do livro. Pensei nos destinos da humanidade e, sobretudo, no futuro do Brasil, que vai se encaminhando novamente para uma era de trevas, de ignorância, de fanatismo religioso e de falso moralismo. Pensei nos meus filhos, nas crianças em geral, na civilização. E imaginei a dor da família de Danielli ao associar o passado com o futuro. Uma lágrima verteu.