Centro popular de cultura da UNE: Crítica a uma crítica (1ª parte)
UMA INTRODUÇÃO NECESSÁRIA
“Declaração dos princípios artísticos do CPC poderia ser resumida na enunciação de um único princípio: a qualidade essencial do artista brasileiro, em nosso tempo, é a de tomar consciência da necessidade e da urgência da revolução brasileira”. Anteprojeto de Manifesto do CPC da UNE
Durante o golpe militar de 1964, sob as cinzas da sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), extinguia-se uma das principais experiências culturais realizadas pela esquerda brasileira: o Centro Popular de Cultura (CPC). As chamas da reação e do fascismo destruíram o palco, o figurino e obrigaram os jovens artistas, como Francisco Milani, a pularem o muro para escapar da fúria dos atacantes. O ódio e a ação destruidora dos golpistas são provas mais do que evidentes do papel avançado e progressista que representou aquele movimento cultural. Nas décadas de 1970 e 1980 procurou-se desconstruir esta visão positiva. Agora os ataques à memória do CPC da UNE partiriam dos intelectuais da chamada “esquerda renovada”.
Este artigo buscará, modestamente, rebater essas críticas e colocar a experiência do CPC no seu devido lugar na história de resistência do povo brasileiro. Aqueles jovens artistas travaram combates importantes no front cultural contra o conservadorismo das nossas classes dominantes e o imperialismo estadunidense. Uma luta na qual as trincheiras eram os palcos e os folhetins. As armas, muitas vezes, se reduziam a estrofes ingênuas de um poema de Ferreira Gullar: “O gravador mostra a noite/ cobrindo a feição do dia/ O poeta recolhe o mote/ mas não canta, denuncia/ que a exploração do trabalho/ provoca fome e anemia,/ mata a mulher e seu filho,/o homem e sua alegria./ O poeta convoca os homens/ a reconstruir o dia”.
A HISTÓRIA DO CENTRO POPULAR DE CULTURA DA UNE
O Brasil nos anos 1950 e 1960
Entre 1950 e 1962 o Brasil conheceu um rápido desenvolvimento econômico e o aumento das contradições políticas e sociais. Foi também um período de efervescência cultural e fortalecimento de um nacionalismo de caráter democrático e popular. Ocorreu uma crescente politização, organização e mobilização dos trabalhadores da cidade e do campo. Surgiram as Ligas Camponesas no Nordeste. Em 1961 realizou-se o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais. A partir de então, desenvolveu-se um rápido processo de sindicalização rural que culminou na fundação da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) no final de 1963. Nesse ínterim, em 1962, nascia o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). A intelectualidade progressista não ficou para trás e organizou a sua entidade geral, o Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI).
Durante a guerra fria, a sociedade brasileira se polarizou entre nacionalistas e entreguistas. Em meio a esta disputa foi criado o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), ligado ao Ministério da Educação. Sua função era elaborar uma ideologia que desse suporte ao projeto de desenvolvimento autônomo. Vivíamos o começo da Era JK. O nacional e o moderno se articulavam na música popular, através da Bossa Nova, e na arquitetura expressa no projeto da nova capital: Brasília. Na literatura surgia a poesia concreta. E tudo parecia caminhar no sentido da constituição de um pensamento e de um projeto nacional que permitissem eliminar definitivamente os entraves do nosso desenvolvimento econômico, social e cultural. Obstáculos que poderiam ser reduzidos a dois termos: a dependência externa, especialmente em relação aos Estados Unidos, e o latifúndio.
Criação do Teatro de Arena e do CPC
Guarnieri, Vianinha e Augusto Boal
Em 1954 havia sido criado o Teatro Paulista dos Estudantes (TPE), ligado à União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES). Seus idealizadores foram Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. Ambos eram membros da União da Juventude Comunista (UJC) e atuavam no movimento estudantil. Guarnieri chegou a ser presidente da UPES, juntamente com Vera Gertel também uma das fundadoras do TPE.
O principal objetivo do TPE era integrar os estudantes na militância política de esquerda através da arte e da cultura. Ele buscou construir um movimento de teatro amador que tivesse ramificações nas escolas. Ligou-se a esse projeto o italiano Ruggero Jacobi, encenador do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Este incentivou a leitura e a formação cultural dos jovens artistas, influenciando para que predominasse uma linha nacional-popular, mantendo a qualidade estética.
Outro objetivo, segundo Ruggero Jacobi, era realizar “um esforço positivo no sentido de conquistar paulatinamente plateias mais ou menos afastadas do teatro ‘oficial’, começando pelo próprio público estudantil”. Entre os atores amadores se destacavam Vera Gertel, Raul Cortez e Flávio Migliaccio.
O TPE foi registrado em abril de 1955, sob a presidência de Jacobi. Na prática, o cargo era exercido por Guarnieri, ativo militante comunista. O grupo começou bem, ganhando o II Festival de Teatro Amador de São Paulo e o próprio Guarnieri levou o prêmio de melhor ator – com a peça Está lá fora o inspetor, de J. B. Priestley. Naquele ano, os jovens artistas participaram da campanha eleitoral de Juscelino Kubistchek, o JK. Na Praça da Sé fizeram apresentações nas quais recitavam poemas de Castro Alves.
Paralelamente a isto ocorria outra experiência cultural inovadora: a formação do Teatro de Arena. Seus fundadores eram atores recém-formados pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, comandados por José Renato. Era um pequeno teatro, quase sem estrutura, com um grupo semiamador e polivalente, mas destinado a realizar uma verdadeira revolução no teatro brasileiro. Ele estreou em 11 de abril de 1953. No início de 1955 conseguiram um espaço próprio – e construíram um “simpático teatrinho”, como diziam, para 163 espectadores.
Como o pessoal do TPE não tinha lugar fixo para ensaiar e se apresentar, resolveu fazer um acordo com o pessoal do Teatro de Arena. Este cederia o espaço e colaboraria na formação dos jovens atores e ambos apoiariam a encenação de textos de autores nacionais e fariam sua divulgação nas escolas, fábricas e no interior do estado. No ano seguinte chegou Augusto Boal, vindo de um curso de dramaturgia nos Estados Unidos, e começou a ministrar aulas de interpretação e direção.
Segundo Guarnieri, o Teatro de Arena acabou ficando nas mãos dos jovens do TPE. Afirmou ele: “éramos unidos e solidários. O nosso objetivo era chegar ‘depressinha’ à revolução”. Um dos marcos foi a encenação de Ratos e homens, de John Steinbeck. Isso fortaleceu ainda mais a temática social do grupo, dando-lhe uma fisionomia mais clara. O Teatro de Arena, contudo, entrou numa grave crise financeira. Boal se afastou e Vianinha voltou para o Rio de Janeiro.
Resolveu-se fechar o teatro com chave de ouro. A peça de despedida seria Eles não usam Black-Tie, escrita pelo novato Guarnieri. Ela buscava levar ao palco a vida e a luta dos operários, moradores dos subúrbios e favelas brasileiros. Fortemente inspirada no neorrealismo italiano, tinha uma linguagem simples e despojada. A peça estreou em fevereiro de 1958 e foi um estrondoso sucesso. Ficou um ano em cartaz – com mais de 500 apresentações – e salvou o teatro da falência. Para ele voltaram Vianinha e Boal. A revolução havia começado.
Em seguida, o pessoal do Arena realizou o Seminário de Dramaturgia. Nele foi decidido que só se encenariam obras de autores nacionais e com temáticas brasileiras. A partir de então, operários, camponeses, jogadores de futebol e donas de casa passariam a habitar os palcos do Arena e dos demais teatros brasileiros.
A peça seguinte foi Chapetuba Futebol Clube, de Vianinha, na qual estreou Nélson Xavier no papel do goleiro Maranhão. No elenco estavam: Vianinha, Flávio Migliaccio, Chico de Assis e Xandó Batista. Ela obteve um relativo sucesso, ficando três meses em cartaz.
Depois foram encenadas Bilbao via Copacabana de Vianinha, Quarto e empregada de Roberto Freire e Revolução na América do Sul de Augusto Boal. O Arena revolucionou até a tradicional divisão de trabalho existente no teatro convencional. Ali todos faziam de tudo: escreviam, representavam, dirigiam e realizavam o trabalho logístico de apoio. Ele, de fato, funcionava como uma equipe.
Em 1959, Guarnieri publicou na Revista Brasiliense, editada por Caio Prado Jr., o artigo “O teatro como expressão da realidade nacional”. Nele, afirmava: “Não vejo outro caminho para uma dramaturgia voltada para os problemas de nossa gente, refletindo uma realidade objetiva, do que uma definição clara ao lado do proletariado, das massas exploradas. Sonhamos com um teatro que atinja realmente as grandes massas. Com espetáculos realizados para todas as classes e não apenas para uma minoria”. O projeto revolucionário dos jovens artistas esbarrava nos limites físicos do Teatro de Arena. Apesar do esforço, ele ainda era um teatro de minoria – um teatro de classe média.
No final daquele ano o Teatro de Arena excursionou pelo Rio de Janeiro. O sucesso se repetiu. As apresentações empolgaram os jovens artistas cariocas, como Francisco Milani, Hugo Carvana e Carlos Vereza. Foram montados um seminário de dramaturgia e um ciclo de estudos sobre Bertold Brecht e Erwin Piscator, como havia ocorrido em São Paulo. Ali ficaram até o segundo semestre de 1960.
Contudo, acirraram-se as divergências no interior do grupo. Oduvaldo Viana Filho e Chico de Assis resolveram não voltar para São Paulo. Vianinha escreveria mais tarde: “O Arena era porta-voz das massas populares num teatro de 150 lugares. Não atingia o público popular e, o que é talvez mais importante, não podia mobilizar um grande número de ativistas para o seu trabalho. A urgência de conscientização, a possibilidade de arregimentação da intelectualidade, dos estudantes, do próprio povo, a quantidade de público existente, estavam em forte descompasso com o Teatro de Arena enquanto empresa.”
Os dois “dissidentes” começaram a escrever a peça A mais-valia vai acabar, seu Edgard. Desejando compreender melhor os mecanismos de exploração do trabalho sob o capitalismo, resolveram pedir ajuda a um jovem sociólogo ligado ao ISEB, Carlos Estevam Martins – então assistente do eminente filósofo Álvaro Vieira Pinto. A peça foi ensaiada no pátio da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual UFRJ). A atividade reunia diariamente centenas de estudantes. A música foi composta por Carlos Lira. No elenco estavam Hugo Carvana, Joel Barcelos e o pessoal do Teatro Jovem. A direção coube a Chico de Assis. Na estreia, realizada em julho de 1960, centenas de pessoas lotaram o anfiteatro. A peça ficou cerca de 8 meses em cartaz, com um público médio de 400 pessoas.
Procurando dar continuidade a este trabalho, Estevam Martins, Vianinha e Leon Hirzman procuraram a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) e propuseram realizar um curso de história da filosofia, sob coordenação do professor José Américo Peçanha, na sede da entidade na Praia do Flamengo. A proposta foi aceita e mais de 400 estudantes se inscreveram. Nesta mesma ocasião, o educador Paulo Freire realizou uma palestra no ISEB na qual abordou sua experiência à frente da Secretaria de Educação de Recife – na gestão do prefeito Miguel Arraes –, especialmente o Movimento de Cultura Popular (MCP).
Em meio a este processo consolidou-se a ideia de se constituir um Centro Popular de Cultura (CPC) no Rio de Janeiro. Os responsáveis pela sua criação foram o Vianinha, o sociólogo Carlos Estevam Martins e o cineasta Leon Hirzman. No dia 8 de março de 1962, uma assembleia fundou oficialmente o CPC, como órgão cultural da UNE. Mas ele tinha autonomia em relação à diretoria daquela entidade estudantil. O primeiro presidente do CPC foi Carlos Estevam Martins – seu mandato durou até o final de 1962. O segundo, Cacá Diegues, ligado ao grupo Ação Popular (AP), exerceu o cargo por apenas três meses. O último deles foi o poeta Ferreira Gullar, simpatizante do PCB.
O CPC passou a ocupar uma sala de 10 metros quadrados que ficava no fundo do auditório da UNE. Um pequeno espaço para um grande projeto. Estabeleceu-se, então, uma divisão de trabalho no interior do movimento estudantil, que foi benéfica para todas as partes. Divisão que correspondia a uma divisão política real: o CPC era hegemonizado por intelectuais vinculados ao PCB e a diretoria da UNE por estudantes vinculados à esquerda católica: a Ação Popular (AP).
O CPC não tinha verbas fixas da UNE ou do governo do presidente João Goulart. Ele deveria viver das contribuições individuais, das receitas dos seus espetáculos e da prestação de serviços – como apresentações em comícios de candidatos do campo democrático e popular. Receberia alguma verba pública apenas para projetos específicos, como a produção do filme Cinco Vezes Favela, a gravação do disco O povo canta e a construção de um teatro na sede da UNE – este recurso havia sido liberado pelo Serviço Nacional do Teatro. Às vésperas do golpe, o CPC firmou um contrato com o MEC para a realização de uma campanha nacional de alfabetização de adultos.
A UNE, por sua vez, cedia o local de ensaios e de apresentação, a sua gráfica e espaços na revista Movimento e no jornal Metropolitano. E remunerava os integrantes do CPC durante a realização das UNE volantes.
O CPC se estruturou através de vários departamentos: teatro, cinema, música e artes plásticas – depois o de literatura e alfabetização de adultos. Do departamento de teatro participavam Vianinha, Chico de Assis, Flávio Migliaccio, Cláudio Cavalcanti, Cecil Thiré, Francisco Milani, Joel Barcelos, Carlos Vereza, Armando Costa. No de cinema: Leon Hirszman, Cacá Diegues. No de música: Carlos Lira, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, o Quarteto do CPC (atual MPB-4). E no de literatura, Ferreira Goulart. Esses são apenas alguns dos nomes pertencentes aos departamentos daquele centro.
A direita ficava bastante incomodada com aquela agitação estudantil e cultural. No início de janeiro de 1962 a sede da UNE sofreu um atentado. E as manifestações de rua promovidas pelo CPC eram constantemente molestadas pela polícia de Carlos Lacerda. Estas repressões inspiraram outro grande sucesso do CPC, o Auto dos cassetetes. Neste mesmo período, começou a greve geral estudantil pela representação de 1/3 nos órgãos colegiados das universidades. O principal instrumento de preparação desta grande mobilização foi a “UNE volante”. A caravana da entidade partiu em março de 1962 e viajou durante três meses por todo o país. As assembleias estudantis nos estados eram abertas e encerradas pelo pessoal do CPC. A principal atração era o Auto dos 99%. Por onde passavam iam brotando novos CPCs.
Principais realizações do CPC
Cena do espetáculo A mais valia vai acabar, seu Edgar.
O CPC realizou um número extraordinário de atividades levando-se em conta a sua curtíssima duração – apenas dois anos. Pelo setor teatral montou-se A mais-valia vai acabar, seu Edgard; Eles não usam black-tie; A vez da Recusa (de Carlos Estevam); Os Azeredos mais os Benevides, Brasil – versão brasileira; e O filho da besta fera do Pajeú (de Vianinha). E peças de agitação como o Auto dos cassetetes, o Auto dos 99% (coletivas) e Não tem imperialismo no Brasil (de Augusto Boal), entre outros. Realizaram-se inúmeras apresentações em sindicatos, nas áreas rurais e nas regiões de grande concentração popular – estações de trem, portas de empresas, praças etc. Em muitos casos enfrentando a repressão da polícia do direitista Carlos Lacerda, então governador da Guanabara..
No setor de cinema produziu Cinco Vezes Favela – cinco episódios curtos dirigidos por Marcos Farias, Miguel Borges, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues e Leon Hirzman – e o filme Cabra Marcado para Morrer, dirigido por Eduardo Coutinho, que não chegou a ser concluído devido ao golpe militar de 1964.
No setor de música, lançou o disco O Povo Canta, que continha Canção do subdesenvolvido de Carlos Lira e Chico de Assis. Realizou shows musicais com artistas populares como Cartola, Zé Ketti e João do Valle. Estes se apresentavam ao lado de Sérgio Ricardo, Carlos Lira e Geraldo Vandré. O auge dessa integração entre velhos compositores e a jovem geração foi a Noite da Música Popular Brasileira, realizada no dia 16 de novembro de 1962 num espaço nobre: o Teatro Municipal. Ela seria apresentada por Vinícius de Moraes, Oswaldo Sargentelli e Sérgio Porto.
No setor de literatura publicou Cadernos do Povo Brasileiro – sob direção do filósofo nacionalista Álvaro Vieira Pinto e Ênio Silveira – e a coletânea de poesias Violão de Rua, coordenada pelo poeta Moacir Felix. Nestas publicações destacava-se o pluralismo de ideias – embora no campo do nacionalismo de esquerda. Montou-se até uma empresa distribuidora de livros e discos do CPC – Prodac – que chegou a distribuir livros da editora Civilização Brasileira
Por fim, incentivou-se a criação de CPCs nos estados e nas entidades populares. Centenas deles foram criados, dentre os quais destacamos o CPC do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André.
Os últimos dias do CPC
No segundo semestre de 1963 ocorreu a segunda UNE volante. Já se sentia nos estados uma mudança de clima. A radicalização política estava crescendo rapidamente. Em várias cidades os componentes da caravana foram atacados por grupos de direita. Na capital do Rio Grande do Norte uma bomba explodiu próximo ao hotel onde eles estavam; em Vitória (ES) uma bomba caseira interrompeu a apresentação; em Maceió apagaram a luz do teatro durante o espetáculo; em Fortaleza tentaram jogar ácido nos artistas. E por isso o esquema de segurança teve que ser aumentado.
Os jovens artistas do CPC se integraram ao Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI) e participaram do comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964. Poucos dias depois, em meio à manifestação dos marinheiros, Vianinha se apresentava na porta do Sindicato dos Metalúrgicos.
Finalmente, no dia 30 de março foi inaugurado o Teatro da UNE que disporia de 283 lugares com uma estrutura de boa qualidade para as apresentações teatrais e musicais. Uma rica programação estava prevista para todo o mês de abril, na qual se incluiria a estreia a peça Os Azeredos mais os Benevides de Vianinha. Esta obra representou um salto de qualidade estético nas produções culturais do CPC. Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, compareceu à sede da UNE para tranquilizar os estudantes e afirmar que não havia risco de um golpe militar, e se ocorresse havia forças suficientes para debelá-lo.
Infelizmente, a previsão de Prestes não se realizou e um golpe militar seria desencadeado no dia seguinte, quase sem resistência. A noite de 31 de março foi de agonia. Vários estudantes e intelectuais ficaram de prontidão na sede da UNE – onde havia cerca de 200 pessoas. Na porta havia alguns fuzileiros navais, enviados pelo Almirante Aragão para proteger o local. Pouco a pouco o clima foi ficando insuportável. As classes altas e médias saíram às ruas dando vivas aos golpistas e morras ao governo Jango e seus aliados, nos quais incluíam a UNE e o CPC.
Às três da manhã do dia primeiro de abril o velho prédio na Praia Vermelha foi metralhado, e logo os resistentes começaram a sair. Algumas horas depois, vários deles voltaram. A situação havia se agravado muito. O cerco estava fechado e novamente tiveram de fugir. Os quatro últimos a pularem o muro dos fundos foram Vianinha, Carlos Vereza, Francisco Milani e João das Neves. Em poucos minutos a sede da UNE – como seu novo teatro – estava em chamas. Uma noite sombria descia sobre a cultura popular brasileira.
Ouça o disco O Povo Canta, produzido pelo CPC-UNE:
http://www.youtube.com/watch?v=BJUBke5Bdx8
Ouça o Auto dos 99%:
http://www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa_player.php?titulo=auto-dos-99-de-cpc-da-une
Assista a Cinco vezes favela:
http://www.youtube.com/watch?v=zSk3SmFXb4g
A bibliografia e demais referências virão na terceira e última parte.
* Esta versão texto foi originalmente apresentada no seminário Memória do Movimento Estudantil, realizado em dezembro de 2004 no TUCA/PUC-SP. Os trabalhos foram publicados em livro no ano seguinte pela editora Museu da República. O texto também foi publicado no livro Juventude, Cultura e políticas públicas, editado pela Anita Garibaldi e o Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ).
Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos pela Editora Anita Garibaldi.