Um dos capítulos menos investigados da Operação Condor, que vinculou as ditaduras do Brasil e Argentina, entre outras do Cone Sul, começa a sair das sombras.

O Supremo Tribunal Federal brasileiro iniciou as gestões para a possível extradição do repressor argentino Claudio Vallejos, que atuou na Escola de Mecânica da Armada (ESMA), e que declarou ter participado do sequestro do pianista brasileiro Francisco Tenorio Cerqueira Junior, desaparecido desde 1976, quando realizava uma série de apresentações em Buenos Aires, junto com Vinicius de Moraes.

Está provado com farta documentação – que inclui cartas do sindicato de músicos ao ditador Ernesto Geisel (1974-1979) – que a Chancelaria brasileira e a embaixada em Buenos Aires tomaram conhecimento praticamente de imediato do sequestro de Cerqueira Junior no dia 18 de março de 1976, e há indícios firmes sobre a participação de agentes brasileiros nos interrogatórios e torturas, o que faz da desaparição de “Tenorinho” um caso emblemático da Condor orquestrada por brasileiros e argentinos.

Depois de anos de indiferença por parte do Judiciário, o juiz Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, deu um passo firme na direção da extradição do suposto sequestrador Vallejos ao ordenar na semana passada que o caso fique sob s jurisdição da Polícia Federal, por seu caráter de “extraditável”.

O processo de deportação está registrado no Supremo com o número 478/2012 e foi solicitado há três meses pelo procurador federal argentino Miguel Angel Osorio, encarregado do processo ESMA, que em sua fundamentação se referiu à Operação Condor e citou informações publicadas pelo jornal Página/12.

Elisa Cerqueira era uma menina de oito anos quando seu pai Francisco Tenorio, de 35, foi sequestrado. Desde então, tem esperado em vão uma resposta das autoridades brasileiras.

“Se Vallejos for deportado (para a Argentina) será julgado e provavelmente condenado, como ocorreu com todos (os membros da ESMA).

Alfredo Astiz foi condenado e está preso. Eu creio que ele tem que ser deportado, porque aqui não vai aconteceu nada.

O Brasil ainda não abriu os arquivos, não reconhece sua participação neste caso, anistiou torturadores, então creio que ele deve ir porque lá se faz justiça. Aqui Vallejos pode ser libertado a qualquer momento com qualquer desculpa boba. Por isso o governo argentino pediu a extradição. Lá ele vai responder pelos grandes crimes que cometeu”, disse Elisa Cerqueira à Carta Maior.

O “Gordo Vallejos” foi membro da Marinha, atuou na ESMA desde o começo da ditadura e, segundo ele mesmo confessou, participou do grupo de tarefas que sequestrou o pianista Francisco Tenório Cerqueira Junior, que horas antes havia participado de um dos memoráveis recitais do poeta e ex-diplomata Vinicius de Moraes junto com o violonista Toquinho.

Na década de 80, Vallejos desembarco no Brasil onde repartia seu tempo entre vários trambiques – pelos quais foi preso mais de uma vez, a última em janeiro passado – e vender entrevistas sobre sua participação no sequestro do pianista Cerqueira Junior – um músico pouco voltado à política – e sobre os sequestros de vários militantes brasileiros como Sidney Fix Marques dos Santos e Maria Regina Marcondes Pinto de Espinosa, que continuam desaparecidos desde 1976. Casos que possivelmente serão tema de indagações por parte do procurador Osório, se a deportação se confirmar.

“Matei pelo menos 30 pessoas e perdi a conta daqueles que torturei, perdi a conta daqueles que torturei e acabaram mortos”, disse à revista Fatos, talvez animado pelas iminentes leis de Obediência Devida e Ponto Final.

Ele também soltou a língua para a televisão francesa, onde falou sobre Alfredo Astiz, e fez declarações à extinta revista argentina La Semana, a qual disse: “Eu participei com (Rubén) Chamorro do sequestro do (embaixador) Hidalgo Solá”, outra das vítimas dos grupos da ESMA, por ordem do almirante Emilio Massera.

A vocação histriônica do repressor e sua ficha corrida como estelionatário fazem com que suas afirmações sejam tomadas com reserva. “Não sabemos se tudo o que ele diz é verdade, mas é muito importante que esteja preso e que seja deportado” para ser interrogado pela Justiça argentina, disse Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, consultado pelo Página/12.

Ele acrescenta: “Isso também será importante para a Comissão da Verdade”, criada no mês passado pela presidenta Dilma Rousseff, porque é provável que se avance na reconstrução de um dos casos paradigmáticos da Operação Condor.

Krischke disse que não se pode prever quando haverá uma definição sobre o caso, porque este deve ser tratado pelo plenário dos onze membros do Supremo Tribunal Federal, mas estima que há “elementos” para esperar uma decisão favorável dado que já foram concedidas outras extradições de repressores que atuaram na Argentina, como o coronel uruguaio Manuel Cordero Piacentini, em janeiro de 2010, e do tenente argentino Norberto Raúl Trozzo, no ano passado

Fonte: Carta Maior