“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas. A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre os cérebros dos vivos como um pesadelo.

E mesmo quando estes parecem ocupados em revolucionar-se, a si e às coisas, mesmo a criar algo de ainda não existente, é precisamente nestas épocas de crise revolucionária que esconjuram temerosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem de combate, a sua roupagem, para, com este disfarce de velhice venerável e esta linguagem emprestada, representarem a nova cena da história universal. (…)

“A revolução social do século XIX não pode tirar a sua poesia do passado, mas apenas do futuro. Não pode começar consigo mesma antes de se limpar de toda superstição perante o passado. As anteriores revoluções necessitavam das reminiscências da história universal para dissimularem o seu próprio conteúdo. A revolução do século XIX tem que deixar os mortos, enterrar os seus mortos, para chegar ao seu próprio conteúdo. Ali, a frase ultrapassava o conteúdo; aqui, o conteúdo ultrapassa a frase.” K. Marx.(1)

Quando Marx escreveu estas linhas no seu O 18 Brumário de Louis Bonaparte, ele fazia alusão à necessidade colocada pelas novas revoluções proletárias, em oposição à forma e ao conteúdo das antigas transformações revolucionárias pela qual passara a humanidade.

Portanto, é atual a sua preocupação, uma vez que vivemos um processo de transição, (este conceito, é preciso dizer, não se opõe ao conceito de revolução na acepção marxista, pelo contrário, o inclui), entre a sociedade capitalista e a nova sociedade socialista.

Por isso, soa como dogmático, portanto não marxista, (uma vez que este se pressupõe científico e a ciência é incompatível com o dogma), a busca, que setores da esquerda, ditos “revolucionários”, tem feito, de fatos e declarações do passado para argüir que o Partido Comunista do Brasil não pode “reivindicar” ser o sucessor pleno de lideranças históricas ou da organização histórica dos comunistas.

Procurar debates feitos à época, aspectos legais das disputas ocorridas entre comunistas brasileiros entre 1958 e 1962, e dizer que estes elementos estão sendo utilizados maliciosamente pelo PCdoB para legitimar a sua política, que não seria mais comunista, é literalmente apelar aos mortos para julgar os vivos.

A luta de classe para a construção do socialismo e o marxismo sempre prescindiram de atavismos e dogmas, ao contrário, quando estes se impuseram, ofuscaram a ação política concreta e trouxeram prejuízos à luta pelo socialismo.

O generoso esforço do PCdoB de resgatar todos os grandes nomes e fatos da luta pelo socialismo no Brasil para construir uma grande identidade do heróico passado, não é um mero ato de generosidade piegas, mas uma forma de contribuir com a identidade de luta de nosso povo, para armá-lo no presente no rumo das lutas pela construção do futuro.

Estes representantes da “museuologia” comunista deveriam estudar Marx, se libertarem de todos os dogmas, deixarem os mortos em paz, e resgatar o exemplo de luta dessa época para fazer, hoje, o que eles, com seus erros e acertos, fizeram ontem. Isto os livraria de dizerem absurdos como os de que apoiar Lula e Dilma, e as transformações ocorridas no Brasil neste período, é trair a luta dos trabalhadores pelo socialismo.

O PCdoB é um dos poucos partidos comunistas do mundo que cresceu significativamente, neste período histórico, sem abandonar seu nome ou sua referência ao marxismo-leninismo e ao socialismo. É claro que não é uma organização comunista perfeita, (só existente na cabeça de quem, a partir da ideologia idealista, constrói uma visão platônica e, portanto, mitificada do passado), está eivada de contradições e desafios, mas estas contradições não se dão no mundo platônico das idéias perfeitas, e sim, na vida concreta de uma organização concreta que tenta fazer com que a revolução socialista brasileira seja algo concreto. É a esta ousadia que os trabalhadores no futuro certamente renderão homenagem.

Portanto, ao comemorar 90 anos de luta dos comunistas, os “museoscomunistas” devem deixar de esconjurar os espíritos do passado, como afirma Marx, e fazer o que os comunistas fizeram desde a época de Marx ou de Lênin: jogar-se na luta política concreta, vencer o capital financeiro e outros inimigos estratégicos da revolução brasileira e eleger o maior número de prefeitos e vereadores comunistas para avançar na correlação de forças concreta no rumo de um Brasil socialista… o Brasil do futuro.

1. MARX, Karl & ENGELS F.. OBRAS ESCOLHIDAS. Lisboa: Edições Avante, 1982.

Daniel V. Sebastiani é coordenador Estadual da Fundação Maurício Grabois