Após Malvinas, ditadura brasileira temia queda de Galtieiri
Após a rendição argentina nas Malvinas, a ditadura brasileira mostrou preocupação frente à queda do regime de Galtieri e a ameaça de uma transição acelerada à democracia, segundo mostram documentos aos quais teve acesso este jornalista, que revelam apreensão com as Mães da Praça de Maio e com o retorno dos “subversivos”.
O Ministério de Relações Exteriores brasileiro elaborou um documento sobre o novo cenário político interno, que se perfilava após a queda de Galtieri e a posse de Reynaldo Bignone, enquanto crescia a indignação popular sobre o destino dos combatentes nas Malvinas.
“A posse do presidente Bignone, imposto isoladamente pelo Exército, dá inicio a uma nova fase do pós-guerra das Malvinas”, afirma um texto da Chancelaria datado em 1º de julho de 1982.
“A falta de definição sobre o destino de um número considerável de efetivos enviados às Malvinas pode contribuir para ampliar o movimento denominado “Madres de Plaza de Mayo”, que congrega familiares de subversivos cujo destino é ignorado,” acrescenta.
Os problemas dos ex-combatentes, “cujo destino não está esclarecido… já vem sendo explorado por grupos contrários ao governo, que procuram influenciar a opinião pública contra o regime militar”.
A irrupção de políticos opositores e de expressões de repúdio da população eram vistas com apreensão por Brasília que, em outro telegrama, adverte sobre a instabilidade que ameaçava a ditadura instalada em Buenos Aires desde 24 de março de 1976.
Um documento do Ministério do Exército, datado de 17 de junho de 1982, afirma que “a repercussão negativa na opinião pública” da derrota nas Malvinas é “aproveitada por grupos comprometidos com a subversão, que provocaram a manifestação do dia 15 do corrente (junho)”.
Antes disso, no dia 12 de abril de 1982, outro documento “confidencial” do Exército expõe sua preocupação pela posição dos Montoneros. Diz o relatório do Exército que “Mario Firmenich, secretário geral da organização Montoneros, exilado em Cuba, manifestou seu apoio à ocupação das Malvinas, oferecendo-se para lutar com as tropas e propôs a formação de um Governo de Emergência Nacional”.
Como se vê, a ditadura brasileira deu respaldo a seus pares da Argentina, sobretudo pela afinidade dos regimes políticos, e recebeu a derrota com preocupação. A Argentina havia se convertido no pior modelo de transição acelerada à democracia.
O ditador João Batista Figueiredo (1979-1985), mentor da lei de (auto) anistia e arquiteto da retirada lenta e gradual dos militares, se espantava frente à ruína de seus colegas rio-platenses.
Ao mesmo tempo em que revelava apreensão com as Mães da Praça de Maio e a reaparição dos “subversivos”, a diplomacia brasileira mantinha conversas com o governo de Margaret Thatcher para a liberação do capitão da Marinha argentino Alfredo Astiz.
Assim o indica uma série de telegramas enviados pelo então embaixador em Londres, Roberto Campos, que intercedeu para a liberação do repressor da ESMA, Astiz, deportado de Londres para a Argentina em um avião que fez escala no Rio de Janeiro, a bordo do qual viajaram diplomatas brasileiros.
Em alguns dos telegramas entre Campos e a Chancelaria se faz menção de que a liberação de Astiz não era simples e que houve vários encontros com funcionários britânicos para que isto acontecesse. Registra-se, também, que Campos guardava uma velha amizade com o chanceler argentino Nicanor Costa Méndez, durante a guerra, que deixou o cargo após o fim da disputa.
Prisioneiro nas ilhas Geórgia do Sul, Astiz era requerido pela Justiça da França e da Suécia, devido à desaparição de duas monjas e de uma adolescente, segundo informam as mensagens diplomáticas reveladas no final de 2011 pelo jornal Folha de São Paulo.
Fonte: Carta Maior