Na saúde, ditadura começou a abertura ao setor privado
Abertura ao setor privado e acusações de irregularidades foram marcas impressas pela ditadura (1964-85) nos anos seguintes ao golpe de Estado contra João Goulart, que em 1º de abril completa 48 anos. Hoje, um em cada quatro brasileiros é cliente de um plano privado de saúde e sobram queixas sobre a má prestação de serviço público. Heranças diretas do regime autoritário.
O ponto pelo qual teve início a mudança da atenção gratuita à paga foi o do atendimento médico previdenciário. Até o golpe, os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) ofereciam nas redes próprias de hospitais o serviço de saúde aos respectivos associados. Em 1967, os IAPs são unificados no Instituto Nacional de Previdência Social, que, sob a argumentação de que não havia como oferecer a prestação adequada a todos os segurados, passa a fazer repasses a entidades privadas.
Segundo estudo produzido pelo Ministério da Saúde em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, abriu-se aí um “mercado unificado”, “indicando caminhos de favorecimento da privatização de recursos geridos pelo Estado no setor”.
O tema foi alçado ao centro das atenções naquele mesmo ano por conta da IV Conferência Nacional de Saúde, de pequena participação, e foi consagrado no Plano Nacional de Saúde, logo batizado de Plano Leonel Miranda, referência ao então ministro da área. Miranda propôs a privatização total do sistema de saúde.
“Naquele momento, tudo o que é do Estado é visto como burocrático, lento, de baixa qualidade”, lamenta Sarah Escorel, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. “É uma lógica financeira revestida do que seria um aspecto de modernização. Apresenta-se um cálculo de custo-benefício e argumenta-se que os países avançados, em especial os Estados Unidos, não têm serviço público.”
O que ocorreu foi o INPS custeando cada vez mais as entidades privadas que ofereciam serviços outrora públicos. Naquele momento, conviviam dois sistemas. Um custeado pelo Ministério da Saúde, público e gratuito, e outro bancado pela Previdência, subsidiado ao setor particular. Segundo o estudo lançado em 2007 pelo governo federal, já no final da década de 1960 o que se gastava nesta segunda ponta do serviço superava os investimentos diretos na assistência médica.
Um grande problema apontado por várias pesquisas foi a corrupção. O pagamento aos hospitais privados era feito mediante a emissão de documentos chamados Unidades de Serviço (US). Amígdalas retiradas duas vezes e homens submetidos a partos foram algumas das irregularidades constatadas.
Em outra frente, passou a ser estimulada a medicina de grupo. Os convênios davam às empresas o direito de deixar de contribuir ao INPS e, em troca, ainda se recebia uma quantidade fixa por mês por paciente. Quanto menos se atendia, maior o lucro.
“A aceleração do crescimento da atenção médica da Previdência e o esvaziamento da ‘saúde pública’ levam ao esgotamento do modelo”, assinala o estudo do Ministério da Saúde. Com o fim do “milagre econômico”, na década de 1970, e logo em seguida o começo do processo de distensão política, crescem as correntes que contestam este padrão, o que leva à criação, na Constituição de 1988, do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas os planos de saúde continuam prosperando, em especial na década de 1990, quando chega ao auge a implementação das ideias do Consenso de Washington, que viam no Estado um papel mínimo e no estímulo à competição do mercado uma regra básica.
“O SUS não tem capacidade instalada nem pessoal para oferecer serviços para 75% da população. Então, o que faz é contratar o pessoal privado. Este é o modelo implementado lá na ditadura. Teve financiamento para as entidades privadas. O dinheiro foi a fundo perdido para o setor privado, consolidando um problema que já existia antes. Não foi destinado ao setor público para que pudesse atender cada vez melhor”, diz Sarah Escorel.
Hoje, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 47, 6 milhões de brasileiros estão inscritos em planos privados. Destes, 29 milhões estão vinculados a convênios coletivos empresariais. Segundo os últimos dados disponíveis, a receita total do setor em 2010 foi de R$ 74,8 bilhões.
Fonte: Rede Brasil Atual