Zero hora, o golpe de 64 e a ditadura
Em sua edição deste domingo, o jornal Zero Hora publica um artigo intitulado “A dita dura brasileira”, do coronel Sérgio Sparta, defendendo o golpe civil-militar de 1964. Na pretensão de “equilibrar” o debate, o jornal publica também um artigo contra o golpe, “Resgate ao passado”, da psicóloga Luciana Knjinik.
O artigo do coronel Sparta é inqualificável, repetindo uma retórica da Guerra Fria que fede à naftalina, para dizer o mínimo. O Brasil estava ameaçado pelo marxismo-leninismo, etc.
Para defender a democracia e a liberdade de expressão, os militares e seus aliados civis acabaram com a democracia e a liberdade de expressão. Uma ofensa à lógica, à democracia e a inteligência alheia.
Zero Hora apresenta-se como supostamente “neutra” neste debate, simplesmente publicando uma posição a favor e outra contrária ao golpe. No dia do aniversário do golpe, o editorial do jornal silencia sobre o tema.
O veículo do Grupo RBS que supostamente defende a democracia como um valor ainda acredita que o golpe de 64 e a ditadura que se seguiu a ele é “tema de debate” que pode ser tratado na base de um texto a favor e outro contra. Para ZH, aparentemente, a condenação das torturas e assassinatos cometidos pelos agentes da ditadura ainda é “tema de debate”.
ZH poderia ter aproveitado a data para explicar por que apoiou o golpe de 1964 e a ditadura, assim como fizeram vários outros grandes veículos da imprensa brasileira que nunca deram satisfações à sociedade sobre sua postura golpista e sobre os benefícios empresariais que obtiveram com ela.
Como é sabido, o jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pela ditadura por apoiar o governo constitucional de João Goulart.
A certidão de batismo do jornal, portanto, é marcada pelo desprezo à democracia e pela aliança com o autoritarismo, o que fala muito sobre o ethos editorial que a publicação viria a desenvolver.
Três dias depois da publicação do famigerado Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”.
No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado “A preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. A última frase editorial fala por si: “Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”.
Os interesses nacionais, no caso, se confundiam com os interesses privados dos donos da empresa. A expansão da empresa se consolidou em 1970, quando foi criada a sigla RBS, de Rede Brasil Sul, inspirada nas três letras das gigantes estrangeiras de comunicação CBS, NBC e ABC.
A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios. O restante da história é bem conhecido.
O autoritarismo que marcou o surgimento do jornal Zero Hora parece estar vivo ainda hoje na postura editorial arrogante e covarde que vem se especializando em terceirizar suas posições conservadores pela voz de terceiros.
Ao invés de publicar um artigo de um obscuro coronel defendendo o golpe e a ditadura, ZH deveria assumir a responsabilidade pelos seus atos e por sua história. Seguindo o estilo editorial que tanto aprecia poderia inclusive publicar um artigo a favor da posição do jornal pró-ditadura e golpe de 1964 e um contra.
Fonte: Carta Maior