“De forma nenhuma acredito que a posição dos clubes seja uma unanimidade entre os militares. Os dedos das mãos são dedos, mas não são iguais. O homem tem um defeito muito importante: ele pensa. Ninguém pensa igual”. A sentença é de Fernando de Santa Rosa, 78 anos, capitão de Mar e Guerra, preso no dia 6 de abril de 1964, apenas alguns dias após o golpe militar.

Fernando, juntamente com outro capitão de Mar e Guerra cassado, Luiz Carlos de Souza Moreira, redigiu uma manifesto (está abaixo),  contra outro texto, o dos clubes militares, que deu o que falar nas últimas semanas.

O texto assinado pelos presidentes dos clubes Naval, de Aeronáutica e Militar, com data de 16 de fevereiro, criticava duas ministras de Estado (Maria do Rosário e Eleonora Menicucci) por supostamente questionarem a Lei da Anistia.

A sugestão do Governo de que poderia haver punição aos oficiais da reserva motivou um segundo manifesto, este mais agressivo, intitulado “ELES QUE VENHAM. POR AQUI NÃO PASSARÃO!” (assim mesmo, com maiúsculas), que reafirmava o texto anterior e em determinado momento classificava a Comissão da Verdade como “revanchismo”. O texto virou um abaixo-assinado que ganhou mais de mil assinaturas de militares da reserva  e de civis.

A resposta de Fernando de Santa Rosa e Luiz Carlos de Souza Moreira foi escrita em nome da Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (ADNAM), que, inicialmente, chamava-se Associação dos Militares Cassados (AMIC) e depois se abriu para todos os militares que compartilhassem dos seus ideais.

A associação contou com gente como o coronel e historiador Nelson Werneck Sodré e atualmente é presidida pelo Brigadeiro Rui Moreira Lima, herói da II Guerra Mundial, que participou de 94 combates aéreos na Europa. Lima, 93 anos, também foi cassado em 1964, apesar do currículo.

O manifesto da ADNAM foi publicado no dia 29 de fevereiro, mas ganhou forte visibilidade na imprensa apenas nesta segunda-feira (19). “Nossa motivação foi dar uma resposta imediata ao manifesto dos militares do Clube Militar, do qual também fazemos parte, somos sócios, mas não concordamos com aquela posição. Não concordamos com as posições deles desde 1964”, afirmou Fernando de Santa Rosa, em conversa com o Sul21.

“General Paiva é um idiota”, diz Santa Rosa

Rosa reforçou a ideia de que não há unanimidade contra a Comissão da Verdade, ou contra a punição a quem cometeu crimes de lesa-humanidade. “Não acredito que o pessoal da ativa esteja completamente de acordo com este pessoal.

Se você analisar o manifesto, eles inverteram a pirâmide: a maioria dos que assinaram é formada por generais e coroneis. Então, é tudo gente daquela época, que foi formada dentro da ideologia em que nasceu o golpe, difundida pela Escola Superior de Guerra”, disse.

Mas ressaltou que ainda há “gente fascista” na ativa. “Recentemente, com a presença do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, teve uma formatura da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) de uma turma ‘Garrastazu Médici’. Este foi o presidente mais sanguinário que tivemos”, declarou.

Também não poupou críticas ao general da reserva Luiz Eduardo da Rocha Paiva, que, recentemente, em um programa da Globo News, colocou em dúvida os atos de tortura sofridos pela presidenta Dilma Rousseff e também a responsabilidade da repressão na morte do jornalista Vladimir Herzog.

“Este General Paiva é um idiota. Acabou a entrevista dizendo que a tortura que a presidenta sofreu, quando combatia a ditadura, foi ‘ela que disse’, colocando em dúvida. A massa cinzenta dele é feita de barro”, disparou.

Fernando de Santa Rosa também defendeu não só a Comissão da Verdade, como a punição a torturadores. “Têm que ser julgados. Criminosos, monstros, genocidas, não mostram a cara.

O pessoal que foi perseguido pela ditadura foi julgado e condenado”, disse, lembrando a história do Frei Tito que, torturado com choque elétrico no Brasil, veio depois a se suicidar na França.

Rosa afirmou que a ADNAM não pretende buscar assinaturas de outros militares ou civis para amplificar seu manifesto. “Houve um manifesto dos juízes, um dos cineastas. Há consequências em cascata”, explicou.

Texto lembra que houve crimes cometidos depois de 1979

O texto redigido por Fernando de Santa Rosa e Luiz Carlos de Souza Moreira foi intitulado “Militares em defesa da democracia” e expõe, logo na primeira linha, a discordância com o manifesto dos presidentes dos clubes militares e com o abaixo-assinado de apoio a ele.

“Na condição de Oficiais Reformados, sócios dos Clubes Militares, somos forçados a discordar do abaixo assinado subscrito por vários Oficiais da Reserva, em apoio ao recente Manifesto dos Presidentes dos Clubes, que foi retirado do site do Clube Militar, após terem recebido ordens dos Comandantes das Forças, que, numa atitude exemplar e equilibrada, recomendaram que o fizessem”.

Os capitães de Mar e Guerra ressaltam que, entre os signatários do abaixo-assinado, está o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “ex-chefe do DOI-CODI em São Paulo, que está sendo acusado na Justiça de torturar presos políticos”.

Também afirmam que o atual regime é democrático, diferentemente dos governos militares, e defendem o direito das ministras de criticarem estes governos. “Quanto às críticas exacerbadas aos governos militares, pelo que fizeram durante o regime de exceção, elas continuarão sendo feitas, sim, pois estamos vivendo em pleno regime democrático, onde todos os segmentos organizados da sociedade mostram-se ansiosos por descerrar esse véu que encobre a verdadeira história da repressão”.

O texto da ADNAM também ressalta que a Lei de Anistia abrange crimes praticados até 15 de agosto de 1979 e que teriam haveria ao menos dois crimes cometidos por militares após esta data: três atentados a bomba em agosto de 1980, no Rio de Janeiro, e o atentado do Riocentro, em 1981. E cobra a revelação sobre o paradeiro de desaparecidos.

Além disto, o manifesto ressalta que os torturadores seguiram sua carreira normalmente, ao passo em que os militares cassados até hoje buscam sua anistia pelas Forças Armadas. Com a anistia, os militares cassados retomaram a mesma patente que ocupavam antes de serem cassados.

Ou seja: estacionaram, ao passo em que os demais, independentemente do que tenham cometido, ascenderam na carreira. “Também queremos a mesma ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, assegurada a esses insanos agentes da ditadura”, cobra o texto.

Preso dias após o golpe

Em março de 1964, João Goulart nomeou o Almirante Oswaldo Nilton Pacheco superintendente da Companhia Nacional de Navegação Costeira.

Oswaldo fora comandante de Fernando de Santa Rosa e o chamou para ser seu assessor. Dias depois, em 6 de abril, estava preso. Ele afirmou que a prisão não foi apenas por ocupar um cargo de confiança no Governo de Jango. “Fomos contra o golpe. Quem trabalhava comigo e era a favor não foi preso”.

Fernando ficou 58 dias preso e, em 1965, foi condenado por um tribunal militar a seis meses de prisão por “falta de exação ao cumprimento do poder”. “É um nome bonito”, ironizou. Estudou Direito e nunca mais voltou à ativa nas Forças Armadas.

“Ninguém que foi cassado voltou à ativa. Quem não saiu foram os torturadores. Fizeram belíssimas carreiras. Ganharam condecorações. Invadiram estatais, autarquias. Conseguiram cargos na Petrobras, na Vale do Rio Doce. Hoje, vivem com duas excelentes aposentadorias”, relatou.

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Militares em defesa da democracia

AOS BRASILEIROS

Na condição de Oficiais Reformados, sócios dos Clubes Militares, somos forçados a discordar do abaixo-assinado subscrito por vários Oficiais da Reserva, em apoio ao recente Manifesto dos Presidentes dos Clubes, que foi retirado do site do Clube Militar, após terem recebido ordens dos Comandantes das Forças, que, numa atitude exemplar e equilibrada, recomendaram que o fizessem.

Esse documento continha referências à Presidente Dilma Rousseff,  por não censurar seus Ministros,  que fizeram  críticas exacerbadas aos governos militares“. Agora, esse abaixo- assinado, subscrito por esses Oficiais ( da Reserva e Reformados) e também  pelo Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, aparelho de repressão da Ditadura em São Paulo, que está sendo acusado na Justiça de torturar presos políticos (  crimes que ele nega),   refere-se de modo desafiador  ao Ministro da Defesa, Celso Amorim, “ a quem não reconhecem qualquer tipo de autoridade ou legitimidade para fazê-lo”, o que, a nosso juízo, além de ser um comportamento desrespeitoso, inaceitável na vida militar,  configura, induvidosamente,  uma insubordinação, uma “quebra da disciplina e da hierarquia”. Só para lembrar aos signatários desse insensato documento, o tal Manifesto cobrava da Presidente o compromisso  em que afirmava,  no discurso de posse dos Ministros:

“De minha parte, não haverá discriminação, privilégios ou compadrio. A partir da minha posse, serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política.”

E foram além em suas críticas,  asseverando:

”Parece que a preocupação em governar para uma parcela da população sobrepuja-se ao desejo de atender aos interesses de todos os brasileiros”

Queremos, desde logo, restabelecer uma verdade, que os Presidentes dos Clubes Militares e alguns desses  senhores teimam em não reconhecer, a de  que o verdadeiro regime democrático é o que estamos vivendo, e não aquele dos “governos militares”, que não permitiriam, jamais,  tais “diferenças de opinião, de crença e de orientação política”.

Por outro lado,  faz-se necessária uma correção, a de que a Presidente Dilma Rousseff ( que não nos deu  procuração), não governa para “uma parcela da população”, e sim, para todos os brasileiros, vitoriosa que foi nas urnas por uma indiscutível e expressiva votação, o que deve ter desagradado todos esses  senhores.

Quanto às críticas exacerbadas aos governos militares, pelo que fizeram durante o regime de exceção, elas continuarão sendo feitas, sim, pois estamos vivendo em  pleno regime democrático,  onde todos os segmentos organizados da sociedade mostram-se ansiosos por descerrar esse véu que encobre a verdadeira história da repressão.

“ Pois sem responsabilização as histórias ficam sem fim, soltas no espaço como fiapos elétricos, e o passado nunca vai embora”, como afirmou o editorialista Veríssimo, em O GLOBO de 01/03/2012. E isso não é revanchismo, porque, afinal, aquelas críticas referem-se a  um contexto onde  pessoas, que se encontravam  presas e indefesas sob a tutela do Estado  ( Ditatorial), mesmo assim,  foram barbaramente torturadas, muitas  até a morte, o que sempre mereceu a reprovação dos seres humanos civilizados. O povo brasileiro traz consigo a marca da generosidade, pois soube suportar com resignação as violências nesse tempo praticadas, como corretos foram muitos de nossos companheiros de caserna, que se mantiveram dignos e não sujaram as suas mãos, e nem se envolveram nos expedientes da repressão e da tortura.

O ideário do chamado “capitalismo selvagem”, que plasmava as ações da nova ordem mundial, sob a liderança dos Estados Unidos, o que se acha confirmado pelo depoimento do Embaixador americano de então, o Sr. Lincoln Gordon, exigia que  fossem contidos todos os Governos que, politicamente, demonstrassem uma posição antagônica aos seus interesses, e mostrassem preocupações com as questões sociais dos seus povos.

Sob a chancela dessas forças, coincidentemente, e no mesmo momento histórico, foram instaladas Ditaduras nos países da América Latina, através de golpes de Estado. Prevaleceu a “velha cantilena”, que deu origem à ridícula história de que “era preciso impedir o avanço do comunismo internacional”, o que veio sensibilizar  alguns incautos e desavisados, sem nenhum estudo ou leitura  (coitados !) sobre o que se passava no mundo da guerra fria, inobstante estivesse em  vigor uma Constituição que proclamava a liberdade de pensamento.

O que se lamenta é que muitos dos nossos colegas,  que eram, à época, jovens  oficiais, recém-saídos das Escolas militares, a quem ensinaram durante a Ditadura,  que a ideologia da segurança nacional se sobrepunha a qualquer outra, passaram anos sem liberdade, impedidos que foram de conhecer, e até de professar, qualquer outro  credo político. Até hoje, tem sido assim porque, se o fizerem, serão “demonizados” pelos demais.

Estamos exercendo o legítimo direito da contestação, que a ordem democrática vigente assegura aos seus cidadãos. Não estamos mais em Ditadura, que serviu a interesses escusos de alguns , onde a suspensão das garantias constitucionais,  a censura à imprensa,  as prisões ilegais e arbitrárias (até mesmo, por simples delação),  a prática da tortura ( o que levou o Presidente Geisel a punir chefes militares em São Paulo),  tudo isso,  deixou marcas profundas para ser esquecido, porque faz parte da história contemporânea do nosso Brasil. Tais fatos  nos enchem de vergonha perante o mundo pelas indesculpáveis violações aos direitos humanos praticadas sob o manto protetor do aparelho de Estado.

Estão alegando que o STF, em recente decisão, concluiu pela anistia dos agentes que  praticaram tais “crimes políticos ou conexos”. Apenas para esclarecer, seria correto examinar, e, para tanto, chamamos a atenção do Conselho Federal da OAB, os textos da Lei 6683/79 e da Emenda Constitucional nº 26/85, que, respectivamente, nos seus arts. 1º, e  4º, parágrafo 1º e 2º,  assim expressam:

LEI 6683, DE 28 DE AGOSTO DE 1979

“Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, ( o grifo é nosso) cometeram crimes políticos ou conexos com estes…”

Emenda Constitucional nº 26/85

“§ 1º – É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos,…”

“§ 2º – “A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no “caput” deste artigo, PRATICADOS NO PERÍODO compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.” ( o grifo é nosso)

Como ficam os crimes e os criminosos das três  bombas colocadas, no dia  27 de AGOSTO DE 1980, em três instituições, no Rio de Janeiro, como descreve um jornal da época:

“Duas bombas de alto teor explosivo provocaram a morte de uma senhora e ferimentos em outras seis pessoas, ontem, no Rio, em dois atentados ocorridos no início da tarde: um, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil e outro na Câmara dos Vereadores. Num terceiro atentado, de madrugada, uma bomba de pouca potência destruiu parcialmente a sala do jornal “Tribuna da Luta Operária”, não fazendo vítimas.

A bomba colocada na sede da OAB atingiu a secretária da entidade, Lida Monteiro da Silva, que teve o braço decepado, vindo a morrer minutos após ter dado entrada no hospital. No atentado na Câmara dos Vereadores, o sr. José Ribamar de Freitas, tio e assessor do vereador Antônio Carlos de Carvalho, do PMDB, perdeu um braço e uma vista, encontrando-se até a noite de ontem em estado grave. Outras cinco pessoas que estavam no local foram feridas. ( Folha de S.Paulo – quinta-feira, 28 de agosto de 1980)

E a bomba do Riocentro, cuja explosão se deu em 30 de abril de 1981!!!, que a imprensa assim noticiou:

“A explosão ocorreu dentro de um automóvel puma, na noite de 30 de abril de 1981, com a bomba no colo do Sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário, cuja morte foi instantânea. Ao lado do sargento, no volante, estava o Capitão Wilson Luiz Chaves Machado, o qual, ato contínuo, sai do Puma segurando vísceras à altura do estômago.” (Fonte: CMI Brasil)

Que ninguém duvide que o que queremos  é “um regime de ampla democracia, irrestrita para qualquer cidadão, com direitos iguais para todos”.

Os “torturadores ( militares e civis), que não responderam a nenhum processo, encontram-se “anistiados” (?), permaneceram em suas carreiras e nunca precisaram  requerer, administrativa ou judicialmente, o  reconhecimento dessa condição, diferentemente daqueles, suas vítimas que, até hoje, estão demandando junto aos Tribunais, para terem os seus direitos reconhecidos.

ONDE ESTÃO OS CORPOS DOS QUE FORAM MORTOS PELAS AGRESSÕES SOFRIDAS? OS SEUS FAMILIARES QUEREM SABER, POIS TÊM DIREITO A ESSA INFORMAÇÃO!

Assim sendo, também queremos a mesma ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, assegurada a esses insanos agentes da ditadura. E, temos certeza, de que isso não é nenhum absurdo, pois tem a aprovação das  pessoas sensatas, daqueles diletos  companheiros de caserna (dos quais, de muitos, somos amigos), que não se envolveram em práticas criminosas,  e que têm no rol dos seus  deveres éticos, o que se acha inscrito nos  estatutos militares:

“exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhes couberem em decorrência do cargo;  RESPEITAR A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados.”

Finalmente,  como afirmava o mestre Darcy Ribeiro:

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar.

E eu não vou me resignar nunca.”

Rio de Janeiro,  29  de fevereiro de 2012

Luiz Carlos de Souza Moreira                             Fernando de Santa Rosa

Capitão de Mar e Guerra                                        Capitão de Mar e Guerra

Fonte: Vio Mundo