“Reis e ratos” Erra o alvo ao transformar golpe militar em caricatura
Em 1959, o diretor Carlos Manga lançava a comédia “O Homem do Sputnik”, uma sátira em torno do primeiro satélite soviético, Sputnik, em plena época da Guerra Fria e da corrida espacial entre soviéticos e norte-americanos.
Quase 53 anos depois, chega aos cinemas brasileiros, nessa sexta-feira, 17 de fevereiro, a comédia “Reis e Ratos”, dirigida por Mauro Lima, ambientada praticamente no mesmo período que antecede ao golpe militar no Brasil.
“O Homem do Sputnik” foi considerado, na época, um passo adiante com relação à chanchada que se fazia até então, principalmente ao misturar humor com política e escapar do modelo de mocinho, mocinha, vilão e uma dupla de comediantes.
O enredo era uma sátira, marcada por uma série de tentativas frustradas e hilárias de norte-americanos, soviéticos e até franceses tentando recuperar o Sputnik, que, por engano, caíra no quintal da casa de um “matuto” interpretado por Oscarito.
O filme também marcou a estreia de Jô Soares, como um norte-americano, que mascava chicletes e falava com um sotaque carregado; e chamou atenção pela atuação de Norma Bengell, que fazia uma espécie de sósia da atriz francesa Brigitte Bardot.
O personagem interpretado por Jô Soares é, de certo modo, retomado, com ares de história em quadrinhos, por Selton Mello, que dá vida ao agente da CIA, Troy Somerset, que também fala com sotaque, se esconde por trás da imagem de dono de uma sapataria e é apaixonado pelo Brasil, não desejando em hipótese alguma retornar para o país de origem.
Para isso, ele tenta derrubar o presidente brasileiro, criando um plano mirabolante com o Major Esdras, muito bem interpretado por Otávio Muller.
Porém, por um mistério não revelado, um locutor de rádio, de voz aveludada e um tanto afeminado, vivido por Cauã Reymond, cujos trejeitos lembram um pouco o cantor Cauby Peixoto, descobre os planos antes e os revela através dos microfones, numa emissora sempre ouvida pela personagem de Rafaella Mandelli, que sempre escapa de todas as arapucas e é uma espécie de pin-up dos anos 1950, assumindo o posto que, em “O Homem do Sputnik”, coubera a Norma Bengell.
O “rato” do título vem do personagem interpretado por Rodrigo Santoro, que soa extremamente caricato, numa interpretação muito pouco convincente.
Desfazendo-se da imagem de galã, ele vive um maltrapilho, fedorento e, por que não dizer, podre vendedor ambulante de livros, que, nas horas vagas, se droga e apronta falcatruas.
Prato cheio para os planos sempre desastrados do histriônico Troy Somerset. Cada vez mais Selton Mello parece uma caricatura de si mesmo, nesse seu novo encontro com o diretor Mauro Lima, com quem realizara o marcante “Meu Nome Não é Johnny”, em 2008.
Mas se “O Homem do Sputnik” foi uma maneira muito bem-humorada e perspicaz do diretor Carlos Manga retratar a Guerra Fria, no calor do momento em que ela acontecia, às vésperas do golpe militar de 1964, Mauro Lima transforma esse evento definidor da história recente do Brasil, numa espécie de alegoria quase carnavalesca, envolvendo agentes norte-americanos infiltrados e completamente desastrados.
Como anuncia logo no início a personagem de Rafaela Mandelli, tudo é contado também pelo viés de uma história de amor.
Mas o cineasta erra na mão e transforma “Reis e Ratos” numa mistura confusa, insossa e temporalmente deslocada, algo que a comédia de 1959 não fez e, justamente por isso, se tornou clássico indispensável da filmografia nacional.
Uma pena, pois Mauro Lima tinha um material riquíssimo na mão, tanto temático, quanto em termos de elenco, do qual não soube aproveitar todo o potencial e talento disponíveis.
Fonte:Rede Brasil Atual