Nara, uma mulher de opinião
“Meu ilustre marechal/ dirigente da nação,/ não deixe, nem de brinquedo,/ que prendam Nara Leão.” Com versos assim, o poeta Carlos Drummond de Andrade saía em defesa da jovem Nara Leão, que lançou seu primeiro LP justamente no ano do golpe, em 1964, quando o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco iniciava o ciclo dos militares presidentes.
Ainda naquele ano, em viagens pelo país, a moça de Copacabana – ficaram famosos os encontros musicais em seu apartamento – conhece os trabalhos de gente como Caetano Veloso e Maria Bethânia. Anuncia um rompimento com a Bossa Nova e lança o segundo disco, “Opinião de Nara”, que vai inspirar o célebre espetáculo “Opinião”, dirigido por Augusto Boal, que tem Nara ao lado de Zé Kéti e João do Vale.
“Podem me prender/ Podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião/ Daqui do morro eu não saio, não.”
Nara Leão completaria 70 anos neste 19 de janeiro, mesmo dia em que se relembram os 30 anos da morte de Elis Regina. Não eram amigas, percorreram caminhos diferentes na música brasileira e, cada uma a seu modo, marcaram época.
Capixaba que aos 2 anos foi para o Rio de Janeiro, Nara morreu em 1989, aos 47 anos, após uma longa batalha contra um câncer no cérebro.
Para lembrar o aniversário da mãe, Isabel Diegues (filha de Nara e do cineasta Cacá Diegues), pôs no ar o site www.naraleao.com.br, com galeria de fotos, uma cronologia detalhada, a discografia (que pode ser ouvida) e documentos da cantora.
“E esse é o meu presente: compartilhar sua obra para que todos possam se deliciar, ouvir e pesquisar à vontade”, disse Isabel na rede social Facebook, há alguns dias.
Tinha voz suave, mas falava firme. Foi em 1966 que Nara concedeu uma entrevista que causou repercussão, ao criticar o governo dos militares. A manchete do Diário de Notícias foi: “Nara é de opinião: esse exército não vale nada”.
E foi o ano da consagração popular, quando interpretou “A Banda”, de Chico Buarque, no festival da TV Record, que causou agitação no país pela disputa com “Disparada” (de Geraldo Vandré e Theo de Barros), interpretada por Jair Rodrigues. No final, as duas composições foram declaradas vencedoras, por insistência de Chico.
Ele e Nara dividiram durante alguns meses a apresentação do programa “Pra ver a banda passar”, também na Record. Pelo comportamento diante das câmeras, chegaram a ser considerados “desanimadores” de televisão.
Em 1968, quando o regime radicalizaria com o AI-5, Nara participou das manifestações contra o governo, protestou publicamente contra a morte do estudante Edson Luís, no Rio de Janeiro, e fez parte do disco “Tropicália ou Panis et Circenses”, cantando “Lindoneia”, de Caetano.
Era um período de radicalização até na música, com direito a passeata contra as guitarras elétricas na MPB (para alguns, mais um ardil publicitário do que uma manifestação de fato), movimento condenado por Nara Leão. No final de 1969, ela vai com Cacá Diegues para o auto-exílio, na França. O casal retorna ao Brasil em 1971.
Os problemas de saúde foram descobertos em 1979, Nara vai alternar momentos de saúde bons e instáveis durante os dez anos seguintes. O último show foi em Belém, em 31 de março de 1989. Morreu no Rio, em 7 de junho.
A primeira faixa de seu primeiro LP foi “Marcha da Quarta-feira de Cinzas”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes: “E no entanto é preciso cantar/ Mais que nunca é preciso cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade”.
Confira a foto original pelo site: http://www.naraleao.com.br/index.php?p=galeria
Fonte: Rede Brasil