O nome dele era Antonio López Sierra, e saía de casa para ir trabalhar levando na maleta seus instrumentos do ofício. Fez isso 17 vezes na vida. A última vez foi em 1974, e o resultado foi estrondoso – menos para ele. Pouca, pouquíssima gente recorda seu nome, embora muitos se lembrem muito bem de seu trabalho.

A estranha rotina era assim: ele recebia um telegrama dizendo o lugar e a hora em que deveria se apresentar com sua maleta e seus instrumentos. Era homem de poucas palavras. Antes de sair para trabalhar, tomava um longo trago de conhaque barato.

Quando voltava do trabalho, cheirava a bebida. Esse o cheiro que seu filho lembra até hoje. E o rosto cansado, o olhar endurecido de quem cumpria uma rotina pesada e desagradável, mas que enfim tinha de ser cumprida, era seu trabalho, seu ofício, o seu jeito de ganhar a vida.

Antonio López Sierra era verdugo. Ou, conforme constava em seus documentos, ‘executor de sentenças’. Seu instrumento de trabalho era o garrote vil, uma espécie de colarinho de aço que ele punha ao redor do pescoço do condenado e apertava fazendo girar a manivela.

O garrote vil sufocava o condenado até quebrar seu pescoço. Assim eram executadas as pessoas na Espanha de Francisco Franco.

As artes do ofício eram transmitidas dos veteranos aos novatos. Foi assim com Antonio López Sierra pouco depois do fim da Guerra Civil que dilacerou o país e impôs um regime ditatorial que só terminaria em novembro de 1975, quando Francisco Franco morreu na cama, de lenta e natural agonia.

Um Guarda Civil, vendo como Antonio mal vivia pastoreando ovelhas num cenário de miséria, perguntou se aceitaria ser verdugo e ganhar boas pesetas. Antonio disse que aceitava qualquer coisa desde que pudesse ganhar a vida.

Aprendeu o ofício de um andaluz, um homem que ia à missa todos os dias e escrevia poemas nas horas vagas. Dele Antonio aprendeu a operar o garrote vil.

Naqueles anos de penúria vários aceitaram o convite com a esperança de nunca precisar exercer o ofício. Antonio não se importou quando foi chamado pela primeira vez. Nem na segunda, nem na terceira.

Era um profissional, contratado pelo Ministério da Justiça, e tratava de cumprir com seus deveres. Na primeira vez, executou um homem que havia assassinado uma mulher. Desajeitado, precisou de vinte minutos para liquidar a tarefa.

Foi um horror. Quase que chamam outro verdugo experiente, ao ver que Antonio não conseguia fazer o garrote funcionar direito. Em geral, não era preciso mais do que cinco ou seis minutos para quebrar o pescoço da vítima.

Com o tempo, Antonio se tornou perito nas artes de matar. Mas se tornou um homem de longos silêncios. Verdugo e vítimas eram gente pobre, que o acaso havia posto em caminhos diferentes.

Um aparecia encapuzado, o outro aparecia com o garrote vil. Um único encontro na vida. Um partia para a morte, o outro voltava para casa.

Coube a Antonio López Sierra a tarefa de apertar o garrote ao redor do pescoço de um jovem anarquista catalão chamado Salvador Puig Antich. Aconteceu em 1974, e ele teve de ir até Barcelona fazer o seu trabalho.

O mundo inteiro protestou contra a pena bárbara, mas o ditador Francisco Franco permaneceu impassível como sempre, e Antonio fez o que tinha de fazer e voltou para casa cheirando a conhaque.

Antes, bem antes, em 1959, houve o dia em que ele precisou matar uma mulher, Pilar Prades. Ela havia dado formicida para a patroa. Nesse dia, ele pensou em parar. Tinha 46 anos. Pilar mal havia saído da adolescência.

Antonio bebeu tanto que precisou ser arrastado até a vítima, e mal conseguiu cumprir – ele, tão experiente, tão preciso – seu trabalho. Teve que dar uma volta e meia na manivela do garrote vil.

Em geral, dava apenas uma, e rapidamente. Matar uma mulher, diria ele anos depois, é pior do que matar cem homens. E ainda mais, completou, uma mulher tão jovem, e de carnes tão tenras e brancas.

Quando Franco morreu, deixou-se de aplicar o garrote vil. Mas foi preciso que se passassem outros três anos e chegasse a democracia para que, em 1978, a pena de morte fosse abolida de vez.

Sem trabalho, Antonio López Sierra virou porteiro de um edifício no bairro madrilenho de Malasaña. Recolhia sacos de lixo, distribuía a correspondência. Era um homem calado e triste – não pelo passado, mas por ter perdido um emprego seguro.

Foi o último verdugo oficial da Espanha. Era o executor de sentenças da região judiciária de Madri. Teve esse cargo mórbido e pomposo entre 1949 e 1975. Antes, tinha sido verdugo na Andaluzia, mas sem título algum. Morreu em 1986. Dez anos mais tarde, seu filho Cándido exumou o cadáver e mandou incinerar.

Cándido vive hoje num albergue para desempregados, em Madri. Diz que quer resgatar a memória do pai. E que não pediria perdão a ninguém.
 

Fonte: Carta Maior