Os 50 anos da campanha da legalidade
Anos atrás, Luiz Roberto Lopez, o saudoso Professor do Departamento de História da UFRGS, escreveu que não faltavam motivos para que a Legalidade estivesse no limbo da história oficial. O historiador argumentou que as razões para isso eram fáceis de compreensão: primeiro, foi uma ampla mobilização popular de conteúdo democrático; segundo, teve como protagonistas mais importantes nomes que seriam malditos na fase pós-1964 e; terceiro, teve o apoio ostensivo dos militares, numa das raras ocasiões em que o Exército, no caso o III Exército, esteve literalmente do lado das massas populares.[1]
Passados 50 anos da Campanha da Legalidade, tanto a historiografia quanto a academia ainda deixam o movimento em certa clandestinidade. Apesar de crescerem as pesquisas sobre o tema, este episódio ainda é negligenciado, pois deveria ter o mesmo significado para a formação social brasileira como a Farroupilha ou o Movimento de 1930.
Os vencedores de 1964, apesar da resistência, vêm sendo derrotados pelo resgate histórico daquele processo tão caro à luta democrática em nosso País. Democrático sim, pois diferente de certas vozes, até de historiadores, na conjuntura do Brasil do início dos anos 1960, o projeto antidemocrático em curso, era justamente aquele que daria o Golpe em 1964. Este, três anos antes, a partir do Rio Grande do Sul, com a Legalidade, adiou por vários meses os interesses antinacionais e contra as reformas sociais, garantindo a posse de Jango na Presidência da República, após a renúncia de Janio.
O golpe foi derrotado porque o Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola assumiu uma postura radicalmente contra e praticamente tornou o estado em região rebelada, recebendo apoio da grande maioria dos deputados, sindicalistas, estudantes, etc., enquanto a Brigada Militar foi posta em prontidão. Em nível nacional, todas as forças políticas identificadas com um projeto nacionalista, e mesmo aqueles que somente defendiam a legalidade se opuseram à tentativa de golpe, promovida pelos três ministros militares de Jânio, Silvio Heck, da Marinha, Odílio Denys, do Exército e Grun Moss, da Aeronáutica, com a cumplicidade do Presidente interino Ranieri Mazzilli. Quando o comandante do III Exército, o general Machado Lopes aderiu ao movimento liderado por Brizola, a resistência começou a crescer, então contando com o maior contingente militar do Brasil.
O movimento foi vitorioso também pela grande mobilização popular, pelo decidido apoio militar do III Exército e de oficiais e combatentes desertores das regiões militares fiéis a Odílio Denys, o principal articulador militar da tentativa de golpe. O Governador Mauro Borges de Goiás foi o maior aliado do Rio Grande do Sul. A oposição a Jango teve em Carlos Lacerda o grande líder dos golpistas, abrindo uma gigante onda de repressão policial e censura na Guanabara.[2]
No Rio Grande do Sul, além da Rádio da Legalidade, organizada pelo Governo do estado, principal meio de comunicação entre a resistência, já que os ministros militares censuraram todas as outras formas de fazê-lo, milhares de pessoas se alistaram nos batalhões populares, chamados comitês da resistência democrática, e nas Brigadas da Legalidade.
Sabemos que a vitória da Legalidade adiou a sanha golpista. A construção do complexo Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais (IPES)/Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), articulado por setores majoritários do capital, tanto em nível nacional como estrangeiro, seria decisiva para mudar a correlação de forças para o lado reacionário entre 1961 a 1964.[3]
Nesse meio tempo, porém, as forças populares brasileiras, com seus limites históricos, construíram mais um passo rumo a um projeto de mudanças estruturais que o País ainda gesta em seu ventre, contra o imperialismo, o latifúndio e os setores reacionários. Em agosto de 1961, com a Legalidade, adiaram o Golpe por três anos.
Assim, todo nacional-democrata e popular, todo socialista-internacionalista deve saudar: VIVA OS 50 ANOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE!!!!!!
* Este artigo contém idéias com a contribuição fundamental do historiador e pesquisador Rafael Fantinel Lameira.
** Professor Adjunto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP.
[1] Ver LOPEZ, Luiz Roberto. Apresentação. In. FELIZARDO, Joaquim. A Legalidade: o último levante gaúcho. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1988.
[2] Sobre o desenvolvimento do tema, ver: Nós e a Legalidade. Depoimentos. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro/Editora Age, 1991; MARKUN, Paulo; HAMILTON, Duda. 1961. Quer as armas não falem. São Paulo: Editora Senac, 2001.
[3] Sobre este processo, ver: DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
*Diorge Konrad Doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Professor Adjunto de História do Brasil e de Teoria da História do Departamento de História da UFSM – RS
Fonte: Portal Vermelho