Elisa Branco, heroína internacional da paz
Elisa nasceu em Barretos (SP) em 29 em dezembro de 1912. Era uma mulher do povo que possuía apenas o curso primário. Ingressou ainda jovem no Partido Comunista do Brasil. Segundo os arquivos do DOPS, em 1945, já era secretária do Partido Comunista na sua cidade natal. Nesta condição, participou ativamente da eleição ocorrida naquele ano. Deu assim sua contribuição para eleger uma grande bancada de parlamentares comunistas.
Em 1948, ela e sua família se mudaram para cidade de São Paulo. Aquele era um momento no qual aumentava drasticamente a repressão aos militantes do PC do Brasil. Uma de suas primeiras atitudes foi integrar-se à Federação das Mulheres Paulistas, dirigida pelas comunistas.
Elisa foi presa, pela primeira vez, quando ajudava na organização do I Congresso dos Trabalhadores Têxteis do Estado de São Paulo. Categoria composta predominantemente por mulheres. Como militante comunista, aderiu de maneira entusiástica à campanha mundial pela paz. Constantemente era vista, com outras camaradas, distribuindo panfletos e coletando assinaturas para o “Apelo de Estocolmo”, que exigia a proibição das armas atômicas..
Em junho de 1950 iniciou-se a Guerra da Coréia. Logo começou a pressão estadunidense para que seus tradicionais aliados latino-americanos, incluindo o Brasil, mandassem contingentes militares para participar da luta contra a Coréia do Norte, que tinha apoio da China Popular. O mundo naqueles anos que durou a guerra chegou às portas de uma III Guerra Mundial.
Os comunistas e demais forças progressistas iniciaram uma grande campanha internacional contra a guerra na Coréia e o envio de tropas para combater ao lado dos Estados Unidos. Em nosso país, o grande articulador desse movimento de caráter internacionalista foi o Partido Comunista do Brasil. Sob sua coordenação, elaboraram-se abaixo-assinados e realizaram-se dezenas de atos públicos. A imprensa ligada aos comunistas deu grande destaque ao assunto.
Passavam-se os meses e cresciam os boatos de que o governo do Marechal Dutra pretendia enviar as tropas requeridas pelos estadunidenses. Diante dessa ameaça, toda movimentação de recrutas era vista com apreensão pela população.
Foi assim que um grupo de pessoas, ligado a Federação de Mulheres Paulistas, resolveu fazer o seu protesto. Surgiu então a idéia de, aproveitando as comemorações do dia da Independência, fazer uma panfletagem denunciando o envio de soldados brasileiros. Isso ainda era pouco. Precisaria de alguma coisa a mais que marcasse o dia. Uma faixa com nossa reivindicação, propôs uma das participantes. Mas, quem a levaria e estenderia na hora certa? A honrosa tarefa coube à costureira Elisa Branco.
Quando começou o desfile, Elisa esticou a faixa com os dizeres “Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coréia”. Foi um espanto geral. Em pouco tempo caiu sobre ela a temida polícia do governador paulista Ademar de Barros e, sob protesto, arrancou-lhe a faixa que trazia nas mãos.
A polícia não teve condição de levá-la naquele instante. Precisou esperar terminar o desfile, e o povo dispersar, para, finalmente, poder pendê-la. Mesmo assim só conseguiu fazê-lo com o reforço da tropa de choque. Elisa foi colocada à força dentro de um ônibus e conduzida até a delegacia.
Parecia ser mais uma prisão – como centenas de outras havidas durante aqueles anos. Ela passou cinco dias numa solitária e, depois, foi levada para a Casa de Detenção. Para surpresa geral, um juiz condenou Elza a 4 anos e meio de prisão, por crime contra a segurança nacional. Elisa era casada e tinha duas filhas adolescentes, Horieta e Florita, que atuavam no movimento estudantil secundarista paulista e pertenciam à Juventude Comunista.
Liberdade para Elisa
Formou-se em todo país, comitês pela libertação de Elisa. Entre os que aderiram à campanha estava o deputado estadual paulista Jânio Quadros. Um hábeas corpus foi pedido ao Supremo Tribunal Federal. Mas, Elisa permaneceu na prisão.
Não podendo ficar parada, ela pediu que lhe enviassem seus materiais de trabalho: linhas, panos, agulhas. Voltava, entre as grades, exercer o seu oficio de simples costureira e, ainda, aproveitava o tempo para ensinar às outras prisioneiras à arte do “corte e costura”. Ensinava-lhes também os rudimentos da leitura e da escrita. Assim, Elisa tornou-se uma referência para todas elas. A politização daquelas mulheres deu algum trabalho ao diretor do presídio. Elas chegaram a organizar um núcleo do movimento contra a guerra na Coréia.
Em São Paulo 20 mil pessoal assinaram o abaixo-assinado pela libertação de Elza. Numerosa comissão de “partidários da paz” e delegações de associações populares e democráticas compareceram à Assembléia Legislativa num dia nacional de protesto. Os participantes entregaram a presidência da Casa o resultado da campanha do apelo de Estocolmo, contra a utilização da arma atômica. Protestaram contra o possível envio de 20 mil soldados brasileiros para a Coréia e a prisão de Elisa Branco.
O próprio Prestes lançou manifesto solicitando a ampliação da campanha pela libertação de Elisa. Escreveu ele: “A condenação de uma mãe de família por semelhante crime político é inédito na história do nosso povo”. Continuou: “o gesto de Elisa, além de rigorosamente constitucional, traduz os sentimentos mais nobres do amor materno e da vontade de paz da mulher brasileira”.
O caso de Elisa foi para julgamento um ano mais tarde, em setembro de 1951. O relator do processo, Juiz Rocha Lagoa pronunciou-se pela condenação. A votação empatou três a três. Foi preciso o voto de minerva do presidente do Tribunal, ministro Orozimbo Nonato, que decidiu pela inocência da acusada. Elisa, finalmente, conseguia a liberdade.
Houve comemorações entre os partidários da paz. Mensagens de congratulações chegaram de várias partes do mundo, revelando a importância que adquirira aquele gesto de Elisa. A primeira secretária do comitê antifascista das mulheres soviéticas mandou uma mensagem que dizia: “Nós, mulheres soviéticas soubemos com a maior satisfação que foi libertada Elisa Branco, a intrépida filha do povo brasileiro e ardente lutadora da causa da paz. As suas palavras simples dirigidas aos soldados brasileiros há um ano exprimiram não só os anseios das mães brasileiras, mas também os das mães de todos os países do mundo”. O secretário do Partido Comunista da Argentina também congratulou por sua libertação. A mesma coisa fez a delegação juvenil latino-americana que estava participando de um congresso na URSS.
Elisa era agora, definitivamente, uma heroína internacional. Por isso, em março de 1952, ela foi uma das convidadas e oradora da Conferência Continental da Paz, realizada no Uruguai. Este seria o primeiro evento internacional do qual participou.
No segundo semestre daquele ano foi convidada para participar do Congresso dos Povos Pela Paz, que se realizaria em Viena em dezembro. Nesta primeira viagem à Europa, estava acompanhada de Jorge Amado e da atriz Maria Della Costa.
O Prêmio Stalin da Paz
Em Viena, numa reunião de delegadas latino-americanas, receberia a mais surpreendente notícia de sua vida. Foi ela mesmo que contou o ocorrido ao jornalista d’A Voz Operária: “No meio da reunião, a senhora Carmem de Santis, delegada italiana ao Congresso, entrou na sala e pediu cinco minutos para fazer uma comunicação importante. Falou em francês, língua que eu não entendo. Imediatamente, todas as presentes se levantaram e, ante minha surpresa, me abraçaram e me beijaram. Fiquei atônita e quando me disseram que havia sido laureada com o Prêmio Stalin Internacional da Paz, quase perdi a respiração”.
Os prêmios Stalin da Paz foram criados pelo Presidium do Soviet Supemo da URSS em 22 de dezembro de 1949. Era uma homenagem aos 70 anos do generalíssimo. Vivíamos o auge do culto à personalidade. O laureado receberia uma medalha de ouro com a esfinge do próprio Stalin e um prêmio de 100 mil rubros. Foi formado um comitê seleto para selecionar os premiados, que era presidido pelo acadêmico russo Dmitri Skobeltsin. O vice-presidente era o renomado poeta francês Louis Aragon. O primeiro brasileiro premiado foi o escritor Jorge Amado, que recebeu o prêmio em dezembro de 1951.
Convidada para dar uma entrevista para a rádio Moscou, afirmou: “Escrevi algumas palavras. Mas, pensa que foi fácil lê-las ao microfone? As letras sumiam dos meus olhos, a voz não passava pela garganta, enquanto as lagrimas me rolavam pela face (…) Eu nunca poderia esperar que viesse a receber tão grandiosa homenagem e que meu modesto nome figurasse ao lado de Ilya Ehrenburg, Paul Robeson e outras pessoas conhecidas em todo mundo e cuja contribuição em favor da paz foi considerada excepcional”.
De Viena seguiu de trem à URSS, onde receberia o prêmio. A viagem durou 3 longos dias. No caminho foi homenageada pelas mulheres da Hungria e das cidades soviéticas por onde o comboio passava. Em Budapeste o trem chegou às 3 horas da manhã. Mesmo assim, um grupo de mulheres ali estava para entregar-lhe ramalhetes de flores. Passou o natal nos trilhos. Chegou à Moscou em 26 de dezembro – em meio ao rígido inverno soviético. Para sua decepção ficou gravemente doente logo que chegou. Teve que ser socorrida pelos enfermeiros e médicos soviéticos.
Lamentou ela, “esse resfriado foi uma verdadeiro azar … Enquanto as outros membros da delegação brasileira partiam para visitas …(eu) ficava ali, em cima de uma cama, perdendo uma oportunidade com que vinha sonhando há anos de conhecer ao máximo como é a vida na União Soviética”.
A doença tornou-a ainda mais sensível e a saudade do seu país aumentou. “A fim de que tivesse notícia do Brasil, da Rádio Moscou me telefonavam todo dia. Numa dessas ocasiões soube que continuava a greve dos têxteis no Rio, que tinha havido numerosas prisões em Belo Horizonte (…) Essas notícias muito me entristeceram. Lembrei-me da pátria distante, do povo que continuava sofrendo tanto, em contrate com o povo soviético (…). Senti uma saudade e uma angustia tão grandes que não pude sequer terminar de ouvir as notícias e comecei chorar. Nisto entra no quarto a enfermeira e, vendo-me assim, ficou aflitíssima. Ela falava em russo, mas compreendi pelo tom de sua voz e pelos gestos que me perguntava o que tinha ocorrido. Eu lhe dizia, inutilmente: ‘não é nada, não é nada’. Mas, ela também não entendia … Não me esqueço de sua pronúncia, a voz cheia de solidariedade: ‘Elisa Brancô, Elisa Brancô’ … O que sei é que meia hora depois chegaram médicos para me examinar e a partir daí ficou um interprete permanente no meu quarto. Não esperava causar tal rebuliço”. Ela acabou passando seu aniversário numa cama de hospital.
Por fim, chegou o grande dia da premiação. Da mesa diretora do evento faziam parte o acadêmico soviético Dmitri Skobeltsin, presidente do comitê, Nina Popova, presidente do Comitê Antifascista de Mulheres e os escritores Verassimov, Ilya Ehrenburg e Jorge Amado. Vários oradores falaram e destacaram a grande contribuição do povo brasileiro à causa da paz, especialmente a campanha contra o envio de tropas para Coréia.
No final, falou a laureada. “Reafirmei, ali, as palavras do nosso grande Prestes de que o povo brasileiro jamais pegará em armas contra o nobre povo soviético. Disse também que continuaria a luta com cada vez com maior decisão pela legenda da faixa que abri no Anhangabaú, isto é, que os nossos filhos jamais irão para a Coréia matar os filhos de outras mães. O povo brasileiro não será o agressor de qualquer outro povo”. Elisa recebeu o prêmio juntamente com cantor negro norte-americano Paul Robeson e o escritor soviético Ilya Ehrenburg. Dois grandes ícones da cultura comunista nos anos 1940 e 1950.
A despedida
Quando houve a cisão em 1962, Elisa acabou ficando com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), por ser uma grande admiradora de Prestes. Em 1964, durante o Golpe Militar, foi presa dentro de sua própria casa. “Os bandidos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) reviraram tudo e ainda me tiraram um monte de fotografias do álbum de família”, afirmou ela. Desta vez ficou detida apenas oito dias para averiguações. No auge da repressão política, em 1971, sofreu outra prisão. Os agentes invadiram sua casa de madrugada para prendê-la. Procurando alertar os vizinhos, ela saiu aos gritos que a polícia política a estava levando. Passou três dias desaparecida. Muitos temeram por sua vida, mas ela foi solta por falta de provas.
Mais tarde, discordado da linha política do PC Brasileiro, acabou se afastando da militância. Em 2000, integrou-se ao pequeno Partido Comunista Marxista-Leninista, de linha prestista. Chegou mesmo compor a direção daquela agremiação pouco antes de sua morte, que ocorreu em 8 de junho de 2001. Morreu sem lamentar minimamente as prisões e martírios pelos quais passou. Numa de suas últimas entrevista afirmou: “Nunca fiz sacrifícios pelo partido”.
Fontes
Coleção Voz Operária – (1949-1953)
Dossie Elisa Branco – Arquivo Público do Estado de São Paulo
Elisa Branco, 87 anos – A costureira que ganhou o Prêmio Stalin, Fábio Bittencourt, Revista Isto É – Gente. Fábio Bittencourt http://www.terra.com.br/istoegente/42/testemunha/index.htm
Veja outros materiais do especial “60 anos da prisão de Elisa Branco e as campanhas pela Paz”