Os comunistas brasileiros contra a guerra e as armas nucleares
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Da Guerra Fria à Guerra Quente
Um dos marcos da guerra fria foi o discurso do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, feito em 5 de março de 1946, durante uma visita aos Estados Unidos. Num tom apocalíptico alertou: “Uma sombra desceu sobre o cenário até há pouco iluminado pelas vitória aliadas. Ninguém sabe o que a Rússia Soviética e sua organização comunista pretendem fazer num futuro imediato, ou quais são os limites, se que os há, para suas tendências expansionistas (…) De Stettin no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente”. E concluiu: “Acautelai-vos, eu digo, porque o tempo pode ser curto”.
Ironicamente, o termo “cortina de ferro”, que teria um lugar de honra no vocabulário da guerra fria do chamado “mundo livre”, havia sido criado pelo chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, após as sucessivas vitórias soviéticas no leste da Europa.
Um ano depois do discurso de Churchill, o presidente Harry Truman foi ao congresso dos Estados Unidos solicitar créditos para ajudar a monarquia corrupta e fascista da Grécia, ameaçada pelos guerrilheiros comunistas. No mesmo dia denunciou as “sementes do totalitarismo”, plantadas no solo europeu. Afirmou: “Os povos livres do mundo olham para nós esperando apoio na manutenção de sua liberdade. Se fracassarmos na nossa missão de liderança (…), certamente, poremos em perigo a segurança de nossa própria nação.” Este era o anúncio da doutrina Truman, investimento maciço de capital estadunidense para reconstrução e submissão da Europa.
A cruzada do “mundo livre” contra o “totalitarismo comunista” começou pela incorporação da retórica nazista, como “cortina de ferro”, e prosseguiu no apoio político-militar aos remanescentes de regimes fascistas, como o grego.
Por pressão dos Estados Unidos, os comunistas foram afastados dos governos da França e Itália. Neste mesmo período, o PC do Brasil foi colocado na ilegalidade e, em seguida, teve seus mandatos parlamentares cassados. Os comunistas no poder, por sua vez, responderam à provocação afastando os políticos e partidos “pró-ocidentais” dos governos do Leste Europeu.
Em setembro de 1947, realizou-se a Conferência dos Nove Partidos Comunistas, que criou o Comitê de Informação (Cominfor). Este era formado, exclusivamente, por partidos europeus: França, Itália, Iugoslávia, Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e URSS. Ali foi estabelecida a doutrina da existência de “dois campos”: o campo do socialismo (e da paz) e o campo do imperialismo (e da guerra). Não haveria lugar para neutralidade ou uma terceira via.
A situação se tornou explosiva em 1948. Berlim ficava no lado oriental da Alemanha, sob supervisão do Exército Vermelho. Contudo, ela também foi divida e a parte ocidental (oeste) entregue ao controle potências capitalistas, dominadas pelos Estados Unidos. Assim, Berlim ocidental se transformou num enclave inimigo no interior do bloco socialista. Diante da ameaça que isto representava para segurança soviética, Stalin ordenou o seu bloqueio por terra.
Tropas estadunidenses e inglesas foram mobilizadas, prevendo um conflito armado. Chegou cogitar-se a utilização de armas atômicas contra Rússia. A guerra fria estava ameaçando transformar-se numa guerra quente. O próximo passo do imperialismo foi constituir a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1949. Era pacto militar das principais potências imperialistas contra a União Soviéticas e as jovens democracias populares.
O álibi utilizado pelos militaristas estadunidense era o de uma possível ameaça soviética ao território da Europa Ocidental. Décadas mais tarde um dos formuladores da Doutrina Truman confessaria: “Ao criar a Otan se havia traçado um linha imaginária através da Europa contra um ataque que ninguém estava planejando”. Hoje toda historiografia – inclusive pró-imperialista – reconhece que Stalin jamais cogitou ocupar territórios europeus para além de sua “zona de influência”, estabelecida nos acordos internacionais do final da II Guerra Mundial.
Como resposta à ameaça bélica do ocidente capitalista, URSS teve que reverter a política de desmilitarização que vinha desenvolvendo desde 1945. Ela havia reduzido seus efetivos militares de 11,5 milhões para apenas três milhões, sinalizando os objetivos pacíficos daquele país. Iniciou-se, então, uma nova e perigosa corrida armamentista que conduziu o mundo á beira de uma nova guerra mundial, desta vez nuclear.
Outra conseqüência negativa desta situação instável foi o recrudescimento da repressão aos chamados inimigos internos na URSS e nas democracias populares. Tivemos a volta dos famigerados “processos” – a exemplo dos “processos de Moscou”, ocorridos na segunda metade da década de 1930. Sem querer justificar os crimes cometidos contra a legalidade socialista, podemos afirmar que o imperialismo teve parte da responsabilidade pelo “déficit democrático” do socialismo soviético. Em dezembro de 1949, a inesperada vitória da revolução chinesa colocou mais lenha no conflito entre EUA e URSS.
Os comunistas e o “Apelo de Estocolmo”
Em 1948, em meio à crise de Berlim, iniciou-se uma grande campanha internacional em defesa da paz. No mês de agosto realizou-se na Polônia o Congresso Mundial de Intelectuais pela Paz. No ano seguinte, em abril, reuniu-se em Praga, o I Congresso Mundial dos Partidários da Paz com representantes de 72 países. O encontro estava previsto para ser em Paris, mas as autoridades francesas não permitiram a entrada das delegações vindas da URSS e dos países socialistas.
Uma nova Conferência dos Partidos Comunistas, ocorrida em 1949, reafirmou que a luta pela paz e contra os preparativos guerreiros do imperialismo estadunidense eram as tarefas centrais do movimento comunista internacional. No seu informe, Suslov destacou: “Agora que a ameaça de uma nova guerra se agrava os Partidos Comunistas e operários tem uma grande responsabilidade perante a história (…) devem utilizar todos os meios de luta para garantir a paz sólida e duradoura, subordinando toda a sua atividade a esta tarefa central do momento”. Continuou ele: “Este movimento pode e deve englobar todos os que, independente de suas convicções políticas, de crenças religiosas e de sua filiação partidária, queiram a paz, a honra, a liberdade nacional e a soberania de seu país”.
Contudo, a campanha dos comunistas brasileiros se diferenciou da campanha travada em alguns outros países. Prestes, já no início de 1949, procurava vincular diretamente a campanha pela paz com a luta armada pela derrubada do governo Dutra, “que, a serviço do imperialismo ianque, tratava de amarrar nosso povo às aventuras dos trustes e monopólio e do governo de Washington”.
Em outro artigo, escreveu o dirigente comunista Maurício Grabóis: “Esta luta não pode, pois, se resumir unicamente à atividade de coleta de assinatura para o Apelo de Estocolmo (…). A luta pela paz deve ser ampliada através de ações concretas cada vez mais elevadas e enérgicas (…). A maior contribuição que o nosso povo dará à grande causa da paz será derrotar internamente os fautores da guerra, libertando o país da dominação imperialista norte-americana, passando o Brasil do campo imperialista e antidemocrático para o campo das forças da paz e da democracia. Isto, no entanto, só será possível (…) com a derrubada do poder dos latifundiários e da grande burguesia, com a conquista enfim da democracia popular”.
No mesmo rumo foi o artigo de outro dirigente, Diógenes Arruda Câmara, publicado no começo de 1951: “não temos sabido na campanha dos 4 milhões de assinaturas nos utilizar de cada fato concreto para educar revolucionariamente as massas e ganhá-las para o programa da FDLN (Frente Democrática de Libertação Nacional), convencendo-as da necessidade de passar às ações concretas pela paz, lutando ao mesmo tempo pela libertação nacional e a democracia popular.” Estávamos, então, sob a égide do Manifesto de Agosto de 1950. Escrito por Prestes, dentro de uma linha de viés esquerdista, apregoava a preparação imediata da luta armada para derrubar o regime e instaurar uma democracia popular, rumo ao socialismo.
A campanha da paz foi duramente reprimida pelos governos de Dutra e Vargas. No início de 1949, o PCB havia tentado realizar um Congresso Brasileiro dos “Partidários da Paz” na sede da UNE. O marechal Dutra mandou dissolvê-lo utilizando-se da força. Houve agressões e até tiros. Entre os feridos se encontravam o deputado pernambucano Paulo Cavalcanti e João Saldanha, futuro técnico da seleção brasileira.
Por sua vez, o chefe de polícia paulista proibiu “todas e quaisquer atividades rotuladas de Congresso da Paz, Conferência sobre a Paz e a Cultura ou semelhantes, mesmo que programadas em recintos fechados e orientadas por elementos que ostensivamente não militam em atividades comunistas”. No Brasil, defender a paz mundial passou ser considerado algo subversivo e atentatório à segurança nacional.
Em março de 1950 o comitê permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, lançou uma campanha internacional de coleta de assinaturas pela paz e a proibição das armas atômicas. Este documento ficou conhecido como “Apelo de Estocolmo”.
Maurício Grabóis, em editorial da revista Problemas, escreveu: “A campanha de assinatura para o Apelo de Estocolmo constitui a tarefa principal do momento para todo o nosso povo. Não há tempo a perder na luta pela proibição da bomba atômica (…). Um novo conflito mundial pode ser deflagrado a qualquer momento pelos imperialistas norte-americanos (…). Nesse sentido, as centenas de milhões de assinaturas que o Apelo de Estocolmo receber serão uma das maiores contribuições para deter e derrotar a ação criminosa dos provocadores de guerras”.
Os comunistas brasileiros se destacaram nesta campanha. O objetivo proposto para o país era coletar quatro milhões de assinaturas. Em agosto de 1950 eles anunciaram que já tinham conseguido dois milhões de adesões. Segundo Diógenes Arruda, a campanha conseguiu mais de 4,2 milhões de assinaturas e se encerrou com um ato público em janeiro de 1951. Portanto, o país se destacou na campanha mundial promovida pelos “partidários da paz”.
Um fato curioso ocorrido durante a campanha pela coleta de assinaturas envolveu a seleção brasileira às vésperas da Copa de Mundo de 1950. Em junho daquele ano a Voz Operária publicou uma matéria com o título “Os craques do Brasil assinam o apelo”. Nela afirmava que todos os jogadores da seleção brasileira haviam assinado o documento, além da equipe técnica. O técnico Flávio teria dito ao repórter: “Assino o apelo de Estocolmo com muito prazer. Acho que a guerra e o esporte são duas coisas antagônicas. A guerra só serve para dividir os povos. O esporte, ao contrário, serve para uni-los”.
Contudo, nos dias seguintes, os integrantes da equipe brasileira se apressaram em desmentir a matéria do jornal comunista. O jornal O Globo assim “explicou” o fato: “Alguns elementos comunistas, dizendo-se ‘enviados da igreja’, pediram aos clacks de nosso selecionado o apoio ao um Manifesto de Sua Santidade, o Papa, em prol da Paz universal. Assim, ludibriados, não tiveram os jogadores a menor dúvida em assinar tal manifesto. E – contam os próprios enganados – ainda lhes garantiram os desconhecidos – que as assinaturas tinham um destino: a benção do Vaticano”. Possivelmente sob forte pressão, jogadores e equipe técnica apresentaram uma nota pública desvencilhando-se dos autores e divulgadores do Apelo de Estocolmo, referindo-se a estes como “emissários a serviço de uma doutrina que prega desordem da Pátria e o desentendimento entre os brasileiros”.
A violência policial aumentava dia-a-dia. No primeiro de maio de 1950, na cidade de Rio Grande (RS), a policia atirou contra uma manifestação e matou quatro operários: Angelina Gonçalves, tecelã; Euclides Pinto, pedreiro; Honório Porto, portuário; Osvaldino Correia, ferroviário e ferindo gravemente o líder portuário e vereador comunista Antônio Rechia.
No mesmo ano, a polícia de Pernambuco prendeu membros do movimento de partidários da paz que pacificamente coletavam assinaturas. As mulheres presas tiveram seus cabelos tosquiados à faca. O militar comunista Agliberto Azevedo foi preso em Recife quando fazia propaganda contra a manutenção de soldados estadunidenses na radio station em Pina, remanescentes do período que tropas dos EUA estiveram alojadas no nordeste. O STF negou-lhe o Hábeas Corpus. Agliberto cumpriu vários anos de prisão e denunciou ter sido vítima de torturas. Ele havia sido uma das lideranças do levante da Aliança Nacional Libertadora, ocorrido em novembro de 1935.
Contra a guerra na coréia
Quando eclodiu a guerra na Coréia, em junho de 1950, o mundo se viu novamente diante de uma ameaça de guerra iminente. No transcurso do conflito, os generais norte-americanos ameaçaram lançar bombas atômicas contra a China que, através de voluntários, apoiava os norte-coreanos. A intervenção dos chineses se justificava, pois a ocupação imperialista na Coréia colocava em risco a segurança do seu próprio território.
Os Estados Unidos e a ONU solicitaram ao governo brasileiro o envio de tropas para combater naquela guerra. Iniciou-se então uma grande luta contra a participação do Brasil no conflito asiático sob o slogan “nenhum soldado para a Coréia”. Organizaram-se passeatas relâmpagos em diversas cidades brasileiras. Em julho de 1950, sob inspiração do PC do Brasil, foi constituído o Movimento Nacional pela Proibição das Armas Atômicas.
As manifestações em defesa da paz mundial e contra o desarmamento atômico continuaram sendo reprimidas. Em agosto de 1950, a policia invadiu a o local onde se realizava a Conferência do Movimento Nacional Pela Proibição de Armas Atômicas e espancou os 40 delegados presentes, um deles, o operário Luiz Alba Sanches, sofreu fratura na espinha dorsal e ficou paraplégico.
No mês seguinte, a polícia gaúcha assassinou nas ruas da cidade de Livramento quatro militantes do Partido Comunista do Brasil: Abdias Rocha, líder camponês; Rosales, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Carnes; Aristides Ferrão Correa, operário; e Ary Kuhlman, comerciário. Vários outros ficaram feridos. O massacre ficou conhecido como “chacina dos 4 A”.
Ainda em setembro, em São Paulo, a valente militante operária e comunista Elisa Branco desfraldou, em meio ao desfile do sete de setembro, uma faixa com a frase: “soldados nossos filhos não irão para a Coréia”. Este ato lhe custou uma condenação de três anos de prisão. Ela acabou virando um dos símbolos da luta pela paz em nosso país e no mundo. Quando foi libertada ganhou o prêmio Stalin da Paz, a principal comenda do movimento comunista internacional daquela época.
Em novembro de 1950 se reuniu o II Congresso Mundial dos Partidários da Paz em Varsóvia, no qual aprovou a palavra de ordem “A paz não se espera, conquista-se!”. As posições tenderam a se radicalizar, diante da perspectiva de uma guerra mundial iminente.
Outro alvo da ação dos “partidários da paz” brasileiros foram alguns filmes produzidos por Hollywood. Naqueles anos começaram chegar ao país várias produções com conteúdos abertamente anticomunistas, a exemplo de “Traidor” e “Cortina de Ferro”. Estas fitas procuravam criar um estado de espírito favorável à guerra contra a URSS.
Circulava livremente pelo país filmes de propaganda guerreira, produzidos diretamente sob os auspícios do Departamento de Estado dos EUA. Um deles se chamava “Um ano da Guerra da Coréia”. Segundo o pesquisador Alexandre Busko Valim, em setembro de 1951, o Consulado dos Estados Unidos informava que “entre junho e setembro, o filme havia sido exibido para um público de 264.719 brasileiros, em 176 diferentes cinemas em todo o Brasil; dentre os quais, 108 somente na cidade do Rio de Janeiro e no Estado de São Paulo”. Estas eram batalhas de uma extensa guerra psicológica travada contra as idéias socialistas na área de influência estadunidense.
Como resposta, o Partido Comunista do Brasil organizou manifestações na frente dos cinemas que passavam esses filmes. Seus militantes chegaram mesmo a realizar ações mais radicalizadas. Atacaram os locais com coquetéis molotov e destruíram algumas de suas instalações. Ás vezes grupos de jovens interrompiam as sessões com palavras de ordem contra a guerra e o imperialismo norte-americano. Vários foram presos durante essas verdadeiras operações de guerrilha cultural.
No início de 1951, os “Diários Associados”, pertencente à Assis Chateaubriand, também foi alvo da ação dos “partidários da paz”. Num verdadeiro ato de provocação – e subserviência aos interesses dos EUA, os jornais desta rede começaram a realizar uma campanha visando arregimentar jovens voluntários para combater na Coréia. Segundo depoimento de Dyneas Aguiar, os membros da juventude comunista não perderam tempo. Invadiram a sede da empresa e queimaram um boneco representando o seu proprietário. Temendo novos ataques, resolveu-se encerrar a campanha de voluntários para a Coréia.
Todos e quaisquer movimentos de tropas causavam temor que se estivessem preparando envio de soldados brasileiros para combater na Coréia. Em fevereiro de 1951, uma matéria escrita por Jacob Gorender ao jornal Voz Operária descrevia a luta do povo baiano pela volta dos recrutas do 19º Batalhão de Caçadores que haviam sido deslocados para o estado do Pará. Os manifestantes afirmavam que “o Pará era o caminho da Coréia”.
Um Congresso do Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz foi realizado em julho de 1951. Desta vez não houve complicações com a polícia. Novamente, os comunistas afirmaram a necessidade de articular a luta pela paz com o movimento revolucionário de libertação nacional. Escreveu João Amazonas: “A luta pela paz, para nós, comunistas, é (…) inseparável da luta pela libertação nacional. Intensificando a luta pela libertação nacional, nosso povo dará melhor contribuição à causa da paz, como já fazem o heróico povo coreano e os países do sudeste de Ásia.” Em maio de 1951, visando divulgar o movimento, havia sido criada a revista intitulada Partidários da Paz.
Em São Paulo a polícia dissolveu violentamente o comício marcado no Largo do Belém e diversos militantes foram presos, entre ele Inácio Tavares e Laércio Melo – candidatos a vereador na capital. Em Niterói uma passeata foi reprimida e em Aracajú 15 pessoas foram presas durante os protestos contra a guerra. Portanto, a repressão ao movimento pela paz continuou bastante ativa mesmo durante o segundo governo Vargas, embora com menos truculência do que no período Dutra.
Em março de 1952, os comunistas brasileiros tentaram organizar a Conferência Continental Americana Pela Paz, mas ela foi proibida. O próprio Vargas pessoalmente assumiu a luta contra os “partidários da Paz”.
Na mensagem lida durante a abertura da sessão legislativa do Congresso Nacional afirmou: “Na mesma linha de ação subversiva vale destacar as iniciativas e os movimentos conhecidos como ‘ação pró-paz’, que constituem o mais recente disfarce da atividade comunista. Os movimentos ‘pró-paz’, apresentando-se como honesta e humanitária reivindicação pela paz, conseguem, de um lado, submeter à influência do comunismo setores da população que repudiariam sua ação ostensiva. Por outro lado, esses movimentos dificultam a repressão das autoridades, porque visam, nominalmente, propósitos perfeitamente legais. Não obstante, esses movimentos têm sido cuidadosamente fiscalizados pelas autoridades e, ainda recentemente, o Ministério da Justiça decidiu proibir a realização do I Congresso Continental da Paz”.
Em janeiro 1952, a polícia política de Lucas Garcez, governador de São Paulo, atacou a sede do jornal comunista Hoje. Este havia denunciado um plano secreto de recrutamento para a Guerra na Coréia. Na ocasião foi preso o jovem jornalista Raul Azeno. No mês de agosto correu o boato de que marinheiros brasileiros já estavam sendo enviados à Coréia. Os comunistas mobilizaram-se e realizaram uma jornada de lutas, exigindo o seu regresso. Alguns meses antes, eles se mobilizaram pela volta dos marinheiros que tinham ido aos Estados Unidos para trazer os cruzadores Tamandaré e Barroso, recém adquiridos pelo Brasil.
Na mesma época o PC do Brasil iniciou uma grande campanha contra a proposta de um acordo militar entre o Brasil e Estados Unidos, recolhendo mais 90 mil assinaturas contra tal tratado. Mas, apesar disso, ele foi assinado por Vargas em fevereiro. Os termos eram tão aviltantes à soberania nacional que o próprio ministro da guerra, o general nacionalista Estilac Leal, renunciou ao cargo. São medidas autoritárias (e pró-americanas) como estas – no auge da guerra fria e diante de uma guerra mundial iminente – é que explicam (e não justificam) a posição dos comunistas em relação ao governo de Vargas.
Mudanças de rumo da luta pela paz
Á partir de 1952 o movimento mundial pela paz, dirigido pelos comunistas, começou a sofrer uma mudança. Na tentativa de corrigir possíveis desvios esquerdistas, Stálin afirmou: “O atual movimento pela paz tem por objetivo levantar as massas populares para a luta pela manutenção da paz, para conjurar uma nova guerra mundial. Por conseguinte, esse movimento não tem o objetivo de derrocar o capitalismo e estabelecer o socialismo, e se limita aos fins democráticos da luta pela manutenção da paz. Nesse sentido (…) se distingue do movimento desenvolvido no período da primeira guerra mundial pela transformação da guerra imperialista em guerra civil, pois este movimento ia mais longe e perseguia fins socialistas”.
Este novo posicionamento soviético levou a certa alteração nos rumos da campanha no Brasil. Ela foi, definitivamente, separada da luta revolucionária pela instauração de um governo democrático e popular. No informe ao Pleno do Comitê Nacional de abril de 1953 Prestes, seguindo as indicações de Stalin, afirmou a necessidade de combater os desvios de alguns militantes que pretendiam “levantar de maneira estreita e sectária, a questão da independência nacional dentro do movimento dos partidários da paz”. Esses comunistas “pretendiam desviar o movimento da paz de seu amplo objetivo de manter a paz e impedir uma nova guerra mundial para um objetivo mais avançado, a destruição do sistema imperialista”.
Lembramos apenas que a confusão – se existiu – não foi apenas de alguns militantes e sim dos principais dirigentes do Partido Comunista. O desanuviamento das tensões internacionais, ocasionado pelo fim da guerra da Coréia em julho de 1953, levou que a luta pela paz mundial entrasse numa nova fase.
Bibliografia
Coleção da revista Problemas – 1948-1953
Coleção Voz Operária – 1950-1953
Barros, Edgard Luiz de, A guerra fria, ed. Atual/ed.Unicamp, 1986
Claudin, Fernando, A crise do movimento comunista, 2 volumes, Ed. Global, 1985
Jdanov, André, Relatório sobre a situação internacional, Ed. Maria da Fonte, Lisboa, 1975
Valim, Alexandre Busko, “Política no escurinho do cinema” In Leituras da História.
Ribeiro, Jayme Fernandes, Os “combatentes da paz”: a participação dos comunistas brasileiros na Campanha pela Proibição das Armas Atômicas (1950), dissertação de mestrado em História,
Universidade Federal Fluminense, 2003.
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