PCdoB: 88 anos de luta e programa
Construídos quase todos em meio aos maremotos e turbulências da luta de classes, representam um preciosíssimo patrimônio a ser cultivado pelos comunistas — como quem rega suas flores enquanto azeita seus canhões de esperança apontados para um ansiado e perseguido horizonte de paz, justiça e prosperidade social —, visto que contribuíram decisivamente para a formação do Brasil que temos hoje.
É o momento no qual o Partido Comunista do Brasil, beneficiário desta construção histórica, completa seus 88 anos de existência mas comemora em especial os 25 anos do período mais extenso de legalidade, com inúmeras realizações em todas as frentes de luta.
Neste período de significativo impulso — uma conquista que tem tudo a ver com nossa contribuição secular —, busca uma permanente renovação de conceitos que reafirmam o caminho revolucionário com feição contemporânea, ao tempo que, apoiando o governo Lula, estimula o desenvolvimento com valorização do trabalho mediante o incremento de um projeto nacional que valorize o Brasil e o seu povo. Trata-se este de um projeto de elevada relevância para a atual quadra. Prova disso é que já tem sido reproduzido inclusive pelo PT.
O Partido Comunista do Brasil, tal como nos informaria a dialética materialista, se formou no século XX enquanto tese (1922), antítese (1962) e caminha para a sua síntese no século XXI, em curso.
Sua tese inicial negou o anarquismo e afirmou a organização política da classe operária; sua antítese negou o revisionismo, o caminho da capitulação e liquidação do Partido; e sua síntese afirmará o caminho revolucionário. Sem o qual estarão perdidos e atirados à lata de lixo da História praticamente um século de lutas, alegrias, suor, sacrifícios, conquistas, muito sangue derramado, heroísmo e, sobretudo, como tempero especial, um protagonismo que é essencialmente responsável pela conquista do atual patamar de liberdades — no qual coexiste o democrático e o popular em busca de uma nova correlação de forças.
É inegável que, nesta síntese, nosso Partido cultiva a destinação estratégica de influir nos acontecimentos e em algum momento comandar a viragem que fará do Brasil e de seu povo aquilo que Darcy Ribeiro qualificava como “primeira classe”. Para cumprir essa missão, mesmo que para tanto levemos mais 88 anos (lutemos numa quota extra para que seja muito menos), será necessário que, antes de tudo, respeitemos nossa trajetória construtiva e cumulativa sintetizada nas nossas lutas e aprimorada pela experiência da vanguarda consciente do proletariado.
Questão de precedência
E isto implica o respeito ao elementar conceito de precedência: como nas singelas lições dos nossos pais e mães, avôs e avós, tanto no respeito aos mais velhos como no respeito aos que tombaram e à obra que nos legaram. Sem eles, nós (e nossas ambições transformadoras) seríamos absolutamente nada. Para começar, nem teríamos nascido (e com vigência) na política.
Desse modo, sempre em busca da perfeição, mas, nas diversas circunstâncias, orientados pelo método dialético que determina as mudanças de rumo ou correções de rota táticas e estratégicas necessárias, os comunistas de vanguarda que nos precederam jamais deixaram desarmado o seu coletivo partidário. É o que nos informam, entre outras formulações brotadas após os árduos primeiros tempos da afirmação partidária, o Programa do IV Congresso, de 1954 , o Manifesto Programa, de 1962 , o Programa Socialista de 1995, confirmado em 1997 , e o atual Programa, especial beneficiário das diversas experiências de elaboração anteriores.
É o que veremos a seguir, em breve percurso.
Legítima rebeldia
Em 88 anos de História, o Partido Comunista do Brasil, em sua natureza política e organizativa, tornou-se o legítimo sucedâneo da tradição de rebeldia dos movimentos populares e contestatórios ao colonialismo, ao imperialismo e ao sistema de controle monopolista da propriedade territorial — de sesmarias, capitanias e depois latifúndios — ocorridos na nossa formação econômica e social. Nessa trajetória, vicejou e se afirmou com o surgimento e evolução da sua classe fundamental — a classe operária.
Sob a determinação política de expandir sua influência num nível superior, assumiu firmemente a visão estratégica que favorece as classes e camadas oprimidas e despojadas do nosso povo, assumiu o arcabouço do socialismo científico e o marxismo-leninismo como teoria fundamental das transformações requeridas ao rumo de uma sociedade libertária, justa e igualitária.
Partido de Programa; não de aluguel
Nesta contextualização, o PC do Brasil adota o materialismo histórico e dialético enquanto método fundamental do seu exame e intervenção na realidade, rejeitando o dogmatismo e o reformismo, os desvios de esquerda e direita, na medida inteligente e diligente da correta compreensão da teoria e da realidade, rejeitando a sua tergiversação e sua manipulação oportunista — que favorecem o inimigo de classe.
Também neste prumo, o PCdoB qualificou-se como uma legenda partidária que não se confunde com as legendas de aluguel; ou seja: é uma organização que tem programas e princípios, não se subordina a nenhuma outra agremiação, recusando-se a traficar com os interesses da classe operária e do povo trabalhador.
O PCdoB é beneficiário hoje das formulações e da luta histórica empreendida para que, acima das dificuldades e atropelos da ação cotidiana, sob quaisquer circunstâncias, sua militância estivesse naturalmente armada com um programa político.
Antecedentes de luta e elaboração
Em especial, precedendo a aprovação do atual programa no período do regime militar e sucedâneo, o grau de amadurecimento dos comunistas foi materializado com (1) o Programa de 1954, do IV Congresso – ainda influenciado pelo núcleo histórico que impediu a liquidação do Partido, travando a luta ideológica inclusive contra a arrogante linha oportunista de direita que, sucumbindo ao revisionismo (que envolucrou, entre outras mazelas, o pacifismo e a capitulação ao imperialismo), tratava de embelezar o capitalismo, alimentando a seguir sua posição na Declaração de Março de 1958;
(2) o Manifesto Programa de 1962 – que representou o desdobramento de uma enérgica viragem, visto que foi elaborado com a reorganização do Partido Comunista do Brasil, ameaçado de liquidação pela onda revisionista ocasionada pelo XX Congresso do PCUS;
(3) o Programa Socialista de 1995 – aprovado na conferência de 1995 e ratificado pelo Congresso partidário de 1997, um salto qualitativo — e o mais importante da nossa História — porquanto representou uma ruptura com a visão de duas etapas no processo da revolução.
Formidável conteúdo
Se foi possível chegarmos a um Programa para a atual quadra histórica, isso se deve a tais formulações, produzidas desde longo período da luta de classes, envolvendo as experiências cumulativas — essencialmente responsáveis pelos saltos de qualidade — de convivência com a sociedade e com a realidade brasileira, inclusive na resistência à ditadura do Estado Novo e ao regime militar.
Não se trata de apreciação ao odor da naftalina ou veneração a peças sagradas de museu ou templos de adoração, sequelas da formação fisiológica ou cultural adequadamente posicionadas pela dialética materialista. Trata-se de — muito mais ainda que o elevado respeito devido a quem lutou com o sacrifício da própria vida — do reconhecimento ao formidável conteúdo que resultou do debate ao qual não se abdicou em nome dos embates e das difíceis circunstâncias da época.
Trata-se de reconhecer, portanto, que o golpe militar de 1964, por exemplo, já encontrou os comunistas revolucionários armados de tal arcabouço político, teórico e ideológico. Para a militância que se engajava na luta pelas liberdades políticas, aí sim, tratava-se apenas de, abandonando a preguiça ou reagindo às bactérias do reformismo de ocasião, abeberar-se nesta fonte cristalina, um autêntico manancial transformador.
Sem dissimulação
Defender o caminho revolucionário sempre exigiu firmeza dos comunistas em todas as épocas desde o Manifesto de 1848 até os períodos de maior acirramento da luta de classes.
Da inspiração do caminho revolucionário brotaram estratégias e percursos táticos por vezes sinuosos. Do pavor que inspirava a expressão “ditadura do proletariado”, articulou-se a mais amena formulação da “democracia popular”, sem que isso implicasse qualquer movimento na essência dos conceitos: a ditadura da burguesia, acrescida do atributo “monopolista” não perdeu sua natureza e tampouco o seu contrário — a ditadura do proletariado.
Em todos os Programas, as formulações apresentam em comum a coerência na definição dos obstáculos estruturais que devem ser removidos para a conquista do poder político pelos trabalhadores e pelo povo com a classe operária à frente das transformações. Numa marca característica, comum, não afirmam a condescendência com o inimigo de classe e nem dissimulam os objetivos dos comunistas, no figurino do Manifesto de 1848.
Todos concluem que o Brasil é um país riquíssimo sob a ótica das suas riquezas naturais, tornando-se uma inevitável contradição antagônica a persistência da miséria e do mal estar para o nosso povo.
Diálogo entre Programas
Afirmava o programa do IV Congresso:
“O Brasil é um país imenso e dotado de grandes riquezas naturais. Possui riquíssimas jazidas de ferro, manganês, tungstênio, ouro, petróleo, carvão, minerais radioativos. Dispõe de terras fertilíssimas e de clima favorável ao cultivo dos mais variados produtos agrícolas. Extensos vales e planaltos possibilitam a criação de todas as espécies de gado. São enormes as reservas florestais. O grande potencial hidráulico poderia ser utilizado para a construção de sistemas de irrigação contra as secas e para a eletrificação da economia nacional”.
Como se respondesse à questão posta, informava o texto do Manifesto Programa de 1962, após um exame das grandiosas mazelas que infelicitavam a Nação:
“Por que tudo isso ocorre num país tão imenso e rico, habitado por um povo laborioso? Isso se verifica devido à espoliação do país pelo imperialismo, em particular o norte-americano, ao monopólio da terra e à crescente concentração de riquezas nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas.
Os imperialistas dominam importantes setores da economia nacional. São donos das indústrias de automóveis, pneumáticos, vidro plano, produtos farmacêuticos, frigoríficos, etc., e controlam quase toda a produção e distribuição de energia elétrica, bem como o comércio de petróleo. (…) Os monopólios ianques ocupam posição destacada no comércio exterior do Brasil, impõem preços cada vez mais baixos aos produtos brasileiros de exportação e elevam constantemente os dos bens que o país importa. (…) O café, por exemplo, baixou de 47 centavos de dólar a libra-peso, em 1956, para 35 centavos. Parte considerável da exportação desse produto, assim como o beneficiamento e o comércio interno e externo do algodão encontram-se em mãos de firmas norte-americanas. As empresas imperialistas gozam de privilégios na importação de maquinaria e equipamentos industriais. Os juros e a amortização das dívidas do Brasil com os Estados Unidos, contraídas, em grande parte, para atender os interesses dos próprios monopolistas ianques, exigem, anualmente, somas astronômicas, que consomem importantes parcelas da receita cambial. Assim, os imperialistas norte-americanos absorvem boa parte da renda nacional e drenam para o exterior vultosos recursos que poderiam ser empregados no desenvolvimento do país”.
E o Programa Socialista de 1995, num percurso de décadas para os dilemas e obstáculos estruturais persistentes, ampliava contributivamente as explicações em seu enquadramento internacional:
“A CRISE estrutural que atinge o Brasil, embora com características próprias, não é fenômeno apenas brasileiro. Faz parte da crise mundial do capitalismo-imperialismo, parasitário e em decomposição. Baseado no monopólio, esse sistema conduziu — como previram os clássicos do marxismo — à gigantesca concentração da produção e da renda nas mãos de um punhado de monopolistas que domina e explora o mundo inteiro. A concentração toma forma mais precisa no aparecimento dos oligopólios de feição multinacional. Uns poucos oligopólios controlam ramos inteiros de indústrias fundamentais instaladas em diferentes regiões do Globo. E a partir desse controle, submetem a economia de inúmeros países. Tal concentração manifesta-se igualmente no capital financeiro, no reforçamento da oligarquia financeira internacional que promove a espoliação e submissão, econômica e política, de grande parte das nações”.
Ricos elementos de avaliação
E todos os Programas apresentaram diagnósticos quanto à miséria da classe operária, do campesinato, das massas despojadas e excluídas no campo e na cidade, da classe média, do pequeno e médio empresariado. Caminhos e soluções para todas as questões aflitivas dos imensos contingentes sociais marginalizados pelos mesmos obstáculos: em suma, o latifúndio improdutivo, a burguesia monopolista, o capital financeiro.
De um modo tal, que nenhum militante caísse sem norte de um caminhão de mudanças, muito menos na clandestinidade.
Com todas as debilidades que sói acontecer com a produção humana (até mesmo com aquela que se arma do materialismo histórico), tais Programas apresentam clarividência histórica em riquíssimos elementos de avaliação.
Quem deseja, a guisa de exemplo, compreender plenamente os precedentes do golpe militar que levou os comunistas à ilegalidade deve contemplar tais preciosidades. Denuncia-se, no Programa de 1954, inclusive que, em dado momento da nossa História, os oficiais-comandantes das nossas tropas eram norte-americanos:
“As ordens dos imperialistas norte-americanos são transformadas pelo atual governo em leis do país, sempre com o objetivo de tornar mais fácil o assalto às riquezas nacionais e a exploração redobrada de nosso povo. Contra a vontade manifesta da nação, o governo de latifundiários e grandes capitalistas firmou com os Estados Unidos o «Acordo Militar» e outros tratados lesivos aos interesses brasileiros. As forças armadas nacionais são entregues ao comando direto de generais e almirantes norte-americanos, que as preparam ostensivamente para as guerras de agressão planejadas pelos militaristas dos Estados Unidos”.
Como a gloriosa FEB (Força Expedicionária Brasileira), solidamente marcada pela presença dos comunistas, fora encerrada com o desfecho da II Guerra Mundial, esta preparação castrense subordinada voltou-se contra o povo brasileiro na ruptura que marcou o ocaso da era Vargas e o trágico advento do regime militar de 1964.
Da esquerda…
Mauricio Grabois e João Amazonas
Não obstante o simbolismo deste diagnóstico, que já conotava uma frágil (mas não reconhecida) posição varguista na relação com o ímpeto imperialista, na trajetória do Partido ocorreriam tais discrepâncias em circunstâncias cruciais — em parte explicável pelas contradições vicejantes entre Luiz Carlos Prestes e o núcleo formado por João Amazonas, Mauricio Grabois (na foto, à esquerda, com João Amazonas) e Pedro Pomar, entre outros camaradas.
Exemplarmente, isso parece ocorrer quando o Programa do IV Congresso tratou em toda a sua elaboração da derrubada deste segundo governo Vargas, que perdurou de 1950, quando foi eleito, até o seu suicídio, em agosto de 1954.
(Revelava-se aí uma dificuldade que poderia ser contemporânea: caso o Partido adotasse a decisão de propor a derrubada do governo Lula porque este não levou a termo uma ruptura efetiva com o latifúndio e com o capital financeiro — a quem pertence efetivamente o poder de Estado —, por exemplo, ignorando-se aspectos positivamente conquistados na luta pela restauração das liberdades políticas e em oposição ao neoliberalismo. E aspectos que admitem a pressão por avanços e pela alteração na correlação de forças quanto aos inimigos fundamentais no processo da luta de classes).
No caso do segundo governo varguista, o conteúdo do documento o qualifica como subordinado ao latifúndio (ao qual Vargas, de fato, não teria se colocado em aberta oposição, mesmo desmontando a base fundamental das oligarquias ao cavalgar sua montaria industrializante), ao imperialismo e à burguesia monopolista associada, sem perceber, como recomendaria a dialética, que as contradições internas apontavam para sua iminente queda.
De acordo com Moniz Bandeira: “a partir de 1951, Vargas instituiu o monopólio estatal do petróleo, elaborou o projeto da Eletrobrás, negociou com cientistas alemães a compra de tecnologia nuclear, encareceu as importações de bens de capital, por meio da Instrução 70, da SUMOC, e tentou o controle sobre as remessas de lucros para o exterior. Tais iniciativas, objetivando a equacionar os problemas de energia, a induzir a fabricação de máquinas e equipamentos no Brasil e a conter a evasão de capitais, afetavam naturalmente interesses monopolísticos de poderosos cartéis, que investiram contra o governo, para derrubá-lo, em aliança com a burguesia comercial, beneficiária dos negócios de importação e exportação. A campanha, ativada pelo jornalista Carlos Lacerda e pelos oficiais da Cruzada Democrática, resultou no suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954. O impacto político de sua morte, ao denunciar as manobras dos grupos estrangeiros, desencadeou uma reação popular de tamanha magnitude que paralisou o golpe de Estado, impediu-lhe a radicalização, sustando a tendência autoritária a que parte das Forças Armadas aderira” .
Se as contradições com o imperialismo e os labores industrialistas da era Vargas foram ignorados, o caminho em seguida tomou outro desvio. O sinal veio das ruas, quando uma multidão pranteou, entre inconsolada e furiosa, a trama de morte contra o velho e paradoxal caudilho.
… À direita
O governo Juscelino Kubitschek, eleito com o apoio decisivo do PC do Brasil (num fato também mencionado por José Carlos Ruy em seu artigo Março de 1958: a certidão de nascimento do revisionismo – http://www.pcdob.org.br/noticia.php?id_noticia=126368&id_secao=3), entusiasmou de tal modo a direção que, do desvio de esquerda, passou-se, numa guinada, à linha direitista do apoio acrítico ao desenvolvimentismo, quando se tratava de toda uma década (os anos 1950) de crescimento acelerado.
São fortes os indícios da análise de que faltou-nos a correta compreensão do que Ruy destaca como elementos que influíram na eleição de Vargas e JK: “O intenso movimento de transformação se traduziu, na política, pela rejeição popular aos velhos oligarcas que haviam dominado no passado agro-exportador que o país começava a superar e no apoio crescente a políticos comprometidos com a via do desenvolvimento econômico”.
E aí, entretanto, se evidenciam e desvendam, no sentido exemplar, outras questões cruciais que deveriam seguramente constar da elaboração dos comunistas na relação dialética entre passado, presente e futuro.
Instrução do imperialismo
O setor de bens de consumo desenvolveu-se a partir da internacionalização da economia que teve como pedra de toque a Instrução 113, da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito). Editada em 1955 no governo Café Filho e revigorada por JK, essa Instrução foi o dispositivo legal que liberou a economia para as montadoras da indústria automobilística multinacional (hoje, no paroxismo, norte-americanas, japonesas, francesas, italianas, etc.,) em contraponto ao transporte de massas e sucedâneo sucateamento do nosso sistema ferroviário.
Inicialmente a Instrução garantia a importação de máquinas e equipamentos no exterior, sem impostos, desde que os empresários estrangeiros tivessem sócio nacional — fundamento legal para a expansão de uma burguesia associada ao imperialismo. Assim, realizou-se a abertura do mercado nacional para as grandes empresas estrangeiras, que passaram a investir maciçamente no Brasil, numa época onde havia disponibilidade de capitais, inclusive devido à relativa retração da indústria de guerra.
Assim, os EUA e potências européias incrementaram de modo internamente consentido a expansão imperialista. O crescimento da produção interna correspondeu, assim, ao aprofundamento da dependência tecnológica, pois as empresas importaram mais máquinas, e à dependência financeira que decorreu do maior endividamento e da remessa de lucros realizadas pelas multinacionais.
21 anos depois, na Praça do Pirulito
E esse processo percorreu décadas.
Em 1989, em São Paulo, no auge da disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, fazíamos, em matéria na Classe Operária uma reportagem sobre a privatização da Mafersa — que, ao ser “adquirida” pela francesa Alston, suprimiria por longos anos o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), adequado ao transporte de massas. E o Brasil persistiu carente de algo mais que um ponto de programa que cuidasse do transporte de massas.
No ano em curso, noticias da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) informam que seus técnicos começaram no dia 18/01/2010, mais de 21 anos após a privatização da Mafersa, a substituir trilhos para a implantação do VLT em Maceió. “As equipes iniciaram os trabalhos pela Praça do Pirulito, no Centro”, diz a notícia.
E aí se pensa que, com segurança, erros foram cometidos.
Tantos quantos cometeríamos hoje se concordássemos em nosso Programa atual com o caos urbano das nossas metrópoles e cidades entupidas de automóveis e chegando mais, aos borbotões e aos milhões numa tragédia anunciada.
E que esta catástrofe seria impulsionada pela renúncia fiscal do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) como solução compensatória (a cara do PT!) para a crise internacional do sistema capitalista? E em nome da classe operária que poderia ser desalojada das fábricas com o assustador débâcle das montadoras?
E quando parar tudo?
E, neste emblema programático, se perguntassem aos comunistas o que eles pretendem fazer quando um carro não conseguir mais se mexer atrás do outro, já que as vias urbanas foram totalmente entupidas pela produção automobilística do centro hegemônico do planeta?
Os comunistas certamente não poderiam afirmar que, embarcando numa viagem no tempo do seriado norte-americano Lost (“Perdidos”) voltariam a 1955 ou 1959, e revogariam a Instrução 113, da SUMOC, depondo Café Filho e JK, e fazendo a revolução antes que a “revolucionária” burguesia monopolista e financeira o faça. Porque falar de revolução no passado poderia, mas seria temerário falar em revolução no presente ou no futuro com todas as fantasmagorias de um Programa revolucionário!
E como fazê-lo sem enfrentar o imperialismo que entupiu nossas ruas, congestionou nossas cidades, promoveu nosso caos urbano e, sem dar um tiro, ocupou nossa Nação?
Simples assim: ninguém correria o risco de assustar ou ofender ninguém com terríveis ameaças de expropriação da propriedade privada. E seria muito mais fácil agora afirmar-se comunista; afinal, entre mortos e feridos no ataúde do caminho revolucionário, salvar-se-iam-se todos.
Perdidos com Gramsci
Então, estariam os comunistas irremediavelmente enredados na teoria gramsciana da hegemonia sob a liderança do proletariado, que talvez não seja o nosso providencial e popularíssimo presidente Lula. Mas, talvez, um suposto astucioso substitutivo reformista a negar o caráter radical da luta de classes e a afastar a necessidade da conquista do poder do Estado — no estilo de uma máxima, mais tresloucada do que reformista, do FSM: “Mudar o mundo sem tomar o poder”!
Entretanto, quem sabe, o presidente Lula, em sua legalidade de governo e mesmo impossibilitado de contrariar os rentistas em suas “intenções”, gostaria de saber que está obedecendo ao mesmo Programa do Partido Comunista do Brasil elaborado em 1954, em seu IV Congresso, que informava:
“A paz e a colaboração pacífica com todos os países podem assegurar ao Brasil vastos mercados para o excedente exportável de sua produção agropecuária e industrial, facilidades ilimitadas para a aquisição de equipamentos e matérias-primas necessários ao amplo desenvolvimento da indústria nacional. O caminho da paz e da colaboração pacífica com todos os povos é o caminho do progresso do Brasil, do rápido florescimento da economia nacional, é o caminho da liberdade e da independência, que conduzirá à elevação do nível cultural e a uma vida livre e feliz para o nosso povo. Este o caminho a seguir para que o Brasil ocupe relevante posição, como nação livre e independente, no seio da comunidade mundial das nações”.
Quem, portanto, ingressou no Partido Comunista após o período de vigência das primeiras experiências programáticas, já o encontrou armado de conceitos que nenhuma outra organização política no Brasil foi capaz de elaborar, mesmo as que desfrutavam da “confortável” legalidade burguesa. E que, com seus desdobramentos, pavimentarão o caminho revolucionário das mais generosas transformações acalentadas como utopia e cultivadas no generoso solo brasileiro.
Isso se dá precisamente na perspectiva do atual programa, aprovado no nosso 12º Congresso (foto), que afirma em sua abertura:
“O PCdoB está convicto de que, no transcorrer das primeiras décadas do século XXI, o Brasil tem condições para se tornar uma das nações mais fortes e influentes do mundo. Um país soberano, democrático, socialmente avançado e integrado com seus vizinhos sul e latino-americanos. Ao longo de mais de cinco séculos, apesar das adversidades, o povo brasileiro construiu uma grande Nação. Todavia, o processo conflituoso de sua construção trouxe para sua realidade presente um conjunto de problemas ao qual a atual geração de brasileiros está chamada a solucionar. As deformações e dilemas acumulados ao longo da história, se não forem superados com rapidez, poderão conduzir o país a retrocessos”.
E conclui reafirmando nossa perspectiva revolucionária:
“Esta é a proposta deste Programa Socialista para o Brasil. Esta é a mensagem de esperança e luta do PCdoB ao povo e aos trabalhadores, aos seus aliados, e a todos os brasileiros compromissados com o país e com o progresso social. Os comunistas alicerçados na força e na luta do povo estão chamados a construir um PCdoB forte à altura dos desafios desta grande causa. É hora de forjar, no curso da luta, uma ampla aliança nacional, democrática e popular que impulsione a jornada libertária para que o mais breve possível, neste século XXI, o Brasil se torne uma nação livre, plenamente soberana, forte e influente no mundo, justa e generosa com seus filhos e solidária com os povos do mun*do”.
*Luiz Carlos Antero é jornalista
Programa aprovado no 4º Congresso
Programa Socialista do PCdoB (1995)
Moniz Bandeira, Luiz Alberto. O governo João Goulart. As lutas sociais no Brasil — 1961 – 1964
Co-Edição: UnB. História. 320 páginas