A política sindical do PCB entre 1945 e 1962

Em abril de 1945 um encontro com a presença de 300 sindicalistas, representando 13 Estados, decidiu pela criação do Movimento de Unificação dos Trabalhadores (MUT). Logo após eclodiu uma série de greves importantes e o MUT prontamente se colocou como intermediário entre os trabalhadores e os patrões. No entanto, por pressão da linha política geral partidária, a direção sindical comunista assumiu posições ambíguas em relação a luta dos trabalhadores.

O PCB naquele momento adotava uma política de contenção das greves, considerando-as uma ameaça a política de União Nacional. Prestes assim se expressou sobre o movimento grevista espontâneo que se desenvolvia no país: “Nosso partido deve dirigir e não se deixar levar pelo movimento espontâneo das grandes massas (…) Se nos deixarmos levar pela tendência espontânea das massas, cujo descontentamento natural, em virtude da crise econômica e depois de tantos anos de reação, foi, e é, habilmente explorado pelo fascismo e sua quinta-coluna, serviria- mos inconscientemente a estes e cometeríamos o maior de todos os crimes contra o nosso povo”.

Dentro deste espírito a direção do MUT lançou um manifesto no qual afirmou: “A desordem, as greves e as perturbações só favorecem aos fascistas inimigos declarados do proletariado e do povo”. Apesar do esforço conciliador efetuado pela direção do MUT, a repressão sempre a teve como alvo privilegiado.

Apenas no início de 1946 o PCB começou a se alterar a sua posição. O dirigente comunista Pedro Pomar criticou duramente a atuação dos comunistas que “não compreenderam que ordem e tranqüilidade não querem dizer que deixemos de agir com energia pelo aumento de salários e por todas as reivindicações imediatas da classe operária”.

Em setembro de 1946 realizou-se o Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, com a participação de 2.400 delegados, e no qual os comunistas tiveram grande atuação. Os ministerialistas, em minoria, abandonaram o congresso que acabou aprovando a formação da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Esta não foi reconhecida pelo governo e pelos sindicalistas vinculados ao Ministério do Trabalho.

Mas um fator influenciou a política sindical comunista, foi o início da guerra fria. Isto fez acirrar ainda mais a repressão contra o movimento operário. Em maio de 1947, Dutra decretou o fechamento da CTB e interviu em 143 sindicatos sob direção trabalhista e comunista.

O PCB, na ilegalidade desde 1947, diante da impossibilidade de agir nos sindicatos oficiais, passou a concentrar sua ação dentro das fábricas, constituindo comissões e fundando associações profissionais. O “Manifesto de Janeiro de 1948”, que se constituiria no principal guia para ação dos comunistas até 1950, afirmava que a luta pelas reivindicações imediatas das massas trabalhadoras deveria ser organizada “dentro” das entidades sindicais já existentes ou, onde isso fosse impossível, dentro das novas organizações profissionais criadas nos próprios locais de trabalho.

A partir de janeiro de 1948, os comunistas passaram a realizar uma campanha contra o imposto sindical. Segundo eles, o peleguismo não poderia sobreviver sem as taxas compulsórias. O seu fim levaria, necessariamente, os pelegos a ampliar o quadro de associados e a buscar atender minimamente os interesses econômicos dos trabalhadores. Assim abrir-se-ia espaço para que de novo os sindicatos pudessem se encher de trabalhadores, facilitando a atuação dos sindicalistas mais combativos. O deputado comunista Pedro Pomar chegou a apresentar um projeto extinguindo o imposto sindical mas que acabou sendo engavetado.

Os comunista e o novo governo de Vargas

Em 1951 Vargas voltou ao poder e tentou uma nova aproximação com os trabalhadores. No discurso feito em primeiro de maio de 1951 exprimiu o seu grande projeto de incorporação da classe operária aos sindicatos oficiais e destes à política do governo. Afirmou Vargas: “Preciso de vós, trabalhadores do Brasil (…) preciso de vossa união; preciso que vos organizei solidamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso ao lado do governo, para que este possa dispor de toda força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas.” A CTB respondeu ao apelo e conclamou os trabalhadores a ingressarem “em massa” nos sindicatos, e criarem Conselhos Sindicais nos locais de trabalho.

Durante a sua campanha Vargas criticou as intervenções sindicais promovidas no governo Dutra e prometeu entregar os sindicatos para os trabalhadores, além de extinguir o “atestado de ideologia”. No entanto, poucos dias após sua posse, o seu Ministro do Trabalho afirmou: “Sou inteiramente contrário ao atestado de ideologia. Apenas não permitirei que nenhum comunista tome parte das direções sindicais”. O atestado ideológico somente foi revogado em setembro de 1952. Isto sinalizou uma mudança no sentido da radicalização da política “populista. A liberalização dos sindicatos levou a que os comunistas alterassem também a sua política sindical.

Em julho de 1952, no balanço de sua política sindical desde o início de 1948, a direção do PCB foi bastante crítica. Afirmava o documento: “Não colocamos (…) de maneira justa o problema da unidade do movimento operário (…) e quisemos, na prática, criar outro movimento sindical, independente, apoiado nas associações profissionais e nas organizações de empresas, sem que existissem condições para isso (…) Isto levava, como efetivamente levou, ao abandono do trabalho nos sindicatos, sem que simultaneamente, tivéssemos conseguido maior êxito na criação de associações profissionais capazes de levar, como supúnhamos possível, à organizações independentes do proletariado”.

A partir de então os comunistas procuraram formar chapas unitárias para concorrer às eleições sindicais. O líder comunista João Amazonas afirmou: “Nesta luta não se trata de atacar este ou aquele grupo de operários cujas opiniões divergimos. Isto seria ajudar a divisão almejada pelo ministério. A luta não é entre os trabalhadores, mas dos trabalhadores contra a interferência ministerialista (…) Torna-se, assim, urgente, organizar chapas unitárias, amplas, capazes de reunir a grande maioria dos sindicalizados (…)”.

No final de março de 1953, os comunistas de São Paulo dirigiram uma das maiores greves operárias da história brasileira que durou cerca de um mês, envolveu mais de 300 mil trabalhadores e teve um forte impacto na vida política nacional. Neste processo foi criado o Pacto de Unidade Intersindical.

Visando recuperar espaço perdido Vargas indicou João Goulart para o Ministério do Trabalho e sua primeira medida foi anunciar um reajuste de 100% no salário mínimo, uma reivindicação dos comunistas. Isto lhe custou a perda do cargo e o aumento da oposição conservadora, ligada ao imperialismo norte-americano. O PCB não compreendeu esta inflexão na política de Vargas e continuou fazendo-lhe oposição sistemática.

Em agosto de 1954 Vargas foi derrubado e se suicidou. Os comunistas, então, tentaram se colocar à frente das massas revoltadas e dirigir sua fúria contra os políticos e organizações pró-americanos. Dando uma guinada na sua política de alianças, buscaram se aproximar dos trabalhistas.

No entanto, um acontecimento internacional trouxe sérias implicações na política adotada pelos comunistas brasileiros. Em fevereiro de 1956 realizou-se o XXº Congresso do PCUS, que abriu uma nova fase na política do PCUS na qual predominou o reformismo. À partir de então iniciou-se um luta acirrada entre duas concepções no interior do Partido: a reformista e a revolucionária. Em agosto de 1957 vários dirigentes anti-reformistas, como João Amazonas, foram destituídos da comissão executiva do Comitê Central e no início de 1958 foi aprovada a Declaração de Março.

Este documento desarmava o povo ao afirmar que o processo de democratização seria “uma tendência permanente” e por isso mesmo poderia “superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente para diante”. A Declaração considerava a burguesia como “uma força revolucionária” e que existiria a “possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução antiimperialista e antifeudal” no Brasil.

Graças ao domínio que tinha sobre a máquina partidária, a influência de Prestes, e o apoio recebido do PCUS, a corrente reformista obteve a maioria no V° Congresso do PCB, realizado em 1960, e excluiu da direção antigos e experientes dirigentes, como o Amazonas, Grabois e Arruda.

No mesmo ano o Pacto de Unidade e Ação (PUA) – que congregava marítimos, portuários e ferroviários – dirigiu a greve da paridade, exigindo a equiparação de seus salários aos dos militares. A greve atingiu cerca de 400 mil trabalhadores. Em agosto de 1961 as forças conservadoras tentaram impedir a posse de Jango. O PCB e seus sindicalistas conclamaram a greve geral. “Que todos os cidadãos, afirmou a nota do PCB, homens e mulheres, organizem imediatamente, em cada fábrica, local de trabalho, escola e rua, comitês de resistência democrática! (…) Contra os golpistas (…) realizemos manifestações e passeatas, tornemos efetiva a greve geral!”. Neste processo foi formado o Comando Geral de Greve (CGG) com sindicalistas de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.

As mobilizações unitárias fortaleceram a aliança entre o PCB e a esquerda trabalhista o que garantiu a vitória em várias federações e confederações, como a CNTI. Em julho o Comando Geral de Greve convocou nova greve nacional contra a indicação do primeiro ministro Auro de Moura Andrade considerado “entreguista” e contrário às reformas de base. A greve foi vitoriosa e fruto da mobilização foi decretado, em 12 de julho, a lei que instituiu o 13º salário.

Entre 1961 e 1962 agravou-se a crise no interior do PCB. Em agosto de 1961 a direção do Partido registrou um novo programa e estatuto visando a legalização. O novo programa era ainda mais atrasado do que a “Declaração de Março” e o estatuto alterava o nome do Partido, mudando-o para Partido Comunista Brasileiro, e retirava qualquer referência ao internacionalismo proletário e ao marxismo-leninismo.

A corrente revolucionária enviou então uma carta ao Comitê Central, assinada por cem comunistas, criticando os desvios de direita e exigindo que se convocasse um novo congresso. Em resposta, a direção do PCB expulsou os principais signatários. Diante do ocorrido estes resolveram dar o passo decisivo no sentido de romper com os reformistas e, em fevereiro de 1962, realizaram uma Conferência extraordinária para reorganizar o Partido Comunista do Brasil.

Poucos meses depois, em agosto 1962, 3.500 delegados se reuniram no IVº Congresso Sindical Nacional para fundar o Comando Geral dos Trabalhadores. Iniciou-se um período de crescimento das lutas sociais e da radicalização política que culminaria no golpe militar de 1964. O Partido Comunista do Brasil recém reorganizado tinha pouca influência no movimento sindical, a maioria dos dirigentes havia ficado com o PC brasileiro e com este foi sendo conduzida aos impasses daqueles anos turbulentos.

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*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)