A atuação sindical dos comunistas na Era Vargas

O novo governo revolucionário dirigido por Getúlio Vargas procurou construir uma base social que lhe permitisse resistir aos setores das oligarquias desalojadas do poder e construir condições mais favoráveis para implantar o seu projeto de desenvolvimento. Implantou-se uma política bifronte assentada, de um lado, na concessão de direitos sociais e, de outro, na repressão às organizações operárias autônomas. O Partido Comunista do Brasil (PCB), desde o primeiro momento, colocou-se no campo da oposição radical a este governo, considerando-o equivocadamente um governo fascista.
Imediatamente após a revolução de 30, iniciou-se um rápido processo de reorganização dos sindicatos livres que haviam sido desarticulados nas vésperas pela reação conservadora desencadeada nos estertores da República Velha. Com este objetivo foi formado o Comitê de Reorganização Sindical em São Paulo.

No entanto, a influência dos comunistas estava bastante abalada devido aos erros táticos, de viés esquerdista, cometidos às vésperas do levante de 1930, e ao obreirismo que vinha ganhando corpo no seu interior e que havia sido responsável pelo afastamento de experientes quadros da direção partidária. Somou-se a isto a repressão seletiva promovida pelo governo Vargas. No final de 1931, a direção do PCB viu-se obrigada a se transferir para São Paulo onde a perseguição aos comunistas era menor.
No final de 1930, os comunistas paulistas aderiram ao Comitê de Reorganização Sindical, mas logo romperam com ele por discordância com os anarco-sindicalistas ainda fortes neste comitê. O auge da crise se deu quando da decisão de formar uma organização intersindical no Estado de São Paulo. Esta posição foi duramente criticada pela Internacional Sindical Vermelha.

Graças a esta cisão, em março de 1931, foram organizados dois congressos sindicais em São Paulo. Um com a participação de anarquistas e trotskistas e outro sob hegemonia comunista. O congresso dos comunistas foi convocado pela CGTB e nele foi aprovado um manifesto defendendo um terceiro congresso para unificação dos trabalhadores numa única central sindical regional, a Federação Sindical Regional de São Paulo (FSRSP), que deveria ser vinculada à CGTB.

A proposta de unificação foi rejeitada pelos anarco-sindicalistas que formaram a Federação Operária de São Paulo. Os comunistas avançaram então para a criação da FSRSP e iniciou-se um lento e promissor movimento para conquistar a direção dos sindicatos paulistas.

Greves e conquistas

Em São Paulo, imediatamente após a “revolução de 30”, várias categorias entraram em greve. Os operários aproveitaram-se da crise política e da vitória da revolução para exigir o cumprimento imediato do programa da Aliança Liberal. Já em 1932, fruto das lutas do proletariado brasileiro, que realizou grandes greves na primeira metade da década, foi decretada a jornada de 8 horas no comércio e na indústria, proibido o trabalho noturno para mulheres e regulamentado o trabalho de menores.

Entre 1933 e 1934, foi regulamentado o direito de férias para comerciários, bancários e industriários sindicalizados, criado o salário mínimo e o primeiro instituto de aposentadoria e pensão — o dos marítimos. Seguiram-se os institutos dos bancários, dos comerciários, dos industriários. Em cinco anos a previdência foi estendida a quase todos os trabalhadores urbanos formais.

Portanto, a legislação social não foi uma dádiva do governo Vargas. Ela foi uma resposta do Estado ao avanço da luta dos trabalhadores, um ato necessário para conquistar o apoio para o seu projeto, isolar as oligarquias desalojadas do poder e a própria esquerda comunista. Esta seria uma das marcas da política varguista; a outra seria a implantação do controle das organizações operárias.

Uma das primeiras medidas do novo governo, neste sentido, foi criar o Ministério do Trabalho e decretar a Lei de Sindicalização. A nova lei definiu o sindicato como órgão de colaboração com o Estado, exigiu a participação de representante do governo nas assembléias, proibiu o desenvolvimento de atividades políticas e ideológicas dentro do sindicato, vetou a filiação a organizações internacionais, limitou a participação de operários estrangeiros nas direções sindicais, proibiu a articulação horizontal entre os sindicatos e a criação de centrais sindicais. Procurava-se, assim, constituir uma estrutura sindical verticalizada, burocratizada e subordinada ao Estado.

Os sindicatos oficializados que não cumprissem estas determinações poderiam ser punidos. A punição ia de multas a destituição das diretorias eleitas e sua substituição por interventores. No limite, os sindicatos insubordinados poderiam ser fechados, ainda que temporariamente.

Resistência ao atrelamento

No início da década de 1930, houve uma dura resistência dos sindicalistas comunistas, trotskistas e anarquistas. Durante todo o ano de 1931, os comunistas se recusaram a atuar nos sindicatos oficializados e chegaram mesmo a excluir os dirigentes destas organizações de qualquer proposta de frente única. Afirmavam os comunistas: “O governo e seus agentes locais esforçam-se energicamente para ter sob o seu controle as organizações operárias, pretendendo desempenhar um papel de árbitro ‘imparcial’ nos conflitos. O digno coroamento desta política é a ultra-reacionária lei sobre os sindicatos, elaborada pelo governo federal (…) Os sindicatos não poderão aceitar ou adaptar-se a nova lei”.

Somente a partir de 1932, o Comitê Central do PCB decidiu mudar de posição e defendeu a atuação nos sindicatos oficiais, constituindo “oposições sindicais” que deveriam travar uma luta enérgica contra as direções ministerialistas. No entanto, manteriam os seus sindicatos fora da estrutura sindical estatal.
A resistência inicial parece ter surtido efeito. No primeiro ano da lei de sindicalização apenas dois sindicatos haviam pedido reconhecimento; no ano seguinte seriam seis — um número irrisório. Até o início de 1934, somente 25% dos sindicatos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul aceitaram as normas de reconhecimento sindical impostas pelo governo.

Diante da recusa dos classistas em aderir à estrutura sindical, o governo desencadeou um amplo processo de divisão das organizações sindicais. Ao lado dos sindicatos livres, passou a incentivar a criação de entidades oficiais paralelas. Não conseguindo atingir seus objetivos de esvaziar os sindicatos livres, Vargas usou um novo e eficiente expediente. No início de 1934, o governo regulamentou o direito de férias, condicionando o seu desfrute à participação nos sindicatos oficiais.

Começou, então, uma forte pressão dos trabalhadores, especialmente dos menos politizados, para que as direções oficializassem seus sindicatos. Fruto desta pressão ocorreu uma cisão na frente única contra a oficialização dos sindicatos. Os sindicalistas trotskistas mudaram de posição e passaram a defender a oficialização dos seus sindicatos. Tal atitude acarretou duras críticas dos comunistas e dos anarquistas. Mas, no final do mesmo ano, os comunistas passaram também a atuar mais ativamente nos sindicatos oficiais, sem considerá-los, no entanto, o modelo mais adequado para o sindicalismo brasileiro e, por isso mesmo, procuraram manter a autonomia dos sindicatos sob sua direção.

Apenas no final de 1934, dentro da nova política de frente única antifascista, os comunistas se aproximaram dos socialistas e reformistas e passaram a defender a unidade de ação com eles. A FSRSP se colocou à frente dos esforços de constituir uma central sindical unitária. O primeiro passo foi a formação da Frente Única Sindical (FUS) com todos os sindicatos (oficializados ou não). Em agosto de 1934 havia assumido o deputado federal classista, estivador de Santa Catarina, Álvaro Ventura, o primeiro comunista no congresso nacional. Ele afirmou ao jornal A Classe Operária: “Finalmente ressoa na Câmara feudal-burguesa a voz do proletariado revolucionário”.

Em maio de 1935 ocorreu, sob hegemonia comunista, o Congresso Nacional de Unidade dos Trabalhadores, reunindo mais de 300 delegados representando 500 mil trabalhadores. Neste evento fundou-se a Confederação Sindical Unitária do Brasil (CSUB). Este foi um claro sinal da ampliação de influência comunista junto aos trabalhadores urbanos, fruto da mudança operada na sua tática após 1934.

No mesmo ano foi fundada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente democrática e popular de caráter antiimperialista e antifascista. Em poucos meses ela recrutou mais de 400 mil membros. Em resposta ao avanço do movimento operário e socialista, em 4 de abril, o governo Vargas decretou a Lei de Segurança Nacional que dissolveu a CSUB. Pouco depois foi decretada a ilegalidade da ANL. Em novembro os comunistas, em nome da ANL, lideraram um levante armado que foi rapidamente derrotado.

Seguiu-se, então, uma dura repressão ao movimento sindical autônomo. As lideranças foram presas, torturadas e muitas deportadas; sindicatos sofreram intervenção e alguns foram fechados. A situação se agravou ainda mais com a instauração do Estado Novo, em novembro de 1937. De 1937 até 1943 não teríamos sinais de greves e a totalidade dos sindicatos se manteve nas mãos de interventores e pelegos. A situação só começou a melhorar com a entrada do Brasil na guerra contra o nazi-fascismo em 1942, e a reorganização do Partido Comunista na Conferência de Mantiqueira em 1943.

Mesmo sem realizarem greves, os trabalhadores continuaram se movimentando, ainda que na clandestinidade. Durante a guerra (1942-1945) ocorreram vários movimentos dentro das fábricas, especialmente operações tartarugas, contra o aumento da jornada de trabalho e a redução de direitos. Estes movimentos espontâneos não foram apoiados pelos comunistas, que na ocasião defendiam o aumento da produção dentro do esforço bélico realizado pelo Brasil contra as potências do Eixo.

As primeiras greves eclodiram já no final do Estado Novo, em 1944. Neste ano ocorreu a greve dos Carris Urbanos, dos ferroviários e dos mineiros do Rio Grande do Sul, dos operários da Laminação Nacional de Metais de São Paulo e uma operação tartaruga na Goodyear de São Paulo. Houve dura repressão contra estas primeiras greves. Mas estas seriam apenas a ponta do iceberg. Uma onda grevista jamais vista na história do país se levantaria dentro de mais alguns meses. Junto com o movimento operário e sindical ressurgiria com grande força o Partido Comunista do Brasil.

Bibliografia:

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*Augusto C. Buonicore é Historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)