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    Informe Político ao 8º Congresso do PCdoB (1992)

    Vivemos tempos difíceis e heróicos da luta em prol dos ideais revolucionários que há mais de um século tentam ganhar espaço definitivo na sociedade humana. Alcançamos vitórias que mudaram a fisionomia do mundo. Sofremos derrotas de custo elevado para o avanço da Humanidade rumo a um futuro feliz. Prosseguimos, porém, com determinação, na caminhada histórica iniciada por Marx e Engels à qual se juntou, mais tarde, Lênin, o chefe imortal da Revolução de Outubro, e outros muitos milhões de comunistas e trabalhadores de todos os quadrantes da Terra. Somos herdeiros dessa imensa legião de combatentes que jamais cedeu ou vacilou ante as dificuldades e os insucessos temporários da luta de classes.

    Quase quatro anos nos separam do VII Congresso. Estatutariamente, o próximo teria lugar em 1993. Decidimos antecipá-lo para debater os problemas novos de indiscutível importância política e ideológica que convulsionam o cenário mundial, com forte repercussão em nosso país.
    Nesse período, agigantou-se a crise mundial do capitalismo envolvendo grande parte da população do Globo. A recessão persistente na economia de muitos países reduz drasticamente a produção. Os índices de consumo caem cada vez mais. Em particular, os países de menor desenvolvimento são as principais vítimas do cataclismo imperialista. Somente algumas áreas dão sinal de relativo crescimento.

    Os imperialistas norte-americanos arvoram-se em donos do mundo. Tentam impor, através de ameaças ou pela força das armas, sua detestável hegemonia. A agressão ao Panamá e, principalmente, ao Iraque revela o recrudescimento da política expansionista e belicista dos Estados Unidos. A "pax americana" não passa de brutal violência contra as nações e os direitos dos povos.
    Simultaneamente, acirram-se as contradições interimperialistas entre os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão, incluída também a Europa "unida". Embora não assuma ainda a forma de confrontos diretos, intensificam-se as disputas no terreno econômico e no das influências políticas.

    A União Soviética e o Leste europeu encontram-se em plena bancarrota. A desestruturação da economia planificada e sua conversão em economia de mercado acarretou completa desorganização da produção e da distribuição dos bens de consumo. Suas populações vivem o drama das filas e do racionamento em busca do pão de cada dia. Os regimes políticos ali instalados têm características fascistizantes. A URSS desintegrou-se, em seu lugar surgiram repúblicas de tipo capitalista.

    A débâcle do socialismo na União Soviética, no Leste europeu e também na Albânia, com a destruição de tudo o que lembrava o comunismo, acentuou a crise do socialismo. Acoplada à campanha anticomunista da burguesia reacionária, multiplicam-se os ataques dos revisionistas e oportunistas ao Partido da classe operária e ao marxismo-leninismo.

    No Brasil, a situação piora sempre mais desde que Fernando Collor assumiu o governo. Sua política antinacional e antipovo tem causado danos irreparáveis ao país e à população. Vende-se em leilões públicos o patrimônio nacional. O desemprego, a fome e a miséria atingem milhões de brasileiros. As classes dominantes buscam uma saída da crise pela direita. Tramam golpear conquistas democráticas consagradas na Constituição.

    O Partido Comunista do Brasil, apesar dos contratempos da crise do socialismo, resiste firmemente. Não sofreu perdas maiores. Ao contrário, mantém sua bancada na Câmara Federal e aumentou sua representação nas Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. Cresceu, também, a influência direta do Partido nas organizações nacionais de massas. É hoje o único partido da esquerda no Brasil que defende o socialismo científico e se orienta pela teoria revolucionária da classe operária.
    Passemos, pois, camaradas, ao exame dos problemas que constituem o centro de atenção do nosso Congresso.



    O quadro dramático da situação internacional


    Não é nada promissora a situação mundial do capitalismo. Os fenômenos de sua decomposição acelerada multiplicam-se por toda parte. Embora o Japão apresente índices razoáveis de desempenho econômico, os Sete Grandes, em conjunto, defrontam dificuldades crescentes. Estados Unidos, Inglaterra e Canadá atravessam uma fase de recessão pronunciada. A antiga URSS e o Leste europeu, reconduzidos ao capitalismo, estão em processo falimentar. Os países do denominado Terceiro Mundo vivem dias muito difíceis.

    Em crise, a economia imperialista orienta-se para uma reestruturação mundial que afeta duramente a soberania dos países dependentes, e mesmo dos independentes mais débeis, subordinando-os aos interesses da oligarquia financeira. Baseado na chamada internacionalização da economia, o imperialismo e, antes de tudo, o imperialismo norte-americano, busca liquidar as fronteiras nacionais, visando a desobstruir o caminho à sua completa dominação.

    Os fatos econômicos

    O Relatório sobre a Economia Mundial da ONU, recentemente publicado, mostra um quadro catastrófico. A produção total, em 1991, fechou no vermelho, menos 0,3%, o pior desempenho desde o término da II Grande Guerra. A expansão do comércio mundial, ano passado, não foi além de 1%.
    Os Estados Unidos, que se tornaram, com o malogro da URSS, a única superpotência, já há alguns anos se debatem em sérios apuros. A Posição Líquida dos Ativos Estrangeiros, a dívida externa, anda pela casa dos 900 bilhões de dólares. A dívida interna saltou de 44,1% do PIB, em 1984, para 62%, em 1990. Sua produção industrial, em 1991, caiu negativamente a 2,6%. Em 1985, os Estados Unidos produziam 8 milhões de veículos. No ano transato, mal chegamos aos 5,5 milhões.

    Na América Latina, o Brasil teve expansão zero. Somente alguns países, como a Argentina e o México, obtiveram ligeira melhora. Mas a Argentina vendeu boa parte do seu patrimônio econômico, tendendo para o recrudescimento da crise. O México, vem sucateando sua indústria autenticamente nacional e mergulha em desajustes sociais de proporções inusitadas. Mesmo na Ásia, onde se registram taxas elevadas de crescimento, a expansão caiu de 6,3%, em 1990, para 5,4%, em 1991. Apenas a China obteve êxitos econômicos expressivos.
    Esse quadro dramático da economia mundial.

    Efeitos sociais

    São alarmantes as conseqüências sociais. As taxas de desemprego continuam em alta. A queda da produção e a robotização das empresas põem na rua milhões de trabalhadores. Nos Estados Unidos, mais de 9 milhões não têm emprego. Na Comunidade Européia, cerca de 8,5% da população economicamente ativa encontra-se em idêntica situação, sem contar o violento desemprego na ex-Alemanha Oriental.

    Igualmente no Japão, 2,4% das pessoas aptas a trabalhar não conseguem ocupação remunerada. O fenômeno se repete na antiga União Soviética e no Leste europeu. Pior ainda a situação dos países do Terceiro Mundo, em crise permanente. A classe operária é a que mais sofre com o descalabro da produção capitalista. O único bem que possui para garantir-lhe a subsistência é a sua força de trabalho que não tem a quem vender.

    A fome e a miséria imperam por toda parte. Mais de um bilhão de pessoas, quase um quarto da população do Globo, vive com meio salário mínimo do Brasil, em estado de pobreza absoluta, conforme dados do Banco Mundial. Exemplo sinistro da magnitude dessa crise nos dá a notícia, divulgada em dezembro último pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) - de que morrem anualmente de desnutrição, no mundo, quatro milhões de crianças. Mesmo nos Estados Unidos, onde a renda per capita chega aos 20 mil dólares, há aproximadamente 40 milhões de norte-americanos com nível de vida abaixo da linha da pobreza oficialmente reconhecida. E mais de três milhões de sem-teto morando literalmente na rua.

    Degradação crescente

    Assiste-se a uma tremenda degradação da sociedade capitalista em sua totalidade. Cresce a marginalização de enormes parcelas da população. O sistema vigente funciona para pequena parte da comunidade humana. Não tem condições de envolver-se em atividades produtivas grande número dos que habitam o Planeta, muito menos de garantir a sua sobrevivência. Os métodos de exploração capitalista tornam inviáveis até as formas primitivas de vida. Bilhões de pessoas não têm acesso ao mínimo exigido por uma existência digna.

    O resultado é a deterioração rápida de todos os valores consensualmente admitidos, gerando desde a degenerescência física à completa ruína moral. Corrupção e suborno alastram-se. Propaga-se a pornografia e o sexualismo dissoluto. O regime da burguesia gera, em massa, seres aterradores que lhe perturbam a tranqüilidade.

    A área da criminalidade assume proporções inquietantes. Nos centros populosos, sobretudo nos do Terceiro Mundo, observa-se o cerco não formal das grandes metrópoles pela periferia habitada por milhões de carentes de qualquer recurso dispostos a tudo.

    Esse quadro sempre mais degradante reflete a lei absoluta, geral, da acumulação capitalista. Marx assinalou que "quanto maior é a riqueza social tanto maior será a superpopulação relativa ou exército industrial de reserva. E quanto maior é esse exército de reserva, em comparação ao exército operário ativo, tanto maior será a massa de superpopulação consolidada (permanente) ou as camadas operárias cuja miséria está na razão inversa de seus tormentos no trabalho". E ainda, "quanto mais extensos são na classe operária o setor da pobreza e o exército industrial de reserva, tanto maior será também o pauperismo oficial". Presentemente, a essa superpopulação relativa ligada à lei da acumulação, agregam-se imensas massas populares que vegetam à margem da produção.

    O sistema capitalista não pode superar semelhante contradição que tende a se aprofundar, uma vez que tal sistema somente existe com a concentração sempre maior das riquezas nas mãos de um punhado de oligarcas, em detrimento dos interesses vitais dos trabalhadores e das massas populares, bem como do progresso da sociedade. Desse modo, evidencia-se o declínio do regime capitalista-imperialista que, no entanto, não cairá sem a ação revolucionária conseqüente.

    Pretensa nova etapa

    Esse processo objetivo da marcha contraditória e decadente do capitalismo é contestado pelos neoliberais, que caracterizam a situação atual do sistema capitalista como nova etapa, nova era da humanidade. No terreno econômico, indicam dois fatores que determinariam essa nova etapa: a crescente integração propiciada pela internacionalização da economia e a revolução tecno-científica. É falsa tal opinião.

    Sob o capitalismo, a lógica da internacionalização da economia é simplesmente perversa. Conduz a uma divisão internacional do trabalho, na qual aos países do Terceiro Mundo só restará produzir mercadorias de baixo conteúdo tecnológico como papel, celulose, têxteis, couro, agroindústria em geral. E importar os produtos de cunho tecnológico mais sofisticados. Isso ocorre devido ao fato - sendo atualmente a tecnologia a principal moeda de troca da economia mundial - de os países desenvolvidos e os grandes conglomerados internacionais levantarem barreiras cada vez maiores para dificultar o acesso de outras nações, e mesmo de empresas, a esse clube fechado de detentores da tecnologia de ponta.

    Por outro lado, muitas indústrias que se instalaram nos países terceiromundistas, o fizeram não apenas porque procuravam mão-de-obra barata e vantagens fiscais mas, também, visando a vencer os empecilhos existentes nesses países para a entrada de produtos estrangeiros. A forma de ter acesso a tais mercados era a de neles instalar-se. Com a "abertura" tarifária que vem sendo promovida, sob pressão e direção do FMI, e levando-se em conta que a mão-de-obra barata e desqualificada deixou de ser, em certa medida, uma vantagem competitiva devido aos avanços da automação, nada impede que essas indústrias se retirem daqueles países. Aliás, o que já vem acontecendo com a indústria automobilística, por exemplo.

    As intituladas novas tecnologias, embora representem um avanço do conhecimento humano e, objetivamente, tenham caráter progressista, sob o capitalismo voltam-se para a produção de bens sempre mais sofisticados, consumidos unicamente por uma minoria, o que contribui para aumentar o desemprego.

    Não há mudança substancial na estrutura do imperialismo que configure etapa distinta da atual. Sua base continua sendo o monopólio, a oligarquia financeira, a exportação de capitais, a divisão do mundo entre os supermonopólios internacionais, a subjugação de povos e nações. "O capital financeiro - dizia Lênin - é uma força tão considerável, tão decisiva em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar, e de fato subordina, até mesmo os Estados que gozam de uma independência política completa." Tudo isso perdura.

    A verdade é que a chamada nova etapa do capitalismo, apregoada pelos neoliberais e seus afins, nada mais é do que o velho imperialismo, tão bem fundamentado por Lênin, elevado a um grau de concentração insuspeitado. O capitalismo sobrevive, concentrando cada vez mais a renda e excluindo do mercado de consumo gigantescos contingentes da população mundial.

    Mesmo nos países desenvolvidos, o número dos que dependem do auxílio público para sobreviver, de mendigos e miseráveis, eleva-se incessantemente. Note-se a percentagem de pessoas incorporadas ao mercado de consumo, ao invés de crescer com o aumento da população, diminui no mundo todo. É o que afirmam, com segurança, as estatísticas oficiais.

    Falsa idéia de paz e democracia

    Também setores da esquerda, de feição social-democrata, proclamam o surgimento de uma era de paz, de progresso e democracia. Argumentam que, com o fim da "guerra fria", arrefeceram as tensões internacionais, pressagiando o término dos conflitos bélicos. A paz reinaria no mundo. E as relações de dependência seriam substituídas por relações de cooperação.

    Para aqueles que assim pensam, a luta antiimperialista já não teria razão de ser, estaria em dissonância com o "novo" contexto internacional. Luta de classes, revolução, ditadura do proletariado, enquanto expressões de formas "violentas", pretensamente antidemocráticas, de conquista e consolidação do poder político, encontrar-se-iam em desacordo com a consciência democrática dos povos.

    A realidade turbulenta dos dias atuais contradiz peremptoriamente essa visão equivocada do mundo.
    A guerra continua presente nos planos e estratégias do imperialismo. A tese de que a "guerra é a continuação da política por outros meios", tão impudentemente contestada por Gorbachev, tem plena atualidade. Ainda que, conjunturalmente, não exista perigo de guerra mundial imediata, as grandes potências encaram a possibilidade futura de violentos choques armados para assegurar seu domínio em determinadas regiões ou em todo o mundo. É a lei de ferro do capitalismo que não pode prescindir do recurso extremo às armas.

    A recente agressão dos Estados Unidos ao Iraque, com o apoio da ONU e de várias potências, objetivando assenhorear-se de áreas estratégicas de petróleo, bem demonstra a falsidade da paz anunciada pelos oportunistas. O ataque brutal ao Panamá, realizado pelas tropas de Bush, alerta os povos da América Latina e do Terceiro Mundo para a ameaça real que existe à sua soberania. Guerra é também a que se desenvolve na Iugoslávia, onde tropas da Sérvia e da Croácia enfrentam-se em duros combates.

    A "pax americana" não passa de um embuste. Mostra-se ferozmente intimidativa. Hoje, qualquer gesto de oposição aos interesses norte-americanos, políticos ou econômicos, é respondido com a violência mais irracional. Expressiva, aliás, a declaração do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Dick Cheney, ano passado: "Devemos manter nossa capacidade de controlar os oceanos do mundo, de realizar nossos compromissos na Europa, devemos ser capazes de ostentar força, seja no Sudoeste da Ásia, seja no Panamá, para fazer face aos imprevistos e defender os interesses norte-americanos". Revela, igualmente, a mesma arrogância da política agressiva do imperialismo estadunidense, a declaração do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos na guerra do Golfo, Colin Powell: "Minha estratégia - disse o carrasco - é isolá-los (os iraquianos) e, depois, matá-los". É como se ouvíssemos, saindo do túmulo, a voz de Hitler.

    Através da guerra, o capitalismo procura enfrentar as contradições geradas pelo sistema: entre os países imperialistas; entre os povos e as nações subjugados e os países imperialistas espoliadores; entre o capital e o trabalho que pode converter-se em revolução social.
    A decantada democracia que se teria afirmado, em definitivo, como valor universal é uma das muitas utopias enganosas que circulam intensamente. Choca-se, porém, a todo instante com a realidade política.

    A vida tem demonstrado que a democracia em geral tanto serve à luta das forças progressistas como, em situações adversas, ajuda a reação. Gorbachev jactanciava-se de haver implantado a democracia na extinta União Soviética. Essa democracia auxiliou tão-somente as forças retrógradas a esmagar o que restava do comunismo. No Leste europeu, também favoreceu a ascensão da direita. São muitos os países onde a falaz democracia burguesa tem conduzido à eleição de governos reacionários. Em quase toda parte em que vencem as correntes direitistas, instalam-se regimes obscurantistas, anticomunistas. Não se deve, porém, subestimar a luta pela democracia que é uma aspiração das massas para se opor aos regimes reacionários e conquistar posições políticas que permitam o avanço das correntes revolucionárias.

    Do mesmo modo, merece destaque a luta pelas liberdades democráticas indispensável ao desenvolvimento das ações de massas. Liberdade para organizar e conscientizar os trabalhadores e o povo a se levantar em defesa de seus interesses fundamentais. Liberdade para dar curso às idéias renovadoras e avançadas. Os fatos citados indicam, no entanto, que o valor universal dado à democracia pelos oportunistas carece de base real.

    A nova ordem

    Pretendendo-se senhor absoluto do mundo, Bush anuncia uma Nova Ordem, tipicamente imperialista. Decorre da mudança de correlação de forças na esfera internacional, com a derrocada da União Soviética que perdeu sua condição de superpotência, e esfacelou-se. Os Estados Unidos, como a única potência militar indiscutível, julgam-se no direito de ditar ao mundo os rumos que lhes convém. A própria ONU, impotente face às imposições norte-americanas, anulou-se completamente, tornou-se incapaz de qualquer ação independente. O governo estadunidense faz o que bem entende, sem dar satisfação a ninguém.

    Apesar de terminada a guerra contra o Iraque, Bush impõe a continuidade de um bloqueio econômico monstruoso que condena à morte milhares de crianças iraquianas por falta da importação de alimentos e medicamentos adequados. Ameaça igualmente a Coréia do Norte com bloqueio semelhante caso o governo norte-coreano não ceda às suas exigências. Contra Cuba, aperta o cerco econômico e militar. Tropas norte-americanas continuam no Panamá que, por pressão da Casa Branca, se vê na contingência de dissolver seu Exército.

    Os Estados Unidos comandam uma campanha mundial visando à liquidação dos instrumentos essenciais da soberania nacional dos países do Terceiro Mundo. Nesses países, consoante essa campanha, o Estado, elemento fundamental de soberania, limitar-se-ia à administração de serviços públicos, cobrança de impostos e manutenção policial da ordem interna. Uma espécie de administração subalterna do tipo prefeitura de grande cidade. Os Exércitos nacionais desapareceriam ou seriam reduzidos à expressão mais simples.

    Já não teriam função de defesa das fronteiras da nação. Também as empresas estatais de grande porte, base de um desenvolvimento econômico independente, passariam ao setor privado, em particular ao capital estrangeiro. Tudo isso é proclamado abertamente. Usando linguagem direta, McNamara, ex-presidente do Banco Mundial e ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, propôs, durante reunião conjunta do Banco Mundial e do FMI, realizada em Washington, ano passado, "eliminar as Forças Armadas dos países em desenvolvimento - como o Brasil - e substituí-las por um exército supranacional sob o comando do Conselho de Segurança da ONU". Nessa mesma reunião, McNamara, num documento de sua autoria, recomendava proibir aquisição e fabricação de certos tipos de armas e mísseis balísticos.

    "Os países que desrespeitassem a proibição - enfatizava - poderiam ser invadidos para que fosse eliminada a capacidade de produção de eventuais arsenais dessas armas". E ainda mais: "As grandes potências e instituições financeiras internacionais deveriam exigir dos países em desenvolvimento a redução dos orçamentos militares, como condição para a concessão de novos financiamentos."
    Tais proposições revelam a estratégia do imperialismo em relação aos países do Terceiro Mundo. Visa a transformá-los em simples agregados das grandes potências, nomeadamente dos Estados Unidos, territórios desprovidos de soberania, entrosados com os projetos econômicos e políticos do denominado Primeiro Mundo. É o neocolonialismo elevado à máxima potência.

    Resumindo

    Em síntese, a situação internacional põe a descoberto a crise estrutural do sistema capitalista em escala planetária. Crise, porém, que não nega o seu desenvolvimento, ainda que bastante deformado, acarretando contrastes sociais violentos. O capitalismo-imperialismo, em sua última etapa, tenta um novo padrão de crescimento, baseado no desenvolvimento de novas tecnologias de produtos e de processos de fabricação, que levam à concentração ainda maior do poder econômico. Tal novo padrão acirra as contradições interimperialistas, em especial entre os Estados Unidos e o Japão e marginaliza ainda mais os países menos desenvolvidos.

    Fora da disputa pela hegemonia mundial, a ex-União Soviética deixa campo livre aos monopolistas norte-americanos que buscam impor-se como única superpotência dispondo de força militar qualificada. Aproveitando-se dessa circunstância, o governo de Bush proclama a Nova Ordem de cunho imperialista. Embora seja ainda pequena a resistência às investidas neocolonialistas de Washington, a luta dos povos dos países do Terceiro Mundo por sua soberania e independência nacional tende a constituir-se no movimento mundial de maior expressão contra o imperialismo.

    A força que ostenta o capitalismo em decomposição está minada por contradições insolúveis, não tem futuro. O socialismo é a grande bandeira libertadora que os povos terão de reerguer para tornar realidade a vitória dos ideais revolucionários dos explorados e oprimidos de todo o mundo.


    A situação nacional em contínuo agravamento

    Refletem-se pesadamente sobre a situação nacional as mudanças negativas ocorridas no plano mundial. É muito forte a pressão imperialista ao nosso país que envolve, até mesmo, séria ameaça à soberania da nação. A crise do capitalismo tende a restringir ainda mais os requestados investimentos estrangeiros e a aumentar a espoliação do Brasil pela oligarquia financeira internacional. A pretensa Nova Ordem, ditada pelo governo dos Estados Unidos, reforça a arrogância e a agressividade dos potentados de Washington em relação às nações débeis da América Latina.

    Internamente, agrava-se a crise que afeta não apenas a economia em frangalhos, mas também a política, a área social e moral, gerando uma situação de vida dramática para milhões de brasileiros. O presidente Collor mostra-se incapaz de administrar o país e põe em prática uma política de traição nacional. Isola-se cada vez mais. O descontentamento contra o governo vai se convertendo em indignação geral.

    No 7º Congresso do Partido, em maio de 1988, dizíamos que o Brasil encontrava-se numa encruzilhada histórica. "Ou rompe radicalmente com o atual estado de coisas e assegura um desenvolvimento econômico independente, abre clareiras para o progresso, para a democratização e modernização da vida nacional ou afunda-se no pântano da decadência e da submissão à oligarquia financeira imperialista."
    Essa constatação vem se comprovando ano após ano. Já no final do governo Sarney eram claros os indícios de decadência. Com a chegada de Collor ao Planalto, e nestes quase dois anos de mau governo, acentuou-se essa tendência.

    Retrocesso econômico

    Em nenhum período anterior foi mais crítica a situação econômica. O Produto Interno Bruto, em 1991, bateu novo recorde de queda. A recessão aprofunda-se e nem sequer dá sinais de contenção. Muitas indústrias reduzem drasticamente a produção. Inúmeras empresas encerram suas atividades. Também a produção do setor agropecuário, em geral voltada à exportação, sofre redução acentuada. Não há investimentos no setor produtivo.

    Seguindo instruções do FMI, o governo Collor, colocou como tarefa principal no terreno da economia, o combate à inflação que, no período de Sarney, havia alcançado cifras elevadas. Anunciou vários planos, verdadeiros choques na economia e nas finanças do país. Todos eles fracassaram. Seu combate à inflação visa principalmente a ajustar a situação financeira do país aos interesses dos banqueiros internacionais, de quem espera ajuda e apoio. Uma das molas essenciais desse combate é reduzir a capacidade de compra dos brasileiros, o que faz com o violento achatamento salarial que alcança não apenas os trabalhadores mas também o funcionalismo público e a classe média. A política econômico-financeira de terra arrasada seria o marco da retomada do desenvolvimento, a partir do zero. Retomada que não se vislumbra nem de imediato, nem a largo prazo. E que redundará em maior dependência ao capital estrangeiro e, portanto, prejudicial ao povo e à nação brasileira.

    Degradação persistente

    Com a atual política do governo, dia a dia aumenta a degradação da vida do povo. Há milhões de desempregados. A crise social atinge a população em geral. Estima-se em 20 milhões os menores desamparados, entre os quais se sobressaem os meninos de rua. O número de pessoas que moram sob as pontes e os viadutos nas grandes cidades cresce vertiginosamente. A fome estende-se por todo o território nacional. Mais da metade da população de quase 150 milhões de habitantes não consome o mínimo de calorias indispensáveis à sobrevivência normal.

    Dados de fonte científica mostram que os moradores do Nordeste, e não só do Nordeste, apresentam deficiências físicas notórias que se relacionam às condições precárias de nutrição. Os serviços públicos de educação, saúde, assistência social encontram-se em deterioração pronunciada. Os hospitais acham-se desaparelhados para atender à massa de enfermos que os procuram. Muitos doentes morrem por falta de atendimento médico adequado. As escolas são insuficientes para proporcionar educação elementar às crianças.

    Mal pagos, os professores não têm condições de cumprir regularmente, e no nível exigido, sua função educacional. Muitos ganham menos do que o salário mínimo. A Universidade pública não se expandiu, vive em grandes apertos. Os cursos universitários transformam-se em opção para os ricos. As taxas elevadas das matrículas nas universidades particulares, atualmente em número bem maior do que as do ensino federal, tornam inviável o ingresso nessas universidades daqueles que não dispõem de fartos recursos.

    Instituições obsoletas

    Mas o processo de decadência, que vem de longe, localiza-se também nas instituições. O Judiciário, estabelecido no velho sistema cartorial português, é um trambolho na vida pública. Centenas de milhares de demandas judiciais dormem sono eterno nos tribunais. A Justiça, cara, é excessivamente demorada, inacessível às massas. Os juízes não têm nenhuma vinculação com a soberania popular. Nomeados pelo governo, decidem, em geral, segundo os padrões das classes mais favorecidas. O Executivo concentra nas mãos de pequeno grupo, quando não das do principal mandatário, decisões fundamentais da nação. O presidente da República administra por meio de decretos-lei, as chamadas Medidas Provisórias.

    Somente recorre ao Legislativo para formalizar atos que demandem certa cobertura política. Governa como bem entende, sem levar em conta a própria Constituição. Pode vender o patrimônio econômico do país, o que vem fazendo, sem maiores entraves. Não tem responsabilidade frente ao povo. É o oposto de uma governança confiável e responsável diante da comunidade. Por sua vez, o Legislativo tem uma composição social extremamente conservadora. A maioria esmagadora do Congresso pertence às classes dominantes.

    Legisla segundo os interesses desses setores sociais. Nele, é mínima a participação dos trabalhadores da cidade e do campo que constituem a parcela maior da população. O Congresso é uma máquina emperrada, incapaz de produzir as leis que a nação necessita. Suas decisões legislativas, em muitos casos, são interpretadas pelos outros poderes - o Judiciário e mesmo o Executivo - com sentido diferente do que fora fixado pelos legisladores. O Congresso - Câmara e Senado - não joga papel de destaque nas deliberações fundamentais do país.

    Assim, o Estado brasileiro, em conjunto, mostra-se superado, as instituições que o compõem são antiquadas. Todo o sistema administrativo está minado pela ineficiência. A corrupção, em níveis jamais vistos, envolve amplamente o aparelho estatal. Ministros, juízes, parlamentares, governadores, primeiro escalão da presidência são constantemente citados em escândalos milionários, bilionários de prevaricação no exercício da função pública.

    Ameaça aos fundamentos da nação

    A crise que se manifesta nos escalões superiores das classes dominantes toma feição mais grave, na atualidade, porque começa a corroer os próprios fundamentos da nação brasileira. Os governantes conservadores sempre realizaram a política de submissão ao capital estrangeiro, uma das causas das dificuldades estruturais que vive o Brasil. Mas subsistia certa prudência relacionada à defesa da soberania nacional. Desde a instalação do governo Collor observa-se, porém, mudança substancial na orientação geral do país num sentido que compromete o futuro independente e soberano da nação.

    O Projeto neoliberal do presidente da República é uma peça ajustada ao plano global do imperialismo, sobretudo o norte-americano, de instauração da Nova Ordem. Utilizando o subterfúgio da "integração do Brasil no Primeiro Mundo", Collor vai alienando a soberania do país. Liquida a base fundamental para o desenvolvimento econômico independente que, em países como o nosso, é constituída pelas empresas estatais de grande porte. Tais empresas, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Usiminas, a Petrobrás, a Mafersa, a Petroquímica, a Embraer e outras desempenharam e desempenham importante papel no relativo progresso do Brasil, ainda que mal-administradas devido ao caráter reacionário do Estado.

    Ao privatizá-las, Collor abre espaço para entregá-las ao capital estrangeiro. O secretário do Comércio dos Estados Unidos, Robert Mosbacher, sugeriu publicamente "a adoção de medidas graduais que permitam a aquisição de 51% ou mais do capital de estatais por investidores do exterior", salientando que estes se interessam particularmente pelas "empresas que atuam nos ramos siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes." Silenciou, de propósito, o setor do petróleo no qual tem os olhos postos ambiciosamente. Essa aquisição gradual vai se fazendo. Nos leilões da Usiminas, Mafersa e outras, as ações vendidas foram parar, em boa parte, nas mãos de testas-de-ferro dos monopólios estrangeiros ou de especuladores financeiros.

    Collor empenha-se também no desmonte do Estado Nacional, enquanto órgão de soberania. Faz intensa propaganda em favor da redução das funções do Estado que, na sua versão, deveria ocupar-se principalmente do gerenciamento de serviços públicos, como a educação, a saúde, a habitação, o meio ambiente, etc. Um tipo de Estado de características coloniais. Perderia sua condição de organizador e incentivador do progresso econômico, político, social, cultural da sociedade que aspira a ser livre, independente, progressista.

    Outro elemento a ser podado em suas funções específicas são as Forças Armadas que, diga-se de passagem, em período recente, impuseram à nação uma ditadura feroz. Faz-se campanha sorrateira, que se origina no exterior, visando a desaparelhar militarmente o país. Os imperialistas não querem encontrar obstáculos aos seus propósitos de domínio. Chegaram ao ponto de promover a "autodissolução" do Exército do Panamá, uma nação retalhada e ocupada por tropas dos Estados Unidos.

    Collor colabora ativamente com o plano imperialista. Corta verbas indispensáveis à manutenção de serviços e iniciativas ligadas à defesa nacional. Desativa a produção de armas e de mísseis balísticos produzidos com tecnologia brasileira. O Planalto e seu ministro do Exterior não tiveram uma palavra de condenação ou mesmo de estranheza à proposta cínica e petulante de McNamara de eliminação das Forças Armadas dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, e sua substituição por forças supranacionais, sob o comando da ONU, instrumento político dos Estados Unidos.

    Semelhante atitude do governo brasileiro desenha um quadro preocupante sobre o futuro da nação que se vê ameaçada por potências estrangeiras. As riquezas do Brasil sempre foram cobiçadas pelos monopolistas de fora, em particular as da Amazônia, uma das regiões do mundo que detém as maiores reservas minerais.

    Internacionalização da Amazônia

    Os imperialistas não escondem sua pretensão de internacionalizar a Amazônia. Realizam campanhas com esse objetivo. Editam livros e revistas, além de programas de televisão, disseminando a falsa idéia de que o Brasil não tem possibilidade de proteger essa região que, segundo eles, envolve problemas vitais para a Humanidade. Dizem que as florestas estariam sendo dizimadas sem apelação e que isso produziria o efeito estufa na atmosfera. Os argumentos são grosseiros, calam, no entanto, no espírito dos desavisados.

    Onde, porém, realizam ações mais ativas é entre a população indígena, mal atendida pelo governo. Seus agentes, em geral missionários norte-americanos, procuram iludir a boa fé dos índios, tentando utilizá-los nos planos de formação de enclaves territoriais, separados da soberania brasileira. Tentam corromper os índios e desvirtuam a política de defesa do modo de vida, dos costumes, da cultura primitiva desses povos. Collor fecha os olhos a essa atividade nociva ao Brasil, coopera direta ou indiretamente na campanha desnacionalizante da Amazônia.

    Dificulta a construção de obras de infra-estrutura e de defesa das fronteiras nacionais na região do extremo Norte. Patrocina a Conferência ECO-92 organizada pelos interessados em solapar os direitos soberanos do Brasil sobre a Amazônia.

    Depois do que sucedeu com o Panamá, Granada e o Iraque, agredidos brutalmente pelos Estados Unidos, com o apoio da ONU, e o que acontece com Cuba, bloqueada pelos imperialistas norte-americanos, seria crime de lesa-pátria cruzar os braços ante a ameaça real que pesa sobre a Amazônia.

    Os brasileiros precisam preparar-se em todos os terrenos para defender essa imensa região do território nacional. Suas riquezas devem servir ao progresso do país, ao bem-estar de seus filhos, à edificação de uma pátria livre, soberana e progressista.
    Tal o quadro sombrio da realidade nacional.

    Um novo regime, um novo governo

    Muitos comentaristas políticos e personalidades públicas, face à perspectiva ruinosa que o país apresenta, ousam dizer que o Brasil está acabando. O PCdoB reafirma o que enfatizou em 1988 - ou se rompe radicalmente com o atual estado de coisas ou o país se afunda cada vez mais na decadência e na submissão total à oligarquia financeira internacional.
    São graves as ameaças que o Brasil defronta. Impõem-se definições de rumos na encruzilhada histórica que se delineia.

    O país reclama profundas reformas, transformações radicais na estrutura econômica e na superestrutura política, jurídica, social, cultural. Não cabem remendos ou reajustes inócuos, simples mudança de pessoas na direção do Estado. Por mais bem intencionadas que fossem essas pessoas, ficariam somente nas boas intenções. A máquina estatal das atuais classes dominantes, enredada num sistema atrasado e dependente do capital estrangeiro, não permite reverter a tendência malsã que se instalou na vida da nação.

    Objetivamente, o que o Brasil necessita é passar ao socialismo, criar um governo socialista, dirigido pelas forças mais avançadas da sociedade, por partido ou partidos, que tenham por base uma teoria científica, revolucionária. Socialismo com as características peculiares ao nosso país e ao nosso povo, capaz de construir, através das etapas necessárias, a nova vida de progresso, liberdade, justiça social, autêntica independência nacional, cultura e bem-estar dos trabalhadores e da imensa população laboriosa.

    Em termos de estratégia política - esse o objetivo maior que persegue o Partido Comunista do Brasil, PCdoB, na atualidade. Somos socialistas e lutamos, desde já, pela vigência do socialismo científico em nossa pátria. É a única e verdadeira solução para os intricados e aflitivos problemas que o país atravessou.

    Caminhos de luta e unidade

    Lutando pelo socialismo, avessos que somos à estreiteza sectária, devemos buscar, no campo político, os caminhos concretos que nos conduzam a um novo regime. Não se pode ir em linha reta ao poder socialista. Há de se encontrar, em cada momento, aliados permanentes ou ocasionais que, nos embates políticos, ajudem a impulsionar o avanço do movimento emancipador. E descobrir também entre as muitas tarefas que se apresentam, aquela que domine a cadeia dos acontecimentos e que, bem conduzida, facilite o êxito estratégico.

    Atualmente, adquire importância primordial a questão nacional. A defesa dos fundamentos da nação brasileira aviltada pelo governo Collor, com o beneplácito da maioria conservadora do país, é a grande tarefa do momento. No futuro imediato, ocupará a cena política como centro das atenções de um número cada vez maior de patriotas. O imperialismo norte-americano prosseguirá realizando seus planos de destruição das fronteiras nacionais. Boa parte das classes dominantes continuará fazendo o jogo do imperialismo. Os campos ir-se-ão definindo. É inevitável o crescimento da resistência antiimperialista com sentido renovador.

    Apoiaremos firmemente os atos de oposição aos inimigos internos e externos. Incentivaremos o surgimento de um amplo e poderoso agrupamento antiimperialista e democrático-nacional que reúna não somente as massas populares e o movimento operário, mas também, a intelectualidade progressista, representantes da economia autenticamente nacional, setores militares que não concordem com a crescente perda da soberania brasileira, personalidades destacadas da vida nacional, em suma, todos os que amem a pátria e não queiram transformar-se em meros agregados, em vassalos da superpotência norte-americana.

    A democracia necessária

    Parte importante da luta por transformações radicais no país, o combate em favor da democracia assume papel destacado. As forças reacionárias mundiais fazem intensa campanha anticomunista visando a golpear as conquistas democráticas e progressistas. Estimulam por toda parte os regimes de direita ou de tendência fascista. No Brasil, a democracia sempre foi restrita e o país tem vivido largos períodos de ditadura. As instituições arcaicas refletem essa precariedade democrática. No Executivo, no Judiciário e no Legislativo não há espaço para a afirmação da soberania popular. Os partidos políticos de vinculação progressista são discriminados. A lei e a justiça eleitoral protegem os partidos das classes dominantes, dificultam a expansão dos pequenos partidos, muitos dos quais, como o nosso, com real integração nas massas. As correntes avançadas e o povo em geral não têm acesso aos meios de comunicação massivos.

    A minoria conservadora reacionária só pode manter-se nas posições de mando, impedindo a efetiva democratização da vida nacional. Tenta, agora, através de seus parlamentares, retirar da Constituição alguns dispositivos democráticos e cercear mais ainda a existência e o funcionamento dos partidos que representam o progresso social.

    Entretanto, o Brasil necessita prementemente de democracia. A saída para os seus problemas atuais passa pela reforma profunda das instituições obsoletas e isso exige democratização. Também indispensável para modernizar a vida política, social e cultural do povo brasileiro, para combater os privilégios da minoria. Democracia destinada a favorecer a organização do povo, a arregimentação dos trabalhadores na luta por seus interesses vitais e pelo socialismo.
    O Partido Comunista do Brasil empenhar-se-á no combate ao atraso político e ao reacionarismo conservador. Lutará por democracia para o povo como instrumento imprescindível à ação conseqüente por um novo regime.

    Importância do cotidiano político

    Atuar no curso da vida política é uma exigência do movimento revolucionário. Nunca se sabe de antemão que problemas advirão pondo em choque os diversos interesses em jogo. Quando amadurece a necessidade de transformações radicais, muitas vezes o detonador do conflito maior surge de questões aparentemente insignificantes. Devemos nos manter atentos a todos os vaivéns do curso político.

    Presentemente, o país vive uma situação de grande instabilidade política. O governo Collor perdeu a credibilidade como governante da nação. Não tem base de apoio e faz política pessoal, divorciada das aspirações do povo brasileiro. Sua orientação geral é de traição aos interesses nacionais. São freqüentes as crises políticas que, em determinada circunstância, podem transformar-se em crise institucional do poder.

    Políticos de projeção nacional, provavelmente candidatos à Presidência da República em 1994, esforçam-se para sustentar Collor no governo até o fim do mandato. É duvidoso que isso possa suceder. Cresce a indignação das massas e o sentimento de que os que o elegeram têm todo o direito de exigir o seu afastamento do cargo, antes que maiores calamidades tomem conta do país. O PCdoB, em oposição decidida a Collor, apóia o movimento democrático e popular que reclama sua retirada do Planalto. "Ou o Brasil, ou Collor" é o dilema que se apresenta à nação.

    Na emergência de uma crise institucional que ponha fim ao mandato presidencial, o PCdoB julga acertado proceder à eleição imediata de um novo governante. Essa eleição poderá assinalar um marco de viragem na política brasileira, sobretudo se se fortalecer o movimento popular antiCollor, sob a direção das correntes progressistas e revolucionárias.
    Tal o desenvolvimento da situação nacional e as perspectivas que se apresentam. Nem tudo ocorre como se imagina. Mas ter uma orientação segura, baseada na realidade, é meio caminho para o êxito.

    Os contratempos do socialismo

    Vivemos uma situação de generalizado abalo das convicções progressistas de transformação radical da sociedade. Estende-se o ceticismo, o desalento, as vacilações acerca da justeza das teorias de Marx, Engels, Lênin. Voltam à cena política velhas e ilusórias utopias de reforma do capitalismo como saída para os irreparáveis desajustes originados da decomposição desse sistema.

    A burguesia realiza em âmbito planetário intensa campanha anticomunista. Deturpa, dissimula, tergiversa. Recorre a múltiplos artifícios para confundir as grandes massas da população a fim de desviá-las do caminho da ação revolucionária. Ataca em todos os terrenos, agride não somente os comunistas, mas também tudo o que é socialmente avançado.

    Pari passu com essa campanha, populações desnorteadas em países outrora socialistas, revivem os dias trágicos do nazifascismo. Destróem símbolos da epopéia revolucionária, derrubam monumentos levantados em homenagem às grandes figuras da gesta transformadora do velho mundo. Leningrado, agora, é São Petersburgo. E a bandeira da Rússia não é mais vermelha, tem as cores sinistras do czarismo.

    As forças de vanguarda resistem, em condições muito difíceis. Formos duramente atingidos. Mesmo antigas referências da luta anti-revisionista, como o PTA, capitularam, mudaram de campo. Todavia, alguns países onde a revolução triunfou, como Cuba, Vietnã, Coréia do Norte e China Popular mantêm-se decididos a levar adiante a causa que defendem. Os partidos marxistas-leninistas, anti-revisionistas, prosseguem no esforço orientado para a reorganização das forças revolucionárias. E há, entre os partidos que havia adotado o revisionismo do PCUS, um empenho salutar visando a reorientar suas posições político-ideológicas.

    Vamos fazer, neste 8º Congresso, uma avaliação multilateral dos acontecimentos ocorridos no mundo socialista. E tirar ensinamentos, recolher experiências que sirvam às lutas atuais e futuras. Não temos a pretensão de dominar plenamente um assunto tão complexo. Conhecemos nossas deficiências e, também, a magnitude da tarefa, que tem sentido histórico.

    Balanço das conquistas de 1917

    Antes de mais nada, impõe-se um rápido balanço das conquistas revolucionárias de 1917. Há quem negue, e não são poucos, os êxitos alcançados e, até mesmo, a existência do socialismo na URSS e em outros países.

    Sob a direção do Partido Bolchevique, a Revolução Socialista erigiu um novo sistema econômico-social oposto ao capitalismo. Inspirou por toda parte a luta conseqüente da classe operária e dos povos oprimidos. Acendeu a chama da esperança no coração dos que só têm a perder os grilhões da impiedosa exploração capitalista.

    Imensas as contribuições que deu ao avanço da sociedade humana. A abolição da contradição entre o trabalho socializado e a apropriação privada permitiu rápido desenvolvimento, sem crises, das forças produtivas, colocando a União Soviética no nível dos países altamente industrializados. Com a coletivização da agricultura, modernizou a vida rural, utilizando máquinas e instrumentos agrícolas de grande eficiência.

    Elevou o status social da classe operária e do campesinato. Passos importantes foram dados no terreno da cultura - nunca antes se imprimira tantos livros, nunca antes as massas populares e os trabalhadores tiveram a oportunidade de se pôr em contato com a literatura, a arte e a ciência, com as conquistas do saber. Instituiu-se um governo que reunia as funções executiva e legislativa num só órgão - o soviete, criado pelas massas. Em contraposição às rivalidades nacionais e étnicas oriundas do capitalismo, construiu-se um sistema de convivência fraternal entre os diversos povos habitantes do território euro-asiático da URSS.

    Todas essas conquistas foram obtidas em árduas batalhas contra a ruína, a miséria, a fome secular que imperavam no país dos czares. E contra as forças da reação imperialista. O socialismo derrotou o intervenção militar dos 14 Estados, superou o bloqueio econômico imposto pelos países capitalistas e seus lacaios, desmantelou a sabotagem dos técnicos estrangeiros, debelou a total desorganização dos transportes e dos serviços públicos. O novo regime realizou prodígios de desenvolvimento econômico planificado - a economia soviética obteve taxas de crescimento continuado jamais conseguidas pelos países capitalistas. Isso refletiu-se no bem-estar material e espiritual das massas trabalhadoras.

    Desapareceu, enquanto perdurou o socialismo científico, a pobreza absoluta, o desemprego crônico, o analfabetismo, a mendicância e outras chagas da velha sociedade. Significativamente, na II Grande Guerra, a União Soviética derrotou a agressão da todo-poderosa Alemanha hitlerista. A URSS aumentou consideravelmente seu prestígio internacional e sua influência nos desdobramentos da situação do mundo.

    Esse é o balanço, breve, do período em que prevaleceu o socialismo na União Soviética - quatro décadas, de 1917 a 1957. Embora o novo sistema não tivesse ainda alcançado o nível de desenvolvimento econômico dos grandes países capitalistas, demonstrou inequívoca superioridade no equacionamento e na solução dos problemas angustiantes com que se defronta a Humanidade. A União Soviética avançou séculos na luta por um mundo melhor.

    O revisionismo contemporâneo

    A partir dos fins da década de 1950 e começo da de 1960, sob o domínio dos revisionistas contemporâneos, a União Soviética deixou de ser um país socialista. O poder e a direção da sociedade, comandados pelos leninistas desde 1917, passaram aos revisionistas, uma tendência anti-socialista de fundo liberal-burguês. Liderada por Kruschev, iniciou-se a transição gradual de volta ao capitalismo que durou mais de três decênios.

    A transição para o capitalismo operou-se de maneira camuflada. Seus executores falavam de "socialismo maduro e desenvolvido". Conservaram o nome do Partido, mantiveram a antiga estrutura do poder soviético, prosseguiram com o tipo de economia estatizada e planificada. Todavia, deram outro conteúdo às antigas formas socialistas. Instituíram um sistema híbrido. O poder, apoiado na burocracia, já não servia ao avanço da sociedade no rumo do comunismo mas, ao retrocesso ao regime da exploração do homem pelo homem condenado pela História.

    Diversas facções dirigiram a transição nefasta. Depois de Kruschev, afastado em 1964, veio Brezhnev; após este, Chernenko e Andropov; finalmente, Gorbachev. Cada qual cumpriu determinado papel. Brezhnev pretendia corrigir desvios de Kruschev - prosseguiu na linha oportunista. Gorbachev completou o processo de marcha à ré. Lançou a Perestroika para superar as "falhas" de Brezhnev e "modernizar" a vida política, econômica e social. Acelerou a implantação da economia de mercado. Sob a sua direção, a União Soviética converteu-se ao capitalismo. Yeltsin substituiu Gorbachev, com o mesmo propósito anti-socialista.

    O revisionismo contemporâneo atingiu também os países do Leste europeu. Em todos eles, o socialismo não chegara a adquirir raízes próprias. Depois da II Guerra Mundial, com a ajuda soviética, estabeleceram regimes de democracia popular que ainda não eram socialistas. Com o Plano Marshall, que visava a atraí-los ao Ocidente, abreviou-se artificialmente a passagem desses países ao socialismo. Os novos dirigentes revisionistas da URSS converteram-se em satélites, usando até mesmo a força militar para subjugá-los.

    Os resultados do domínio revisionista na URSS e no Leste europeu foram catastróficos. Crise profunda na vida econômica, política e social. Desemprego em massa, fome, miséria crescente, especulação mercantilista. Decadência moral e recrudescimento do chauvinismo. A URSS desintegrou-se.
    No curso de 1990/91 o sistema revisionista implodiu. Os povos de diferentes países levantaram-se contra o regime e o governo revisionistas, tidos, porém, como socialistas. Atacaram os governantes e tudo o que se relacionava à revolução e ao comunismo. Instalaram governos abertamente anticomunistas.

    Temos, portanto, dois balanços diferentes - o da época socialista e o da era revisionista. O primeiro, promissor, apesar das dificuldades que enfrentava; o segundo, degradante em toda linha. Refletindo situações distintas, não podem ser confundidos na mesma designação de socialismo real. Um deles é efetivamente socialista, o outro, anti-socialista.

    A luta contra o revisionismo

    Desde o início da década de 1960, o movimento revolucionário, no plano mundial, opôs-se firmemente à traição aos ideais comunistas. Desmascarou as posições contra-revolucionárias da camarilha que se apossou da direção do PCUS e do Estado socialista. Revelou a essência retrógrada da política adotada a partir do 20º Congresso do PCUS. Discordou das teses de Kruschev e seus seguidores acerca da transição pacífica, da competição pacífica, da coexistência pacífica, do Estado de "todo o povo" e do Partido de "todo o povo".

    O Partido Comunista do Brasil, PCdoB, orgulha-se de ter tomado parte, desde a primeira hora, dessa batalha. Em 1963, já denunciava Kruschev e seus parceiros como inimigos da revolução e do socialismo. A própria reorganização do Partido, em fevereiro de 1962, foi uma resposta contundente ao revisionismo contemporâneo. Tanto no plano interno quanto no externo, não vacilou no combate às proposições antimarxistas. Desenvolveu intensa luta ideológica e política contra as tendências adversárias do marxismo-leninismo.

    Nessa luta, o PCdoB adotou posição crítica e autocrítica com referência ao seu passado. Em particular, quanto ao dogmatismo. Na VI Conferência, em 1966, assinalava: "Ao combater o revisionismo e demais tendências estranhas ao proletariado, o Partido deve erradicar de suas fileiras as concepções dogmáticas. Essas concepções influem, de longa data, no movimento operário brasileiro. Expressam-se, geralmente, na utilização inadequada das experiências de outros países, na cópia mecânica dos textos dos clássicos do marxismo e na adoção de soluções decalcadas das que tiveram êxito em outros países, em condições diversas e em épocas diferentes".

    A derrota do socialismo

    A batalha contra o revisionismo contemporâneo foi importante. Sobretudo quanto à revelação de que eram falsas e antimarxistas as teses de Kruschev e de seus sucessores. Representa uma conquista do movimento comunista mundial.

    Mas a crítica exclusivamente ao revisionismo mostrou-se insuficiente. Porque não explicava as causas da derrota do socialismo na URSS. Com a débâcle do Leste europeu e da União Soviética a situação se complicou ainda mais devido aos males do revisionismo terem sido atribuídos ao comunismo.
    Isso impõe aos revolucionários deter-se num exame mais acurado do período da construção do socialismo, pesquisar deficiências e erros que possam ter contribuído para o revés de 1956/57, recolher experiências e ensinamentos que sirvam às lutas futuras.

    Chama a atenção, desde logo, que a derrota do socialismo não se deu pelo enfrentamento direto com a burguesia. Esta, tentou inúmeras vezes liquidar pela força o regime proletário. Particularmente com a agressão da Alemanha de Hitler. Nada conseguiu, fracassou sempre. O socialismo foi esmagado por corrente que atuava no seio do movimento revolucionário.

    Essa circunstância nos remete a um dado histórico - o confronto ideológico entre duas concepções que acompanha todo o processo da luta pela revolução e pelo socialismo na velha Rússia e na União Soviética. Desde o começo do século, Lênin assinalava a existência da "ala revolucionária do Partido e a ala oportunista". Em termos de classe, correspondiam ao proletariado e à pequena burguesia. Durante alguns anos, essas duas tendências conviveram no Partido.

    Ora predominava o leninismo, ora a corrente contrária. Bolchevismo e menchevismo são expressões das duas concepções. Em 1912, na Conferência de Praga, os mencheviques foram expulsos. Os bolcheviques criaram um partido independente - o Partido Operário Social-Democrata da Rússia (bolchevique).

    Esse ato foi decisivo para levar a cabo a Revolução de Outubro. "Durante toda a Revolução de 1917 - escreveu Lênin - os mencheviques e os esserristas não fizeram outra coisa que não fosse vacilar entre a burguesia e o proletariado, jamais puderam assumir uma posição correta, como se o fizessem para ilustrar deliberadamente as palavras de Marx, de que a pequena burguesia é incapaz de ter uma posição independente nas batalhas decisivas".

    Com a vitória da Revolução, mencheviques e centristas reingressaram dissimuladamente na organização de vanguarda do proletariado, assim como milhares de novos aderentes de insuficiente formação marxista. Prosseguiu o combate do leninismo contra as correntes pequeno-burguesas - no caso da dissolução da Constituinte, da paz de Brest, nos prazos da duração da NEP, da política de industrialização e na da coletivização da agricultura, da ofensiva para liquidar os kulaks como classe, da preparação do país para a guerra que se avizinhava. Nesses agudos conflitos predominou, em geral, o leninismo.

    Num largo período, devido à força da corrente revolucionária e por temor às repressões políticas, os oportunistas refluíram, mudaram de tática. Exageravam nos aplausos à orientação de Stálin, nem sempre inteiramente correta. Kruschev foi um dos maiores bajuladores de Stálin. Quando este morreu, em 1953, os oportunistas voltaram à carga, mesmo sem ser, ainda, tendência estruturada e com plataforma própria. E conseguiram o que poderosos exércitos da burguesia não haviam alcançado - destruir o socialismo científico na URSS. Em 1956/57, venceu a contra-revolução pequeno-burguesa, revisionista, que existia embuçada no Partido. E dividiu o movimento revolucionário mundial.

    O confronto ideológico entre a corrente leninista, revolucionária, e a pequena burguesia revisionista, tem raízes históricas. A pequena burguesia, que constitui vasta camada social, existe não somente no capitalismo, aparece igualmente no socialismo. Objetivamente, opõe-se ao projeto do proletariado de construir uma sociedade de trabalhadores, de indivíduos iguais em direitos, sem classes, uma comunidade livre de privilégios e de parasitas.

    Orienta-se no sentido de amainar a luta revolucionária do proletariado, cheia de imensas dificuldades e de grandes sacrifícios, dirigi-la pelo caminho das reformas de tipo burguês. Essa tendência pequeno-burguesa é revisionista por natureza, dado que o marxismo representa a teoria da luta de classes conseqüente cuja meta final é o comunismo. Suas idéias não são as mesmas do proletariado. O socialismo é a aspiração da classe operária, e não de outros setores sociais.

    Marx e Engels sustentaram vigorosa luta contra as diversas doutrinas do socialismo pequeno-burguês. Propiciaram a base teórica para forjar a corrente proletário-revolucionária. Lênin dedicou boa parte de sua vida e de sua obra a esse mesmo objetivo. Seus livros estão impregnados de viva polêmica com as tendências oportunistas, seja no campo da filosofia e da política, seja no da organização partidária. Somos continuadores dessa luta, que a experiência histórica demonstra ser de longa duração.

    Insuficiências e erros

    O confronto ideológico, em 1956/57, favoreceu a corrente adversa ao leninismo. Isso explica como ocorreu a derrota do socialismo na URSS. Mas, ainda não explica o porquê da derrota. Somos de opinião que deficiências e erros no curso da construção socialista possibilitaram esse desfecho negativo.

    O PCUS mostrava-se ideologicamente enfraquecido. Criara-se um clima de auto-satisfação e comodismo que vinha da vitória na II Grande Guerra, do prestígio internacional da URSS, do respeito e veneração por Stálin. Tudo estaria bem. O socialismo consolidado, o "quem vence quem" resolvido (!) a favor do socialismo, caminhava espontânea e gradualmente para o comunismo... Problemas conflitivos limitavam-se à área exterior.

    É expressivo o testemunho de Enver Hoxha, que conviveu mais de perto com o PCUS, desde o fim do conflito mundial. Disse ele, em Os kruschevistas: "Penso que no Partido Comunista da União Soviética, já antes da guerra, mas de modo particular depois desta, observavam-se sinais de uma apatia condenável. Esse Partido gozava de grande renome, tinha alcançado grandes êxitos em seu caminho. Porém, havia começado a perder seu espírito revolucionário, e o burocratismo e a rotina o estavam contaminando. As normas leninistas, os ensinamentos de Lênin e de Stálin haviam sido convertidos pelos aparelhos em fórmulas e slogans surrados e sem valor para a ação".

    E, ainda: "Pouco a pouco começou a estender-se o arrivismo, o servilismo, o charlatanismo, o nepotismo mórbido, a moral antiproletária. Tudo isso corroía o Partido, sufocava o espírito de luta de classes e de sacrifícios e o empurrava à busca de uma vida tranqüila, de privilégios, de vantagens pessoais, de pouco trabalho e menor esforço".
    Observações semelhantes, mas em âmbito limitado, fizeram também vários camaradas do nosso Partido que haviam estudado na União Soviética, observações essas transmitidas à direção do Partido na época.

    Tudo isso mostra que o PCUS estava desarmado ideologicamente para defender as idéias revolucionárias. Já não respondia às normas leninistas de que o Partido deve submeter-se permanentemente a um processo de autoconstrução ideológica, crítico e autocrítico, superando dialeticamente o que envelhece e abrindo espaço ao novo, revolucionário.
    Na União Soviética a teoria progredia insuficientemente, passava por uma fase de relativa estagnação. Surgiam variados problemas, decorrência do desenvolvimento objetivo da sociedade em construção. Escasseavam respostas teóricas a tais problemas, gerando ausência de perspectiva. Medrava, em certa medida, o subjetivismo, o empirismo, o dogmatismo.

    É nossa convicção que o ponto de partida da degenerescência do movimento socialista vem do 20º Congresso do PCUS, reforçado com o golpe de Estado de 1957, na URSS. Aí começa o processo de volta ao capitalismo que, entretanto, se apresentava como "desenvolvimento criador do marxismo-leninismo".

    O centro da luta contra o socialismo situava-se no deliberado ataque a Stálin que, à frente do Partido e do Estado, dirigia a construção socialista até o seu falecimento em 1953.
    Mas o estudo que temos feito sobre o assunto em pauta, nos leva a afirmar que, mesmo na época de Stálin, apareciam já elementos de degenerescência na sociedade soviética. A situação da URSS e do Partido, à qual nos referimos, evidencia esse fato. Questões outras, relacionadas ao Estado e ao Partido, reforçam essa opinião.

    Em 1918, Lênin, num breve artigo, definiu os elementos essenciais do novo Estado socialista: "A democracia do poder soviético e o seu caráter socialista - disse ele - expressam-se no fato de que: o poder supremo do Estado são os sovietes, constituídos por representantes do povo trabalhador (operários, soldados e camponeses) livremente eleitos e revocáveis em qualquer momento pelas massas até agora oprimidas pelo capital; os sovietes locais se unem livremente, segundo os princípios do centralismo-democrático, no poder soviético nacional único, consolidado numa união federal da República Soviética russa; os sovietes concentram em suas mãos não só o poder legislativo e o controle do cumprimento das leis como também sua aplicação direta por meio de todos os membros dos sovietes, com vista a trasladar gradualmente o exercício das funções de legislação e administração do Estado a toda população, sem exceção".

    Nessa concisa definição, Lênin destaca os aspectos principais do poder proletário: origem popular e democrática, afirmação da soberania popular, exercício do poder pelas amplas massas trabalhadoras que controlam o Estado, traslação progressiva ao não-Estado. É um poder dinâmico, antiburocrático por excelência. Sua força reside na consciência política das massas, na participação voluntária dos trabalhadores nas tarefas estatais.
    Esse o tipo de poder que se estabeleceu na União Soviética e perdurou durante largo período.

    Demonstrou ser instrumento qualificado de construção da nova sociedade. Mobilizou as energias do povo, revolveu a antiga apatia das massas com relação à política em geral. Fez progredir amplamente a iniciativa criadora da população laboriosa.

    Pouco a pouco, o Estado sofreu algumas alterações no seu conteúdo democrático e popular. Ainda que mantendo seus propósitos de defesa dos interesses do proletariado e da Revolução, converteu-se num órgão burocrático, afastado das massas. O poder tornou-se demasiadamente centralizado. Os sovietes, de maneira geral, tinham funções homologatórias, infringindo-se o princípio de que o centro decisório do Estado Socialista deve repousar nos órgãos da soberania popular. Substituía-se a atividade criadora das massas por métodos de aceitação formal das decisões adotadas na cúpula dirigente.

    Além disso, realizavam-se, com ou sem justificação plausível, repressões políticas que atingiam setores populares. Violava-se a legalidade democrática, pretextando o acirramento da luta de classes, o que nem sempre correspondia à realidade política. Tais repressões criavam ambiente de temor que induzia à passividade e ao silêncio ante erros e defeitos existentes.

    O Partido Comunista da União Soviética, força que dirigia politicamente o Estado e a sociedade, contribuiu decisivamente para as deformações apontadas. Assenhoreou-se do Estado. Monopolizou a vida da comunidade. O Estado Socialista é, porém, um sistema de alianças da classe operária com o campesinato, dirigido pelo proletariado. Tem seus mecanismos próprios de administração, que devem ser respeitados.

    Estado e Partido são coisas distintas com funções definidas. Se não se estabelecerem relações justas, o Partido acaba absorvendo a atividade independente do Estado. Cria-se um sistema fechado, ultracentralizado, nas mãos do Partido, que poderia ser bem intencionado e até mesmo justificado em momentos agudos da luta de classes, mas inadmissível do ponto de vista dos princípios revolucionários.

    Quando isso acontece, e de fato aconteceu, além dos prejuízos políticos, tudo que sucede de ruim, de incorreto, recai sobre o Partido, isolando-o das massas. Também a sociedade não pode ser dirigida mecanicamente, impondo-se critérios rígidos a serem obedecidos por todos, nos menores detalhes. Assim procedendo, esmaga-se a iniciativa e a criatividade no seio da população, fomenta-se o descontentamento generalizado.

    A direção do Partido quanto ao Estado e à sociedade, indispensável à construção do socialismo, apóia-se fundamentalmente na democracia socialista e nos métodos de persuasão. A hegemonia política da organização de vanguarda tem de ser conquistada permanentemente, tanto no campo social quanto na direção do Estado. É preciso convencer os trabalhadores da justeza da orientação partidária, jamais impor, como verdades irrefutáveis, as nossas opiniões.

    O Partido tem de ser um defensor resoluto da democracia socialista e da liberdade para o povo sem, contudo, cair no liberalismo burguês. Deve guiar as massas pelo caminho revolucionário da luta contra as idéias atrasadas, contra os inimigos do socialismo, estimulando o que é novo e progressista. Não se pode desenvolver a sociedade, na fase de transição, sem o uso da democracia e da liberdade.

    Democracia socialista para incorporar grandes massas na atividade estatal, liberdade para combater a burocracia, os defeitos emergentes, a rotina conservadora.
    As questões aqui abordadas criticamente, que refletem erros e deficiências na construção do socialismo na URSS, contribuíram para a derrota da força revolucionária, da corrente leninista, intérprete fiel da revolução proletária e do socialismo científico.

    A direção de Stálin

    Stálin, como o principal dirigente do PCUS e teórico marxista-leninista, tem responsabilidade no desastre sucedido com o socialismo na URSS.
    Não foi ele quem deixou cair a bandeira revolucionária. Enquanto dirigiu o Partido e o Estado os ideais da Revolução de 1917 sempre estiveram em lugar de destaque. Sobre os seus ombros, depois da morte de Lênin, recaía boa parte da tarefa histórica de dirigir a construção da nova vida. Defendeu o leninismo. Sistematizou a contribuição inestimável do chefe da Revolução de Outubro ao enriquecimento da teoria de Marx e Engels. No cumprimento de suas tarefas, enfrentou inumeráveis dificuldades. Soube superar, sem vacilação, os condicionamentos históricos que, em vários casos, atropelavam a marcha normal da transição socialista.

    Estadista de larga visão, neutralizou inimigos poderosos, desbravando caminhos para alianças amplas e necessárias. Jamais permitiu o isolamento da URSS. Na II Grande Guerra, concentrou as esperanças dos povos do mundo inteiro que aspiravam a esmagar o nazifascismo e a construir um mundo de liberdade e justiça social.

    Por tudo isso, Stálin adquiriu enorme prestígio dentro e fora da União Soviética. Sua figura dominava o movimento revolucionário mundial.
    É necessário reconhecer esse papel de Stálin. Não se faz História, ignorando fatos reais. Tanto mais que ele comandou com êxito a construção do socialismo na URSS, primeira grande experiência de transformação radical da sociedade humana.

    Mas, Stálin revelou também deficiências, cometeu erros, alguns graves, equivocou-se em questões importantes da luta de classes. Particularmente no fim da vida, exagerou seu papel de dirigente máximo. Caiu no subjetivismo e, de certo modo, no voluntarismo. Permitiu o culto à sua personalidade que conduzia à subestimação do Partido enquanto organização de vanguarda.

    As debilidades ideológicas do Partido no enfrentamento com os revisionistas, em 1956/57 - toda velha guarda bolchevique deixou se envolver nas maquinações de Kruschev - demonstra que Stálin não deu atenção suficiente, em especial a partir da década de 1940, à formação leninista e à luta ideológica, problemas-chave da luta de classes. Criou o fetiche da direção que tudo sabe e tudo resolve, direção que se reduzia ao Birô Político e, dentro do Birô, a ele próprio. Sem dúvida, a direção joga papel de primeiro plano. É verdade que sem uma direção firme e prestigiada, o Partido não cumpre a sua missão. Mas não pode prescindir, em suas decisões fundamentais, da opinião e da aprovação consciente do conjunto do Partido. Este, deve estar sempre armado ideológica e politicamente para não se deixar confundir com opiniões e medidas que se desviam da rota revolucionária, tal como aconteceu nos idos da metade do século.

    Em dezembro de 1926, Stálin combateu eficazmente a opinião de Zinoviev que, desvirtuando Lênin, identificava "a ditadura do proletariado com a ditadura do Partido". Se isso fosse verdade, dizia Stálin, então "o Partido teria de substituir o método da persuasão por ordens e ameaças ao proletariado, coisa absurda e incompatível em absoluto com a concepção marxista da ditadura do proletariado". É uma opinião justa, leninista. Entretanto, mais tarde, com a burocratização do aparelho estatal e a excessiva centralização da atividade dirigente do Partido, Stálin concorreu para uma superposição do Partido ao Estado de tal modo que anulava, em boa parte, a atuação independente do Estado e de suas instituições.

    A tese de Stálin de quanto mais avança a construção do socialismo, maior é o acirramento da luta de classes, mostrou-se equivocada. Conduziu a repressões continuadas e possivelmente desnecessárias, com repercussão negativa na credibilidade do regime. Dificultou o fortalecimento da legalidade democrática e socialista, indispensável à consolidação do sistema de ditadura do proletariado. Como indicam as nossas teses ao 8º Congresso, "a luta de classes (...) tem altos e baixos. Seria errôneo pensar que, pouco a pouco, declina até desaparecer. Há momentos de aparente calmaria. Em outras ocasiões, a luta de classes se agrava, ameaçando o poder do proletariado. Isso se relaciona às dificuldades inerentes à construção do socialismo, em momentos de maior tensão e, também, à pressão ideológica, política e militar do imperialismo que, muitas vezes, assume feição extremamente agressiva".

    A luta de classes, particularmente no terreno das idéias, não pode ser tratada de maneira rígida. Stálin acentuou principalmente o seu aspecto repressivo que, em certas ocasiões, é indispensável. Deu menor importância ao outro aspecto, ao essencial, que é o da argumentação, o da fundamentação política e teórica. Este, precisamente, é o aspecto que coloca o Partido e isola os portadores de opiniões errôneas. Lênin, nesse sentido, foi um exemplo de firmeza e tolerância. Combateu todos os inimigos do socialismo com a arma da ideologia proletária, escreveu centenas de artigos refutando as idéias falsas, dizendo quem é quem. Demoliu, nesse combate, adversários empedernidos do marxismo e da luta revolucionária pelo comunismo.

    Stálin deu contribuições valiosas no campo teórico, que merecem ser estudadas. Mas, sua produção nesse terreno não acompanhou as exigências do desenvolvimento rápido da URSS. A sistematização da prática rica de ensinamentos da construção socialista não se fez. Stálin escreveu sobre lingüística, sobre materialismo dialético e histórico, sobre problemas econômicos, repetindo corretamente as idéias marxistas, acerca da passagem ao comunismo em termos abstratos. Não pesquisou, porém, os fenômenos novos, não lhes deu tratamento científico. É como se bastassem as indicações de Marx, Engels, Lênin, que não viveram a edificação socialista. Entretanto, o avanço da sociedade soviética, como tudo o que progride, tinha de apresentar questões originais a serem examinadas à luz da ciência social. Não questões isoladas, aleatórias.

    Mas, toda uma vasta soma de experiências que se devia traduzir em parâmetros mais altos do conhecimento. Lênin fez isso no campo da Filosofia, com o Materialismo e empiriocriticismo. No terreno da pesquisa científica, com o Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Na esfera do socialismo, com a teorização da revolução num único país. E assim por diante. Stálin não esteve à altura da generalização da prática revolucionária. E por isso caiu, em certa medida, no subjetivismo, no empirismo, que se manifestaram na orientação do Partido. Em tais circunstâncias, a teoria revolucionária estagnou.

    Apresentando, neste Informe, os defeitos que julgamos de maior peso na atividade de Stálin, como dirigente principal do Partido, é nosso propósito relacioná-los aos fatos subseqüentes que motivaram a derrota do socialismo na URSS. Ele não é o responsável direto, imediato. Mas influiu, indiretamente, com suas posições equivocadas e com o estancamento teórico, no desfecho da contenda anti-socialista.

    A reação e os oportunistas atribuem a Stálin toda sorte de crimes. Falam de "modelo" stalinista, de "método" stalinista, de "concepção" stalinista, com o objetivo de desacreditar o regime soviético. Pregam o ódio ao socialismo e ao Partido na figura de Stálin, explorando aspectos parciais negativos de sua atuação revolucionária. Pretendem dividir os comunistas entre stalinistas e não-stalinistas. Na verdade, a categoria stalinismo é forjada pelos inimigos de classe. O ataque ao stalinismo tem sido um artifício para manifestar oposição a certos conceitos básicos do socialismo, para introduzir idéias revisionistas. Fundamentalmente, esse ataque leva ao anticomunismo.

    Rechaçamos a propaganda insidiosa da reação. Não somos stalinistas. Tampouco, somos anti-stalinistas. Avaliamos a figura de Stálin no plano histórico. Ele esteve, juntamente com o Partido Bolchevique, à frente das grandes batalhas pela transformação radical do velho mundo capitalista. Nesses embates, a par dos méritos incontestáveis, mostrou falhas e deficiências, cometeu erros que prejudicaram a causa do proletariado.

    A crise do socialismo

    Desde há muito, em ligação aos acontecimentos que vimos examinando, instalou-se uma crise de certa profundidade no movimento marxista-leninista. Crise no campo da teoria, da Filosofia, da própria concepção de socialismo. Não surge de um pretenso envelhecimento da doutrina marxista, com dizem os reacionários, mas do descompasso da ciência social com a realidade em constante mutação. Oriunda do PCUS, partido respeitado e admirado pelos combatentes de vanguarda de todo o mundo, espalhou-se amplamente e gerou situação caótica nas fileiras comunistas.

    Dispersão teórica e vacilações de toda ordem constituem traços marcantes da situação atual. Contesta-se a luta de classes como a força motriz do desenvolvimento da sociedade dividida em classes antagônicas e o próprio papel da classe operária na direção do movimento revolucionário. Questiona-se a ditadura do proletariado que seria incompatível com um regime de liberdade e justiça social. Coloca-se em dúvida a possibilidade de construir o socialismo em países atrasados. Nega-se ao Partido Comunista o papel de vanguarda, de dirigente da revolução e da construção socialista. Julga-se incorreto o método do centralismo-democrático.

    Absolutiza-se o pluripartidarismo no socialismo. A teoria de Marx e Engels seria aplicável somente à fase anterior do capitalismo, não corresponderia à época atual de um capitalismo ultradesenvolvido com a revolução tecno-científica. O leninismo estaria impregnado de blanquismo, de radicalismos desnecessários. A própria filosofia marxista teria exagerado o aspecto dialético, o salto revolucionário, alheando-se da evolução que seria o principal fator de desenvolvimento da sociedade. Enfim, permeiam o movimento socialista mundial teses as mais variadas que constituem, em geral, a negação de princípios essenciais da doutrina marxista, a revisão dos fundamentos dessa doutrina.

    Essa crise grave, que dura longo tempo, exacerbou-se com o sucedido no Leste europeu e na União Soviética. A campanha anticomunista mundial, em nível jamais conhecido, estimula as tendências contra-revolucionárias.
    A crise instalada no socialismo corrói a luta do povo por um futuro melhor, enfraquece o impulso combativo dos trabalhadores, incentiva o culto à espontaneidade. É um sério obstáculo ao progresso social. Atingindo em cheio a teoria de vanguarda, priva o movimento de massas do fator consciente, que é o motor da ação conseqüente. "Sem teoria revolucionária - disse Lênin - não há movimento revolucionário".
    A superação dessa crise é questão decisiva para a retomada da ofensiva contra o capitalismo em decomposição. No início do século, verificou-se também algo semelhante. Lênin convocou ao combate. "Não há nada mais importante - afirmou - do que o agrupamento compacto de todos os marxistas que compreendem a profundidade da crise (do marxismo) e a necessidade de lutar contra ela, para manter os fundamentos teóricos do marxismo e suas teses fundamentais, desfiguradas, por todos os lados, mediante a difusão da influência burguesa entre os diversos 'companheiros de viagem' do marxismo".

    Essa convocação de Lênin é oportuna para os dias de hoje, e com mais razão, dada a envergadura da crise. Torna-se necessário cerrar fileiras em defesa dos fundamentos do marxismo atacado pelos revisionistas e pelos oportunistas de todo tipo, com a ajuda da reação mundial.
    Lamentavelmente, ainda é débil a luta contra a crise do marxismo, que apresenta maior complexidade por envolver o socialismo no poder e abarcar o conjunto do movimento revolucionário. Boa parte dos partidos operários aderiu ao revisionismo.

    Somente nestes últimos tempos, alguns deles começam a reagir à falsa orientação liderada pelo extinto PCUS. As organizações marxistas-leninistas concentraram seus esforços na crítica ao revisionismo contemporâneo, dispersando pouca atenção, no plano teórico, às deformações verificadas na construção do socialismo.

    Mas, é deficiente a crítica apenas ao revisionismo. Não se poderá vencer a crise sem desenvolver a teoria, o que significa atualizar o marxismo que "não é um dogma morto, uma doutrina acabada, preparada, imutável" (Lênin). São muitos os problemas a enfrentar, entre os quais a elaboração da experiência adquirida nestes muitos anos de luta de classes e de vigência do socialismo, a sistematização dos elementos novos que serão incorporados à teoria do marxismo-leninismo.
    É tarefa árdua que requer esforço persistente de pesquisa e elaboração científica, alicerçada no materialismo dialético e histórico. Devemos preparar-nos, os revolucionários de todo o mundo, para cumpri-la no mais breve prazo.

    Engels recomendava "sobretudo aos chefes, instruir-se cada vez mais em todas as questões teóricas (...) e ter sempre presente que o socialismo, desde que se tornou ciência, exige que se o trate como tal, isto é, que se o estude".
    O combate pela superação da crise do marxismo é a grande tarefa histórica da atualidade, ligado, sem dúvida, à conscientização das massas e à ação política em defesa dos direitos democráticos e dos interesses vitais dos trabalhadores e do povo.

    Reafirmação de princípios

    No momento em que a reação faz intensa campanha contra o comunismo, e quando os oportunistas põem em dúvida princípios básicos da nossa teoria, tentando abalar convicções na inevitabilidade do fim do capitalismo e do triunfo do socialismo, cabe aos revolucionários persistir na luta em defesa da grande doutrina de Marx, Engels, Lênin, que indica o caminho seguro da vitória.
    Nós, do Partido Comunista do Brasil, reafirmamos, neste 8º Congresso do Partido, a decisão de continuar partidários inabaláveis da teoria do marxismo-leninismo, cuja essência está no seu espírito crítico e revolucionário, teoria em constante elaboração, assimilando os fenômenos novos do desenvolvimento da vida econômica, política, social e cultural.

    Opomo-nos resolutamente às tendências que, desde Bernstein, tratam de rever o marxismo, retirando-lhe o conteúdo revolucionário e desfigurando o caráter proletário-revolucionário do Partido.
    Persistimos na idéia de que a luta de classes é a força motriz do desenvolvimento das sociedades divididas em classes antagônicas. E que a classe operária, pela posição que ocupa no sistema de produção, é o destacamento social que comanda as transformações radicais da sociedade rumo ao comunismo.

    Contrapomo-nos àqueles que adulteram a conceituação marxista do caráter de classe da luta pelo socialismo e tentam impingir fórmulas social-democratas falidas da passagem ao socialismo sem revolução e sem a direção do proletariado. A "via democrática" para o socialismo representa subordinar-se às regras do jogo do sistema burguês e manter-se nos marcos do capitalismo.
    Mantemos a opinião de que a ditadura do proletariado é o conteúdo essencial do Estado Socialista que nasce da revolução e conduz, através de um processo de transição, à sociedade sem classes, ao comunismo. Ditadura de uma classe e não ditadura de um indivíduo ou de pequeno grupo, que condenamos. Todo Estado é uma ditadura de classes e quando deixar de sê-lo já não mais será Estado propriamente dito.

    Propugnando a mudança radical na sociedade, asseveramos que o socialismo apresentará diversidade de formas e diferentes estágios de desenvolvimento, segundo a realidade existente nos países onde triunfe a revolução. Não valem cópias mecânicas e modelos rígidos de socialismo, nem mesmo quanto aos órgãos constitutivos do poder proletário ou aos sistemas de alianças. O socialismo vencerá em países bastante desenvolvidos, e triunfará também nos de pouco desenvolvimento. As diferenças de condições econômicas e sociais determinam desigualdades na realização concreta da construção da nova vida, anticapitalista.

    Sustentamos a idéia de que o Partido Comunista, marxista-leninista, é a vanguarda dirigente da Revolução e do Estado Socialista. Sem um partido revolucionário em luta constante contra as tendências adversas ao marxismo, capaz de ultrapassar todos os obstáculos à realização de seus objetivos estratégicos e táticos, é impossível vencer a burguesia, libertar os explorados e oprimidos, firmar os alicerces da sociedade comunista. O Partido deve ser a expressão da unidade de vontade e de ação dos seus militantes, como base da unidade maior das forças que combatem a burguesia e aspiram ao progresso social.

    Repudiamos as tendências oportunistas de tentar implantar no Partido o democratismo pequeno-burguês, a convivência pacífica de idéias marxistas com idéias social-democratas, liberais ou anarquistas no interior das organizações partidárias. O marxismo-leninismo, ideologia da classe operária, é a ideologia do Partido operário.
    Insistimos na defesa do centralismo-democrático - o método marxista de organização do Partido.

    O socialismo é um sistema centralizado democraticamente, tendo por base as massas trabalhadoras. Contrasta com a dispersão pequeno-burguesa que impede a direção única e planificada da economia e o desenvolvimento harmonioso da comunidade. Também o Partido é dirigido por um centro único, eleito democraticamente em seus Congressos. Centros paralelos de direção, exprimindo tendências diversas, liquidam a unidade partidária e o próprio Partido.

    Ao reafirmar posições de princípios, rejeitamos o dogmatismo, que é o oposto da doutrina sempre viva e criadora do marxismo-leninismo. Repudiamos também a estreiteza sectária que fossiliza o Partido. Os princípios são os alicerces sólidos sobre os quais se constrói a concepção proletária do mundo, revolucionária por excelência. Fundam-se na ciência social de Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e seus discípulos.

    Internacionalismo proletário

    Encerrando esta parte da exposição sobre o socialismo, desejamos salientar a necessidade de buscar novas formas de relacionamento no movimento revolucionário internacional, tendo em vista sua futura unificação. É uma afirmação de internacionalismo proletário.
    Com a dominação do revisionismo contemporâneo na URSS, ocorreu, a partir do início dos anos 1960, profunda divisão daquele movimento. A grande maioria dos partidos comunistas apoiou o PCUS e sua orientação geral. Outra parte levantou-se contra as posições políticas e ideológicas dos dirigentes soviéticos. Surgiram inúmeros partidos, relativamente pequenos, que se proclamaram marxistas-leninistas. O PCdoB, fundado em 1922 e reorganizado em 1962, no curso de sua atividade nas últimas três décadas, transformou-se no único partido da esquerda revolucionária no Brasil.

    À divisão seguiu-se a ruptura de relações entre as duas partes - os que apoiavam o PCUS e os que a ele se opunham - em certa medida inevitável, devido ao antagonismo de posições. Essa divisão, que dura largo tempo, enfraqueceu bastante o movimento operário revolucionário mundial que, com a III Internacional, havia alcançado elevado nível de unidade. O VII Congresso da IC, em 1935, foi um ponto alto, contribuindo para a unificação da luta mundial dos trabalhadores e dos povos contra a grave ameaça do nazifascismo, em defesa da revolução e das grandes conquistas de 1917.
    A derrota do revisionismo na União Soviética e no Leste europeu, por incrível que pareça, favorece o acercamento entre as correntes que se pretendem partidárias do socialismo científico. Vários partidos, antes ligados ao PCUS, procedem a um exame crítico do que se passou na URSS e no movimento comunista. Na própria União Soviética há esforços por reconstruir as forças fiéis ao marxismo-leninismo.

    É preciso reestruturar a unidade, especialmente quando há um ataque concentrado do inimigo de classe em plano mundial. Acreditamos não ter chegado ainda o momento de criar organismos internacionais ou mesmo de realizar reuniões deliberativas ampliadas. As divergências, em distintos graus, continuam existindo, estão longe de ser superadas. Mas, é possível fazer encontros bilaterais e mesmo reuniões informais para intercambiar opiniões e aproximar os pontos de vista sobre problemas comuns.

    O Partido Comunista do Brasil, sem renunciar às posições de princípios que vem sustentando desde a sua reorganização, em 1962, fará tudo o que puder para melhorar as relações entre os partidos e organizações revolucionárias, particularmente na América Latina, visando a fortalecer o internacionalismo proletário. Nesse sentido, intensificará a luta contra a ofensiva anticomunista, em defesa da liberdade, da soberania nacional, do socialismo científico. Manifestará solidariedade e dará todo apoio possível às lutas dos trabalhadores e dos povos por sua libertação.



    O Partido

    Passamos por duras provas sobre a vitalidade do Partido da classe operária. Saímos relativamente bem. O PCdoB suportou firmemente o vendaval do anticomunismo exacerbado com a derrocada final do socialismo na URSS e em vários países. Quando outras organizações que se diziam de esquerda abandonaram o caminho da luta por transformações profundas na sociedade brasileira e se convertiam em social-democratas envergonhados ou mesmo em liberal-burgueses, o nosso Partido, o PCdoB, não vacilou em reafirmar suas convicções revolucionárias e defender os princípios imperecíveis da doutrina de Marx, Engels, Lênin.

    Mantivemo-nos em nosso posto de combate nas linhas avançadas da luta de classes. Não é a primeira batalha que enfrentamos no campo da ideologia e da política. Desde a reorganização do Partido, em 1962, muitas lutas desse gênero tiveram lugar. Esta, no entanto, alcançou dimensões maiores e significação histórica. Não recusamos o debate aberto das questões controvertíveis. Convocamos o 8º Congresso do Partido e ampliamos o cenário da discussão.

    Balanço positivo

    É positivo o balanço da atividade do Partido, desde o VII Congresso. A linha política mostrou-se correta e não se cometeram erros graves na sua aplicação. Soubemos responder a tempo aos problemas políticos que se apresentaram. O prestígio e a influência do nosso Partido têm crescido. É hoje uma organização respeitada e considerada por amplos círculos políticos do país. A nossa representação parlamentar em diferentes níveis, aumentou. Mantivemos a bancada federal de cinco deputados. Elegemos nove deputados estaduais. Na legislatura anterior tínhamos apenas quatro. Cresceu razoavelmente o número de vereadores.

    Nas frentes de massas obtivemos sucessos. Melhoramos significativamente nossa inserção no movimento sindical. Ajudamos a estruturar a Corrente Sindical Classista que, presentemente, desenvolve atividade unitária nas direções regionais e nacional da CUT. Ganhamos influência em importantes sindicatos. No movimento estudantil voltamos a dirigir a União Nacional dos Estudantes (UNE) e mantivemos a direção da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). O Partido está presente na direção de muitos diretórios centrais, diretórios acadêmicos, grêmios das escolas de nível médio.

    Temos também participação em âmbito regional e nacional na direção da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM). Auxiliamos a desenvolver a União Brasileira de Mulheres (UBM) que realizou, ano passado, concorrido Congresso, bem como o Movimento dos Negros, cujo 1º Encontro Nacional alcançou êxito. A União da Juventude Socialista (UJS), sob a direção do Partido, empenha-se em se manter ativa na organização e mobilização da juventude. O PCdoB tomou parte decisiva nas lutas que se realizaram no país.

    Foi um dos principais dirigentes da Frente Brasil Popular na grande campanha eleitoral de 1989. Teve atuação destacada nas greves que mobilizaram, em 1991, milhões de trabalhadores. Atuou na defesa das massas camponesas, particularmente em Rio Maria onde foram perseguidos e assassinados vários comunistas. Em atos de massas, condenou a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, e apoiou o povo palestino.

    Chegamos ao 8º Congresso com o Partido consolidado em nível nacional. Em todos os estados da Federação e no Distrito Federal há Diretórios Regionais do PCdoB. Funcionam também Comitês ou Comissões dirigentes em cerca de mil e cem municípios. Em diversos Estados, como o Rio Grande do Sul, Amazonas, São Paulo e Pará, o Partido obteve vitórias expressivas. Centenas de novos quadros se revelaram aptos a exercer funções dirigentes.

    Regularizou-se a periodicidade da Princípios, revista teórica e política do Partido que tem contribuído grandemente para divulgar nossas idéias e estimular o debate teórico. Circula também regularmente a revista dedicada às mulheres. E, com tiragem irregular, a revista sindical. A Classe Operária, órgão central do Partido, circulou quinzenalmente, com deficiências.

    Vale salientar o trabalho de formação desempenhado pela Escola Nacional do Partido. Desde sua instalação, já passaram por cursos de diferentes níveis mais de dois mil comunistas. Em 1991, realizou-se um curso especial de estudo da Filosofia, da Economia Política e da teoria do Partido do qual participaram 160 camaradas.

    Avaliado criteriosamente, o balanço representa uma conquista da atividade do Partido, sobretudo se se tem em conta o período transcorrido de intensa campanha anticomunista.

    Debilidades

    Nem tudo se passa, porém, como seria de desejar. Há também na atividade partidária debilidades e insuficiências reveladas nas direções, em todos os níveis, a começar pelo Comitê Central e, igualmente, na militância.

    A execução das decisões adotadas, em muitos casos, não se realiza com a eficiência necessária. O trabalho de massas do Partido ressente-se de maior apoio nas bases. Organicamente, somos débeis nas grandes empresas industriais. Observam-se elementos de burocratismo em órgãos dirigentes, que se manifestam num trabalho fechado, voltado para a própria direção, desligado do conjunto do Partido.

    Desse modo, a direção separa-se da militância, não tomando partido. Decorre daí, possivelmente, certa queda na atividade dos militantes em diversos setores. Em relação à imprensa partidária, precisamos mobilizar-nos melhor a fim de superar as debilidade de A Classe Operária.
    Há ainda pouco esforço visando a recrutar novos aderentes e, principalmente, para organizá-los. É como se bastasse o que já temos. Nisso se reflete, às vezes, o receio de aumentar a carga de trabalho da direção que, por seu turno, denota incompreensão da necessidade do ajustamento constante desse trabalho às exigências do crescimento das nossas fileiras.

    O Partido no Rio Grande do Sul deu um bom exemplo de como tirar proveito de uma situação política favorável. Após os bons resultados, das eleições de 1990, empenhou-se em construir o PCdoB em todo o Estado. Precisamente por isso, a bancada do Rio Grande do Sul, neste Congresso, é a maior de todas. No entanto, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, onde ocorreram situações eleitorais semelhantes às do Rio Grande, não houve progresso, em certo sentido tivemos recuos. Insiste-se em métodos de direção rotineiros, quando é indispensável buscar formas novas de atuação dirigente.

    É justo afirmar que o Partido somente funciona bem quando tem dirigentes e militantes dedicados ao trabalho partidário. Se não há dedicação, empenho em progredir, tudo corre frouxo, sem controle, sem comando. Decerto a abnegação depende da consciência e da perspectiva revolucionária. Nunca devemos esquecer que o alimento que revitaliza nossa atividade comunista são as discussões políticas e ideológicas bem organizadas, o esforço para assimilar mais e mais a teoria marxista-leninista, e estreitar a ligação com as massas.

    (Documento aprovado no 8º Congresso do PCdoB,
    realizado de 3 a 8 de fevereiro de 1992 em Brasília.)