O Partido Comunista na legalidade (1945-1947) (Parte 1)
Mil novecentos e quarenta e cinco foi o ano da democratização e do ressurgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB), como um partido legal e de massas. Em abril o governo brasileiro estabeleceu, pela primeira vez, relações diplomáticas com a URSS, decretou anistia e libertou todos os presos políticos. Entre os libertados estava o lendário Luís Carlos Prestes. Em seguida estabeleceu uma ampla liberdade partidária, criando a possibilidade de o Partido Comunista se constituir como partido legal e integrado, com plenos direitos, à vida política brasileira.
No dia 23 de maio o PC do Brasil realizou um grande comício no Estádio São Januário no antigo Distrito Federal. Calculou-se um comparecimento de cerca de 100 mil pessoas. No mês seguinte aconteceu o comício em São Paulo, no Estádio do Pacaembu, que reuniu mais de 80 mil pessoas. Em agosto de 1945 o Comitê Nacional realizou sua primeira reunião pública fora da clandestinidade. Ela definiu como centro da tática comunista a luta pela democratização e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Para os comunistas a eleição da Constituinte era mais importante que a eleição presidencial, por isso chegaram mesmo a defender que o próprio Vargas a convocasse.
Em torno dessa proposta formou-se uma aliança entre os comunistas e a corrente “queremista”, assim chamada porque diziam querer a permanência de Vargas no poder. Por outro lado, ela decepcionou os liberais que defendiam a derruba imediata de Vargas. A oposição liberal-conservadora se aglutinou em torno da União Democrática Nacional e da candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes.
PCB entrando na legalidade
Esses setores conservadores não assistiram passivamente às mobilizações populares visando à permanência de Getúlio no poder. O “queremismo” assustou parte da própria base de sustentação do governo, que temia uma possível aliança entre as massas getulistas e comunistas. Esse temor levou todos os setores das classes dominantes a se unificarem contra Getúlio.
Em 3 de setembro o PCB solicitou o seu registro no Tribunal Superior Eleitoral. Durante o processo de deliberação, ocorreram várias manifestações contra a legalização do Partido Comunista, como uma de supostas esposas das vítimas do levante da ANL de 1935.
Em 29 de outubro de 1945, um golpe militar depôs Vargas e empossou o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Nesse mesmo dia a sede nacional do Partido foi cercada e ocupada pela polícia. O jornal comunista Tribuna Popular foi proibido de circular. Os principais dirigentes comunistas entraram na clandestinidade por alguns dias.
Havia fortes suspeitas de que existisse uma relação entre os comunistas e Vargas. Elas foram confirmadas pelo próprio Prestes: “No dia 29 de outubro, quando os tanques marchavam para depô-lo, por ordens do general Góis Monteiro, eu estava com o general Estillac Leal e o coronel Osvino Ferreira Alves. Nós mandamos um recado para ele: ‘Resista porque alguns tanques vão virar os canhões contra Álcio Solto, comandante das tropas. E a massa vai lhe apoiar’. Mas ele preferiu ficar sentado de charuto na mão, esperando ordens para ir para a casa”. No entanto, o golpe não deteve o processo de democratização em curso. No mês seguinte, o TSE aceitou o pedido de registro do Partido Comunista e ele apresentou uma lista de mais de 13 mil filiados e no dia 10 de novembro obteve o seu registro. O PCB agora estava habilitado para concorrer às eleições que ocorreriam em menos de um mês.
O crescimento do número de filiados foi estrondoso: chegou a 50 mil no início de 1945, ultrapassou 100 mil no final daquele ano, chegando a quase 200 mil em 1946. O Partido também organizava suas bases. Foram constituídas 500 células comunistas no Rio de Janeiro, 361 células em São Paulo. Algumas dessas células chegaram a organizar 2 mil comunistas, como as da Central do Brasil, Arsenal da Marinha e dos servidores públicos da Prefeitura do Rio de Janeiro. A célula dos estivadores de Santos possuía mais de 600 membros. Na cidade de São Paulo a célula da empresa Nitroquímica possuía mais de mil filiados.
Foram constituídos também comitês democráticos ou populares nos bairros que organizavam o povo para a luta contra a carestia, o analfabetismo, além de desenvolverem a luta política mais geral pela democratização do país. Esses comitês organizavam campeonatos de futebol, festas, piqueniques. Às vésperas das eleições realizavam o trabalho de alistamento eleitoral. Eles foram bases importantes para expansão política e eleitoral do PCB entre as massas populares.
A conjuntura exigia a constituição de um novo partido adequado à nova situação de legalidade. Prestes escreveu: “Nosso Partido precisa também ser profundamente diferente do que foi até agora. Em vez de um pequeno partido ilegal, precisamos agora de um grande Partido realmente ligado à classe operária e às forças decisivas do nosso povo, um Partido que pela sua ampla composição social tenha de fato força e capacidade necessária para dirigir o nosso povo na luta pelo progresso e independência, na luta pela liberdade e justiça social, na luta por um governo democrático e popular. Precisamos enfim de um Partido bem diferente daquele nosso velho e glorioso Partido. Hoje, precisamos de um Partido de novo tipo, de um grande Partido bem ligado às massas”.
O crescimento do Partido também foi impulsionado por um ousado trabalho de propaganda inédito na história do movimento operário e popular brasileiro. O Partido Comunista chegou a ter oito jornais diários no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul, Goiás, e Espírito Santo. O jornal A Classe Operária voltava à luz do dia como órgão central do Diretório Nacional do PCB. O Partido possuía duas editoras que publicaram vários livros e folhetos, em grande parte trazendo textos dos principais dirigentes partidários.
A eleição para a assembléia nacional constituinte
José Linhares transformou as eleições parlamentares já convocadas em eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte e manteve a eleição presidencial. Prestes lançou um Manifesto no qual afirmava: “Definitivamente vitoriosa há poucos dias, com a assinatura pelo atual Governo da Lei Constitucional nº 13, a idéia por que tanto nos batemos, da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, era de se esperar que fosse em seguida suspensa a realização do pleito presidencial, como conseqüência jurídica imediata daquele ato constitucional. É evidente contra-senso político e jurídico a realização de eleições simultâneas para presidência da República e para a Assembléia que, segundo a lei, será soberana e constituinte”.
Em novembro o PC do Brasil divulgou um programa mínimo que os comunistas defenderiam na referida assembléia. O Programa se resumia em 12 pontos dos quais constavam: o direito do povo cassar a qualquer momento o mandato de seus representantes; direito de voto aos analfabetos, soldados e marinheiros; igualdade de direitos sem distinção de sexo, religião, raça e nacionalidade; liberdade para todas as religiões e o ensino público efetivamente laico; juízes eleitos pelo povo e a justiça como serviço público e gratuito; poder executivo exercido por um Conselho de Ministro sob o controle de uma Assembléia de Representantes a ela cabendo eleger o Presidente, sem poderes superiores ao dela; as forças armadas da Nação submetidas à autoridade suprema da Assembléia de Representantes; passagens ao poder do Estado, para que sejam distribuídas gratuitamente aos camponeses sem terra, das grandes propriedades mal utilizadas ou abandonadas e devolutas; nacionalização dos trustes e monopólios que pelo poderio econômico pudessem ameaçar a independência nacional.
O PCB lançou o engenheiro Yedo Fiuza como candidato à presidência da República. Segundo a direção do Partido, não se poderia concordar “com as duas candidaturas militares” que eram “reacionárias” e não assegurariam “a tranqüilidade e a atmosfera de confiança que tanto almejava a Nação”. Fiuza era engenheiro, havia sido prefeito de Petrópolis e diretor do Departamento de Águas e Esgotos da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Em entrevista recente o dirigente comunista João Amazonas afirmou: “Yedo Fiuza era um homem de Getúlio. Até se dizia na época que ele era ‘da copa e cozinha’ do Getúlio. Era muito ligado a Getúlio. Prestes imaginava que através dele poderia atrair o apoio de massa do Getúlio para o candidato do Partido”. Mas, poucos dias antes das eleições, Vargas declarou seu apoio à candidatura do general Dutra, frustrando os planos dos comunistas.
Nos seus discursos eleitorais, Prestes deixava clara a proposta de se aproximar das massas getulistas. Afirmava ele: “O sr. Getúlio Vargas com seu governo, nestes últimos meses, parecia ceder mais uma vez às aspirações do povo e os reacionários de todas as cores aproveitaram os mais tolos pretextos para esse golpe armado. O governo atual, com o apoio de Partido Comunista, teve que retomar o caminho que vinha seguindo o Sr. Getúlio Vargas e inclusive convocar a Assembléia Constituinte. E aquela parte do proletariado e do povo que ainda não estava no Partido Comunista declara abertamente que preferia o Sr. Getúlio Vargas a qualquer dos dois candidatos militares e o povo tem razão”. Prestes denunciava que as duas candidaturas militares tinham um caráter “reacionário e mais do que reacionário, fascista” e propunha a retomada das “gloriosas tradições civilistas do nosso povo”.
Os comunistas realizaram a mais empolgante campanha eleitoral já vista pelo país e conseguiram eleger 14 deputados federais e um senador, Prestes. O seu candidato à presidência, Yedo Fiúza, praticamente um desconhecido, alcançou 10% dos votos.
(continua)
Augusto C. Buonicore é Historiador, Secretário Geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM)