O histórico militante, jornalista e escritor Carlos Azevedo doou um Rádio TransGlobe para o Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois. No ato da entrega ele contou algumas histórias sobre o rádio.

Carlos Azevedo e o rádio doado na sede do CDM [Arquivo]

“Esse rádio foi comprado por mim e a gente usou no período da clandestinidade, principalmente após o Massacre da Lapa. O Partido ficou com grandes dificuldades de se comunicar e as informações chegavam a partir da Rádio Tirana. A direção do Partido estava lá [na Europa] e inclusive fazia A Classe Operária lá”, conta Azevedo.

Ainda antes da Chacina da Lapa as informações eram veiculadas por brasileiros que, em Tirana, capital da Albânia, narravam em programas de rádio que eram transmitidos em ondas curtas. Alguns tipos de Rádio, por exemplo este TransGlobe, conseguiam captar essas ondas. Era muito comum um militante da esquerda brasileira durante a ditadura militar ouvir por aparelhos como este diversas rádios que poderiam furar o cerco da informação filtrada pela censura brasileira. Além da Rádio Tirana, era comum ouvir a Rádio América, a Rádio Pequim, a Rádio Moscou e a BBC de Londres.

Entre 1969 e 1986 o PCdoB enviou para Tirana diversos quadros que fizeram esse trabalho jornalístico de montar o programa brasileiro para a Rádio, traduzir materiais, narrar os textos e manterem-se em contato com a direção partidária para troca de informações e recebimento de orientações.

Os textos que comporiam o jornal A Classe Operária, durante dezenas de edições, foram narrados pela Rádio Tirana. Os responsáveis pelo jornal ouviam o programa radiofônico, transcreviam os textos, artigos e documentos ali narrados e compunham o jornal. Isso justifica que uma determinada edição do jornal A Classe Operária tinha diversos formatos, fontes, diagramações. Pois eram feitas, a mesma, em pontos diferentes do território brasileiro sem que um tivesse comunicação com o outro.

Os guerrilheiros do Araguaia também tinham rádios desse tipo para poderem saber como que o Partido estava de forma mais abrangente. Dali tiravam as informações sobre a ditadura brasileira e a conjuntura internacional.

“Antes do Massacre da Lapa, eu era representante do Partido na Comissão Nacional de Propaganda, que tinha sido dirigida pelo Aldo Arantes e eu. Nós dois éramos a Comissão. Mas ele foi preso em dezembro de 1976 e eu fiquei isolado do Partido, pois a orientação era não procurar o Partido. O Partido é que nos procuraria. E eu fiquei dois anos isolado.”

“Nesse período a gente continuou trabalhando. Comprei este rádio e ficava sintonizando a Rádio Tirana e gravando todas as publicações que faziam para o Brasil e, principalmente, A Classe Operária. Degravava, datilografava num papelzinho de seda bem fininho e enviava para diversos endereços de autoridades, organizações e parlamentares que recebiam o jornal A Classe Operária e outros diversos documentos.”

Rádio doado por Carlos Azevedo [Arquivo]

“Eu também recolhia materiais censurados pelos jornais e compunha um boletim para enviar por correio a um sem número de endereços. A polícia pegava a maioria, mas em alguns lugares chegavam. Apesar de tudo, a gente conseguia realizar esse trabalho de denúncia dessa forma, e isso é que é importante.”

Azevedo tem larga experiência jornalística. Iniciou sendo repórter no vespertino paulista A Hora, em 1959. Passou pelos jornais Diário da Noite, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e revistas Quatro Rodas, Realidade e O Cruzeiro.

Foi militante da Ação Popular (AP) onde editou o jornal Libertação. Foi um dos responsáveis pelo livro-denúncia “Livro Negro da Ditadura Militar” (1972), que a Fundação Maurício Grabois editou recentemente um fac-símilie. Colaborou com A Classe Operária, Tribuna da Luta Operária e outros.

“Nesse pós Massacre da Lapa eu contribuía com o jornal Movimento, também. Eu compunha esses textos e enviava através da minha mulher para o Raimundo Pereira, editor do jornal.” Nessa ´poca ele também escreveu e publicou o livro “Índios, política de genocídio” que teve uma grande repercussão dentro e fora do Brasil; e “Agricultura: modernização e reforma agrária”.

Foram trabalhos feitos por Carlos Azevedo enquanto ele ouvia as notícias nacionais e internacionais neste rádio. “Serve para mostrar como a gente fazia aquele trabalho, serve como memória. Esse rádio ele acende, mas não capta, eu acho, nenhuma estação” (risos).